É um direito mas não é um dever. No Brasil, onde o voto é obrigatório, jovens de 16 a 18 anos podem se alistar para manifestarem sua vontade nas urnas — mas de forma facultativa. Em tempos de polarização e um cenário eleitoral que se desenha para uma disputa acirrada, a mobilização para que essa faixa etária também vote passou a ser bastante enfatizada.
Nos últimos dez anos, a participação do jovem eleitor no Brasil caiu de 4 milhões para menos de 900 mil pessoas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para conter essa queda, o próprio órgão tem investido em tecnologia. Por um lado, o alistamento eleitoral está mais simples e pode ser feito de forma online, em um processo que leva menos de 10 minutos.
Por outro, a comunicação também foi pensada para alcançar diretamente a esse público. O TSE criou uma campanha chamada Bora Votar que usa de hashtags e mobiliza diretamente em redes sociais, com uma linguagem segmentada e fácil. Um hotsite específico está no ar com orientações a respeito.
Para participar do processo eleitoral de 2022, é preciso estar com o título em dia até 4 de maio. Adolescentes com 15 anos podem se alistar, desde que tenham 16 anos completados antes do primeiro turno — marcado para 2 de outubro.
Nas últimas semanas, artistas, influenciadores digitais e outros formadores de opinião também passaram a incentivar a participação dos jovens. "Vejo com bons olhos essas campanhas de mobilização e elas podem interferir no resultado das eleições, já que os jovens são sensíveis ao apelo dos artistas, sobretudo quando a opinião não é no sentido de ‘vote em determinado candidato', mas em algo mais amplo, por exemplo 'vote contra o governo Bolsonaro'", avalia a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises - O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil.
De acordo com pesquisa Exame/Ideia divulgada na última segunda (18/04), essa mobilização vem dando resultados, já que 9 em cada 10 adolescentes entre 16 e 17 anos ouvidos afirmaram pretender votar na próxima eleição. Levantamentos recentes indicam que o cenário favorece atualmente o principal candidato de oposição ao atual presidente Jair Bolsonaro (PL), ou seja, o ex-presidente Lula da Silva (PT).
Na última pesquisa divulgada pelo instituto PoderData, a preferência do eleitorado jovem — entre 16 e 24 anos — era de 51% para o petista, frente a 29% para o atual presidente. "Os mais jovens tendem a defender pautas mais progressistas, como sustentabilidade e meio ambiente, diversidade e inclusão, além de algumas pautas sociais de forma difusa", analisa o cientista político Leonardo Bandarra, pesquisador do German Institute of Global and Area Studies (Giga), em Hamburgo.
Adesão recente
Com o apelo de celebridades como a cantora Anitta e o youtuber Felipe Neto, e a intensificação das campanhas do TSE — que chegou a promover um tuitaço para engajar os jovens —, os números de alistados para votar melhoraram significativamente no último mês. Apenas em março, foram 290 mil os adolescentes que tiraram o título, um aumento de 45% em relação ao mês anterior.
Rocha acredita que esse afastamento seja em virtude de uma visão que os próprios jovens têm de si, como "pouco aptos" e "desconhecedores da política". "Foi o que indicou uma pesquisa que fiz no ano passado em conjunto com a professora [socióloga] Esther Solano e outros pesquisadores latino-americanos. O próprio contexto da política institucional afasta os jovens, que não se veem representados pela política e tudo acaba convergindo para uma diminuição do interesse", afirma.
Para o jurista e cientista político Enrique Carlos Natalino, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), o desinteresse do jovem é consequência também da falta de formação escolar, já que não há no currículo nenhuma disciplina voltada à "capacitação no sentido de entender o funcionamento da democracia e como exercer a cidadania".
"Também acredito que esses jovens, já imersos no mundo digital, não se identificam com o processo político formal que ainda se organiza em partidos políticos hierarquizados e poucos abertos à horizontalidade", acrescenta ele.
Professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a socióloga e cientista política Mayra Goulart enfatiza que há "um desgaste da política tradicional e dos partidos políticos". "Isso vem no bojo de um discurso de negação da política, que vê a política como uma coisa corrupta e condenável. Ou mesmo como um lugar de briga e de desavenças. Cada vez mais é comum pessoas falarem 'eu não comento sobre política'", contextualiza ela.
A professora ressalta que no cenário polarizado vivido pela sociedade brasileira atual, muitas vezes o jovem prefere se abster da politização para evitar conflitos familiares. "A política vem sendo vista como vilã. Isso é terrível, porque afasta as pessoas dessa esfera, a única esfera que o cidadão tem para transformar os rumos do país", acrescenta.