A ideia do presidente Jair Bolsonaro (PL) de mudar a direção da Petrobras para demonstrar força e preocupação com a alta dos combustíveis durante o ano eleitoral fracassou. Um mês após a estatal anunciar um mega-aumento da gasolina e do diesel, o governo conseguiu apenas que sua segunda indicação –a do químico José Mauro Ferreira Coelho– tomasse posse na presidência da companhia. Também viu aumentar o poder de investidores interessados em preços altos no conselho de administração da empresa.
Até a assembleia de acionistas da Petrobras, na quarta-feira (13), esses investidores tinham três cadeiras das 11 do conselho. O governo tinha sete.
Mas na quarta, a assembleia elegeu para o conselho quatro representantes de investidores. Isso reduziu para seis a representação do governo.
A 11ª vaga é de um representante de funcionários da Petrobras.
O conselho de administração é a principal instância decisória da Petrobras. É quem aprova planos estratégicos e maiores negócios.
::Sob Bolsonaro, estatais abandonam o social e lucram na crise::
Com menos representantes no foro, o governo perdeu força sobre a companhia. Apesar de ainda controlar a maioria dos votos, esse número já foi maior, assim como o poder do Estado brasileiro sobre a estatal.
“Foi uma derrota para o governo”, afirmou Rosângela Buzanelli, integrante do conselho de administração da Petrobras eleita pelos funcionários. “Além de perder uma cadeira no conselho, o governo não conseguiu que seu primeiro indicado assumisse a presidência.”
O primeiro indicado era o consultor Adriano Pires. Ele foi apontado à presidência da Petrobras pelo Ministério de Minas e Energia após a demissão do general da reserva Joaquim Silva e Luna. A relação de Pires com petroleiras privadas, entretanto, levantou questionamentos sobre eventuais conflitos de interesse. Ele desistiu do cargo.
José Mauro Coelho, então, foi indicado. Ele tomou posse como presidente na quinta-feira (14). Em discurso, agradeceu ao presidente Bolsonaro. Prometeu avançar em projetos de vendas de refinarias e outras partes da Petrobras, assim como manter a política de preços da companhia, responsável pelo aumento generalizado de combustíveis no país.
Leia aqui: Reajuste vai levar gasolina a R$ 7 em todo o país
Interesses privados
As vendas e a política de preços fazem parte do plano estratégico da Petrobras anunciado em 2016, após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), com o objetivo de aumentar a lucratividade estatal e, consequentemente, o ganho de acionistas.
Em 2021, a Petrobras obteve lucro recorde de R$ 106 bilhões –1.400% a mais do que em 2020. Disso, R$ 100 bilhões serão distribuídos a investidores em forma de dividendos.
Leia também: O contraste entre preço do combustível e lucro da Petrobras
A União, dona de quase 37% da empresa, receberá mais de R$ 37 bilhões. Já os acionistas privados ficam com o restante, quase R$ 63 bilhões.
Atualmente, somente 18% dos acionistas privados da Petrobras são brasileiros. Os outros 45% são estrangeiros.
Segundo Buzanelli, a participação privada no capital social da Petrobras vem crescendo. O crescimento ocorre porque o governo está se desfazendo das ações que possuía. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, tinha cerca de 15% das ações da Petrobras em 2017. Hoje, tem menos de 8%.
Com mais ações, investidores também ganharam poder de decisão sobre a Petrobras. O aumento da participação deles no conselho, explicou a conselheira, tem a ver com esse processo.
"Está muito crítica a situação da Petrobras. É uma empresa que tem 63% do meu capital social nas mãos de investidores privados", afirmou.
Capital e governo
A representante dos funcionários disse que, neste momento, governo e investidores trabalham em conjunto pois têm interesses em comum. Para ela, apesar de Bolsonaro dar declarações públicas criticando a alta da gasolina, seus indicados à Petrobras defendem a atual política de preços da companhia e aumentam o ganho de acionistas com isso.
Leia mais: Empresa beneficiada por privatizações da Petrobras quer contratar ex-presidente da estatal
Buzanelli ressaltou que o novo conselho de administração da Petrobras tem membros com mandato até 2023. Isso significa que, mesmo em uma eventual mudança de governo, os investidores ainda vão manter representatividade e criar entraves para que a estatal adote uma gestão diferente da atual.
Na última assembleia de acionistas, inclusive, seria votada uma mudança no estatuto da Petrobras para reduzir a possibilidade do governo intervir na empresa. A proposta tinha apoio dos investidores, mas acabou saindo da pauta a pedido do governo.
Segundo fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, o governo solicitou a retirada da proposta da pauta por ora, mas não é contrário a ela. Para eles, Bolsonaro quer “blindar” a Petrobras para caso perca as eleições –o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera todas as pesquisas.
:: Refinaria privatizada aumenta mais os preços de gasolina e diesel ::
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) se manifestaram contra a proposta.
“Somos contrários às alterações estatutárias pois elas retiram o poder do acionista controlador, que é o Estado brasileiro, e este tem como dever constitucional atender o interesse público e não os interesses do acionista especulativo”, disse Mario Dal Zot, presidente da Anapetro.
“A mudança estatutária colocaria a Petrobrás sob o crivo e controle absoluto de seus acionistas privados, diminuindo sua capacidade de responder aos chamados da União”, acrescentou Deyvid Bacelar, coordenador-geral da FUP.
Edição: Rodrigo Durão Coelho