As trevas se intensificaram muito nos últimos tempos. Um fator que dimensiona tal afirmação está, em termos nacionais, ligado a um processo que nem sempre ganha a notoriedade que merece: o desmantelamento da cultura.
A cultura ultrapassa os limites de seu reconhecimento enquanto apenas um setor, um ministério, ou uma área. À matéria cabe um mundo de possibilidades, que são diminuídas diante do conceito que o atual governo implementa, sempre encharcado em preconceitos.
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A cultura engloba a expressão de um povo, é por meio dela que a sociedade se movimenta, desde que mundo é mundo. Ela é motor que permite avanços, que nos tira dos tempos da pedra lascada ao traduzir o que por vezes não possui formas de ser falado ou demonstrado nas linguagens burocráticas, calculadas. Portanto, bloquear a produção e o acesso à cultura é sim um tipo de censura, além de claro sinal de estagnação que impede a evolução diante de inúmeros temas, como violência, machismo, transfobia e racismo – é por meio da cultura que estes males se diluem. Se tivéssemos uma sociedade dedicada à cultura, se pensaria num conceito de segurança pública não pautado no policiamento/cerceamento, mas que se apoiaria nos valores de acesso aos bens culturais e educacionais.
Já não bastasse a escalada da fome, a inflação nas alturas e toda a burocracia impeditiva aos direitos e fomentos para uma vida digna, tirar do povo umas de suas principais ferramentas de expressão é quase um fim da linha. Só não é o fim de fato graças à resistência. A luta invisível, diária, que todos os marginalizados travam em sua ânsia por existir.
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Diante disso, a justificativa do governo ao veto da Lei Paulo Gustavo, que seria uma proteção aos danos causados pela pandemia ao setor cultural, diz muito sobre o tipo de pessoa que comanda a nação. Sob as palavras “contrariedade ao interesse público” há uma camada rigorosa de ignorância, que expressa solenemente a falta de conhecimento sobre o povo a quem se deveria prestar serviços.
Paralelamente, a cultura sofre ataques em diversas instâncias oficiais. Recentemente foi noticiado que a Prefeitura de São Paulo pretende dividir a gestão de suas Casas de Cultura com organizações da sociedade civil, o que tiraria a pouca credibilidade da direção da área quanto os parâmetros mínimos de isonomia.
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Todo esse cenário, é importante ressaltar, se vê envolto de uma grande marcha pelos valores tradicionais e antiquados de uma sociedade que compactua com a exclusão. Algumas das entidades nacionais dedicadas à arte já sofreram censuras explícitas desde 2019, entre outras situações em que boicotes foram arregimentados nos bastidores.
Chegamos a 2022, em tempos em que a voz popular se faz imprescindível à negação de uma política genocida e que faz uso da censura enquanto ‘controle’ social. Que haja discernimento e vontade de lutar para revertermos o quadro.
*Eleita deputa estadual em em 2018 pelo PSOL, Erica Malunguinho foi a primeira pessoa trans a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo