Domingo 24/4

Entenda por que Marine Le Pen está no segundo turno das eleições francesas

Ao defender serviços do Estado só para os franceses, presidenciável repete fórmulas de Mussolini, diz Gilberto Maringoni

São Paulo (SP) |

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Le Pen tira foto com trabalhador francês em Gennevilliers - Emmanuel Dunand / AFP

A candidata da extrema direita no segundo turno das eleições presidenciais francesas, Marine Le Pen, e o nome da esquerda radical, Jean Luc Mélenchon, têm uma semelhança e uma diferença fundamentais: ambos defendem o fortalecimento do Estado e a melhora dos serviços públicos. Todavia, enquanto Mélenchon defende que todos os que estão na França desfrutem disso, Le Pen quer beneficiar só os franceses e excluir os imigrantes dessas melhorias, segundo o professor de relações internacionais da UFABC Gilberto Maringoni. 

A candidata do Reagrupamento Nacional disputa com o presidente Emmanuel Macron o segundo turno das eleições presidenciais no dia 24 de abril após conseguir 8,13 milhões de votos (23,15%). Ela venceu Mélenchon, que teve 7,14 milhões de votos (21,95%), e outros nomes da extrema direita, como Éric Zemmour, 2,38 milhões de votos (7,07%), e figuras de partidos tradicionais como o Partido Socialista e Os Republicanos. Macron teve 9,78 milhões de votos (27,8%).

O segundo turno abriu a disputa pelos eleitores de Mélenchon. Embora pareça contraditório que uma parte considerável dos eleitores do nome mais forte da esquerda, 21% deles segundo pesquisa da Ipsos, pretenda votar em Le Pen, Maringoni destaca a defesa do papel do Estado feita pela candidata  e o componente racial da proposta. 

“A Marine Le Pen vai tornar mais agressiva a defesa dos serviços públicos, do Estado, a pauta dela é muito conservadora na questão dos imigrantes, é uma pauta racista, é uma pauta excludente, mas ela se coloca caudatária [seguidora] do que o fascismo clássico fez na Itália. Se a gente lembrar que o Mussolini se caracterizou por direitos trabalhistas para italianos, construção de vilas e moradias operárias, tentativa de melhorar o padrão de vida dos trabalhadores italianos, não dos de fora, você entende porque Mussolini teve alta legitimidade nos anos 1930, era o cara que renovou a Itália, tirou o país da esculhambação", explica. 

"Isso era a propaganda, com um regime excludente, racista, fascista, aquilo tudo. Mas para os italianos ele buscou melhorar a vida, é o que Marine Le Pen, o discurso que ela está fazendo”, diz o professor da UFABC ao Brasil de Fato. 

Le Pen busca suavizar sua imagem para conseguir vencer Macron nestas eleições e conseguiu realizar parte dessa tarefa com a ajuda de Zemmour. O jornalista e comentarista de televisão prometia enviar de volta 100 mil imigrantes por ano para Argélia, Tunísia e Marrocos. Le Pen, candidata do partido Reagrupamento Nacional, por sua vez, concedeu que a França poderia receber refugiados da guerra na Ucrânia, um dos principais assuntos da eleição.

Ainda assim, ela quer multar mulheres que utilizarem o véu islâmico e promete “controlar” a imigração. Também busca concentrar suas propostas no combate ao aumento dos preços de combustíveis e de alimentos que os franceses enfrentam por causa da guerra na Ucrânia. 

Esse cenário faz com que a vitória expressiva de Macron contra Le Pen no segundo turno de 2017, com quase o dobro de votos, seja improvável e difícil de se repetir.  De acordo com pesquisa do IFOP, Macron tem a preferência de 52,5% do eleitorado e Le Pen, 47,5%.

O presidente francês chegou nas eleições com uma bandeira altamente impopular: aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 65 anos. Pesquisa publicada pelo jornal Les Echos indicou que 70% da população é contra a alteração no sistema de aposentadoria. 


Cidadãos franceses votam na embaixada francesa em Dakar, no Senegal / John Wessels / AFP

Com um segundo turno disputado pela frente, Macron moderou sua proposta e afirmou no dia seguinte ao primeiro turno que poderia mudar o cronograma da adoção das novas idades de aposentadoria e mudar a idade para 64 anos, ao invés dos 65 iniciais.

Mélenchon defende que a idade de aposentadoria seja diminuída para 60 anos. Le Pen, por sua vez, defende manter os 62 anos, mas baixar para 60 nos casos de trabalhadores que começaram em empregos antes dos 20 anos. 

“Isso explica muito a implosão desses partidos [tradicionais]. Porque se direita e esquerda têm um discurso muito semelhante, a direita liberal e a esquerda liberal têm um discurso semelhante, isso explica porque explodem. Esse fenômeno não é só francês”, diz Maringoni.

O professor da UFABC destaca que a social-democracia europeia adotou o “dogma neoliberal”, com privatizações, enfraquecimento do estado e livre negociação entre patrões e empregados. Nessa situação, os eleitores perdem o interesse na política e deixam de votar, avalia o presquisador. 

O primeiro turno de domingo (10) foi a eleição presidencial com o maior índice de abstenção desde 2002. Apenas 73,6% dos eleitores franceses aptos a votarem participaram de fato do pleito,

E a unidade da esquerda?

Com o resultado das urnas e Mélenchon fora do segundo turno por uma margem estreita, houve quem questionasse a falta de unidade de esquerda. Se todos os votos recebidos, por exemplo, pelo Partido Comunista da França e o Partido Socialista fossem transferidos para o nome mais competitivo da esquerda, Le Pen não estaria no segundo turno. 

Militante do movimento político de Mélenchon, a França Insubmissa, e dirigente do Partido de Esquerda, Florence Poznanski destaca que uma coalizão irrestrita dentro da esquerda significaria abandonar “aspectos fundamentais” do programa de Mélenchon.

“Sabíamos que mesmo se conseguissemos alcançar o apoio das outras formações políticas, da esquerda, isso se daria pelo sacrifício de alguns aspectos fundamentais de nosso programa que justificam a ruptura, por exemplo nem todos as outras formações políticas estão a favor de uma Constituinte, nem todos estão favor da redução da idade de aposentadoria, e por aí vai”, diz Poznanski ao Brasil de Fato

Apesar de não estar no segundo turno, a militante destaca o resultado eleitoral expressivo de Mélenchon, que coloca a esquerda como "força incontornável" da política francesa.

O segundo turno ainda coloca outra pergunta fundamental para as esquerdas: o que fazer? Em discurso, Mélenchon defendeu que “nenhum voto” deve ser dado a Le Pen, mas não orientou o voto em Macron, como outros candidatos do pleito. 

Poznanski destaca que fazer oposição em um hipotético governo “xenofóbico e ultra reacionário” de Le Pen seria mais difícil do que fazer o mesmo com Macron no Palácio do Eliseu, a sede do governo francês. Todavia, a dirigente ressalta que simplesmente endossar o atual presidente significaria fortalecer um “projeto neoliberal”. Caso Macron queira o voto da esquerda, o presidente terá que “aceitar suas consequências em termos da adaptação de seu programa”, diz a dirigente.

Edição: Rodrigo Durão Coelho