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Ranheta é isso

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Em tempo de namoro novo, nada melhor do que ficar num lugar sem muita coisa pra fazer, com muito tempo para namorar - Unsplash
Cheio de saudade, resolveu tirar uns dias de férias para rever o irmão Sebastião e sua família

Meu amigo Zeca tem fama de ser ranheta. De vez em quando implica com umas coisas sem sentido. Mas teve a quem puxar. Seu pai, Sebastião, era mais ranheta ainda. Sei disso porque comprovei pessoalmente.

Eu me lembrei dele por causa da Semana Santa, que vem aí. É que há muitos anos, o Zeca estava de namorada nova e eu também, e propusemos a elas passar os feriados da Semana Santa numa cabana do Zeca, no alto de uma serra, no sul de Minas Gerais, perto da terra dele.

Em tempo de namoro novo, nada melhor do que ficar num lugar sem muita coisa pra fazer, com muito tempo para namorar. Elas toparam, e lá fomos nós.

Domingo, depois do almoço, voltamos para São Paulo, mas passando antes pela casa dos pais do Zeca, para ele ver como estavam eles, conversar, matar a saudade.

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Chegamos lá e fomos recebidos festivamente pela dona Maria, mãe do Zeca, que estava acabando de assar um bolo de fubá e fez um cafezinho bem gostoso pra nós.

Quando estávamos saboreando o bolo e o café, chegou o seu Sebastião. Depois das apresentações, ele perguntou: “Estão gostando desse bolo?”.

Nossas namoradas se apressaram em dizer que estavam achando delicioso. Mas isso, em vez de agradar o seu Sebastião, o que ele fez foi resmungar: “Isso é coisa de brasileiro atrasado. Veja se na Europa tem bolo de fubá”. Pois é.

Apesar de um tanto nacionalista, seu Sebastião gostava da cultura europeia, especialmente da francesa, como muitos homens do seu tempo. Implicava com o bolo de fubá. Cochichei pro Zeca, admirado: “Então é verdade que seu pai é ainda mais ranheta que você”.

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E pouco depois ele me contou que um irmão do seu Sebastião, o Juca, tinha ido embora da sua cidade para o Rio de Janeiro e passou mais de vinte anos sem voltar lá. Não viu o irmão esse tempo todo.

Cheio de saudade, resolveu tirar uns dias de férias para rever o irmão Sebastião e sua família. Quando chegou à casa do irmão, ele não estava, mas foi muito bem recebido pela dona Maria e os filhos. Conversavam emocionados, quando chegou o seu Sebastião, que foi logo abraçado pelo Juca.

O irmão, quase em lágrimas, disse: “Sebastião, quanto tempo! Mais de vinte anos sem te ver... Que saudade!”.

E sabem o que o seu Sebastião respondeu?

“Pois é... Que pena que você vai embora hoje mesmo”.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Douglas Matos