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Análise | O vai e vem de Doria expõe sua fragilidade

Ex-protagonista na política nacional, PSDB chega fraturado às eleições de 2022

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Proximidade com a extrema direita custou caro à legenda de João Doria - Nelson Almeida / AFP

O anúncio da renúncia ao governo de São Paulo seguida da confirmação da pré-candidatura à Presidência por parte de João Doria na quinta-feira (31) conseguiu atrair holofotes da mídia que habitualmente não estariam tão voltados a ele em outro tipo de situação. No entanto, mostrou também o grau de fragilidade do atual governador paulista.

A visibilidade de um dia passa logo, os efeitos da atitude de Doria não. Seja para seu partido, cujo presidente, Bruno Araújo, se viu constrangido a declarar apoio ao vencedor das prévias realizadas em novembro, seja para o potencial eleitor que pode perceber nele hesitação ou, pior, um ato teatral com a finalidade de iludir.

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As movimentações para minar as pretensões presidenciais de Doria devem continuar no PSDB. Primeiro porque, ainda que ganhe pontos em uma eventual próxima pesquisa por conta da desistência de Sergio Moro, o governador deve continuar com índices baixos. Percentuais, aliás, que são os menores para qualquer candidato presidencial tucano desde 1989 a esta altura da eleição. E candidatos à Presidência com desempenhos pífios são tóxicos para candidatos a governador e o próprio tucano bem sabe, já que isso o fez aderir a Bolsonaro nas eleições de 2018.

O presidenciável tucano afirmou em entrevista que utilizou de uma “estratégia” para unir a legenda e houve quem o comparasse a Jânio Quadros, que em 1960 chegou a renunciar à sua candidatura presidencial para conseguir carta branca da UDN no comando de sua campanha. A diferença fundamental é que Jânio era a alternativa mais viável da direita à época e o governador paulista está bem longe dessa condição. Os udenistas cederam por conta da força do então candidato, os tucanos que se opõe a Doria não o farão.

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Doria, um desagregador

A atitude não só não deverá apaziguar seus opositores no PSDB como também lança uma névoa de dúvidas sobre seus aliados. Rodrigo Garcia viu sua campanha ameaçada, já que não ocuparia a cadeira de governador. Mas não seria a primeira vez que o hoje presidenciável entraria em colisão com um colega de legenda.

Em 2016, venceu prévias conturbadas após Andrea Matarazzo, uma das figuras históricas do PSDB, desistir e sair do partido atirando. "Vimos compra de votos sem cerimônia com gravações para comprová-la, transporte de eleitores, constrangimento de pessoas, seguranças dentro dos locais de votação e uso da máquina pública", disse em nota, à época, acusando Doria.

Prometeu reiteradas vezes cumprir seu mandato como prefeito de São Paulo até o fim. Mas logo em seu primeiro ano de mandato, 2017, viajou a diversas cidades do país buscando viabilizar sua candidatura à presidência já em 2018. Porém, nem mesmo a antipolítica poderia permitir um salto desses em tão pouco tempo. Sua desatenção em relação à cidade custou em termos de popularidade, mas não o impediu de sair candidato ao governo do estado.

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Como candidato em 2018, evitou ligar seu nome ao do presidenciável de seu partido, Geraldo Alckmin, mas não hesitou em abraçar o então postulante do PSL, cunhando o termo Bolsodoria. Eleito na disputa mais difícil que o partido vivenciou para chegar ao governo paulista, ampliou seu domínio no tucanato e trouxe seu vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB. Àquela altura, já tinha brigado com outras figuras históricas da legenda como o ex-governador Alberto Goldman, a quem chamou de "fracassado" e "improdutivo".

Também ganhou a antipatia do atual senador paulista José Aníbal. “É um horror esse cara. Ele é o ovo da serpente dentro do PSDB. Ganhou as prévias, mas não levou”, acusou o parlamentar, em entrevista ao portal Congresso em Foco. Também colecionou desafetos fora de São Paulo, como o ex-presidenciável e atual deputado federal Aécio Neves e o senador e ex-governador do Ceará Tasso Jereissati.

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A guinada do PSDB

Acostumado a duelar com o PT desde 1994 em eleições presidenciais, o PSDB amarga um apequenamento na corrida ao Planalto, com um desempenho ruim em 2018 e que se projeta ainda pior em 2022. Isso não é à toa e se dá muito em função da guinada à direita dada pelo partido.  A campanha de Aécio Neves em 2014 recorreu a um antiesquerdismo exacerbado, buscando inclusive nas redes sociais o apoio de grupos extremistas que mais tarde reforçariam a construção da candidatura de Jair Bolsonaro. Após a eleição, contestou o resultado e deu ainda mais força à radicalização.

Doria seguiu o mesmo figurino. Sem a radicalização política que abriu espaço a extremistas, provavelmente sequer teria chegado à prefeitura de São Paulo em 2016. Sua eleição foi marcada por um fato inédito, a primeira vez em que uma disputa na capital paulista foi decidida no primeiro turno, muito em função de ser um cenário distinto de qualquer outro desde a redemocratização. Após o impeachment fraudulento da ex-presidenta Dilma Rousseff, o antipetismo e a antipolítica passaram a dominar a cena, facilitando a entrada na política institucional de figuras como a de João Doria, que se dizia não um político, mas um "gestor", ainda que tenha sempre transitado na zona cinzenta que mistura empresários, financistas e políticos (foi um dos criadores do malfadado Cansei, em 2007, contra o governo Lula).

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Fez no segundo turno da corrida ao governo de São Paulo uma das campanhas mais agressivas contra a esquerda. Apelidou seu adversário, Márcio França, de "Márcio Cuba", buscou associá-lo ao PT atacando a legenda (como de hábito), apelando ao mesmo ideário extremista de Bolsonaro. Ganhou, mas logo que rompeu com o presidente, sentiu o peso da impopularidade em meio àqueles que haviam lhe dado o voto.

Doria, hoje, pode sofrer o mesmo que seu desafeto Aécio experimentou. Estimulou e aderiu à extrema direita, mas foi abandonado por ela. Em São Paulo, o tucanato tem seu domínio ameaçado e o bolsonarismo que ajudou a levar Doria ao governo do estado pode decretar a primeira derrota da legenda desde 1994 no estado. O custo do oportunismo irresponsável para o PSDB pode ser sua derrocada.

*Glauco Faria é jornalista e editor executivo do Brasil de Fato.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo