Em meio aos constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL), que coloca em dúvida a eficiência do sistema de votação no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu buscar apoio de observadores internacionais para tentar se blindar de investidas durante as eleições deste ano. A Corte Eleitoral enviou convites para organizações e autoridades do exterior, com intuito de que eles acompanhem a disputa pela Presidência da República.
Desde o ano passado, o chefe do Executivo tem intensificado as críticas a respeito do uso de urnas eletrônicas nas votações brasileiras. Ele nunca apresentou provas, mas diz que o sistema eletrônico abre brecha para fraudes nas eleições. Em contrapartida, defende o uso de papel, o chamado voto impresso.
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O movimento do TSE, que procura amparo da União Europeia, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e do Carter Center, organização fundada pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter na área dos direitos humanos, é visto como "necessário", de acordo com especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Todos eles afirmam que Bolsonaro apresenta "risco" e pode ser uma "ameaça efetiva" nas eleições de 2022.
Os observadores internacionais têm como objetivo “contribuir para o aperfeiçoamento do processo eleitoral, ampliar a transparência e a integridade, bem como fortalecer a confiança pública nas eleições”. Esses grupos também celebram acordos com o compromisso de produzir relatórios, em até um ano, com as conclusões e eventuais recomendações à Justiça Eleitoral brasileira.
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Benefício próprio
Para Lucio Rennó, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), não há dúvida de que o presidente vai tentar descredibilizar o processo de votação neste ano. O especialista diz que, em caso de derrota na corrida pela cadeira no Palácio do Planalto, Bolsonaro vai recorrer ao argumento de fraude, em benefício próprio.
"Não há sombra de dúvida. Ele vai adotar, assim como fez [Donald] Trump, o discurso de deslegitimação do processo em benefício próprio. Ele coloca seu interesse pessoal partidário acima das instituições democráticas", afirmou.
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Rennó avalia que o bolsonarismo, além de colocar em risco o pleito eleitoral, também confronta a democracia do país.
"A democracia precisa se proteger dessa ameaça clara, que tem raízes autoritárias declaradas. Bolsonaro é um apoiador do regime militar e apesar de ter sido eleito inúmeras vezes pelas urnas, insiste em colocá-las em xeque como uma estratégia de confronto e de desrespeito institucional", falou o cientista político.
Se perder, ele fará barulho
Avaliando como importante a iniciativa do TSE de buscar apoio no exterior, os cientistas políticos André César, da Hold Assessoria Legislativa, e Darlan Montenegro, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) afirmam que o chefe do Executivo pode ir além dos questionamentos a respeito da lisura das eleições e convocar apoiadores para fazer algo semelhante – ou até pior – ao que foi feito nos Estados Unidos, quando ocorreu uma invasão ao Capitólio, após o ex-presidente Donald Trump ser derrotado.
"O presidente Bolsonaro volta e meia coloca objeções, questões, ele realmente volta a bateria dele para a questão das urnas e o sistema eleitoral. Isso implica em riscos porque, ele perdendo a eleição – você imagina, por exemplo, quando Fernando Henrique [Cardoso] passou a faixa para o Lula, é difícil imaginar o Bolsonaro fazendo isso para o Lula ou outro candidato –, ele pode insuflar o eleitorado dele, assim como ocorreu nos Estados Unidos", avaliou André César.
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Na mesma linha de pensamento, Darlan Montenegro teme que Bolsonaro possa se espelhar em Trump e afirma que ele "pode fazer até pior".
"Bolsonaro só não deu início ao processo de esvaziamento da democracia porque ele não tem condições e correlação de forças, mas se tiver, ele vai fazer. Se puder criar problema, ele vai criar. Como no último pleito, que a hegemonia política foi de setores da direita e sem compromisso com a democracia, isso cria uma ameaça efetiva e o TSE se sente fragilizado e é normal que se sinta", falou.
Montenegro diz que o presidente sabe do favoritismo do oponente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e por isso tem antecipado as declarações que colocam em dúvida o sistema eleitoral brasileiro.
"Em condições de uma derrota efetiva, ele perde margem de manobra para questionar resultado, mas no caso de um placar apertado, 10% por exemplo, ele tem condição de fazer barulho e mobilizar pessoas de maneira intensa. Ele sabe que o favorito é o Lula e por isso ele faz as ameaças que faz", conclui.
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Em queda
De acordo com levantamento do TSE, com o passar dos anos o número de observadores internacionais nas eleições brasileiras caiu. Os dados mostram que, nas eleições municipais de 2020 apenas seis convidados estrangeiros, de quatro países da América Latina, estiveram no Brasil para acompanhar a qualidade do processo eleitoral.
Na eleição de 2018, vieram para o Brasil 36 convidados e quatro organizações de 14 países diferentes — a maioria africanos e latino-americanos.
Os números estão muito distantes das votações de 2014 e 2010, quando mais de 50 autoridades de 20 nacionalidades diferentes fiscalizaram o sistema eleitoral brasileiro.
Edição: Vivian Virissimo