Já passou do tempo de a gente fazer uma intervenção séria na estrutura eleitoral brasileira
PT, PCdoB e PV registraram nesta segunda-feira (18), o estatuto da federação partidária que unirá as siglas nos próximos quatro anos. Sob o nome de “O Brasil da Esperança”, a unidade, que será dirigida por Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, terá como principal tarefa formar uma bancada parlamentar que dará sustentação a um possível governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concorre ao pleito neste ano. O presidente do PV, José Luiz Penna, acredita que, para além de unir as bancadas dos três partidos, a federação é também uma “questão de se posicionar claramente para a sociedade, no sentido oposto ao que tem sido proposto pelo governo [Jair] Bolsonaro. Esse é nosso posicionamento e o que nos conforta”.
Convidado desta semana no BdF Entrevista, em mais uma edição da série de conversas com presidentes e porta-vozes de partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados, Penna explica ainda que o mecanismo pioneiro das federações, aprovado no final do ano passado, possibilita que os partidos coloquem à disposição dos eleitores os seus melhores candidatos.
“Com a federação, nós podemos lançar o melhor de nós, o melhor de cada um dos partidos, sem aquela obrigatoriedade - porque está proibida a coligação proporcional - de você encher a sua lista com pessoas, às vezes, sem o preparo adequado para a representação no Congresso”.
O escolhido por Lula para vice é o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB-SP), com quem o presidente do PV mantinha conversas constantes e de quem já foi secretário de Cultura, entre 2017 e 2018.
Segundo Penna, a ideia era que o ex-governador fosse candidato a vice filiado pelo PV, com o objetivo de passar uma mensagem ao mundo sobre o empenho de um futuro governo do PT com o meio ambiente.
“Nós achávamos, e continuamos achando, que a candidatura Alckmin pelo PV daria mais amplitude à chapa e um sinal muito forte para o mundo. Por um lado, nós precisamos dar um sinal de consonância com o querer do mundo e, do outro lado, internamente daria uma ideia de reparação aos danos ambientais. Era um sinal para os grileiros, os garimpeiros ilegais, os cortadores de madeira em áreas públicas, todo esse universo perverso, iria sentir, de cara, um freio, um sinal de alerta”.
Na entrevista, Penna ainda fala sobre a legislação eleitoral brasileira, o sistema presidencial (que na opinião dele deveria ser parlamentarista) e também sobre o combate às mudanças climáticas e ao desmatamento no Brasil.
“A Amazônia é um ecossistema que é a nossa riqueza. O Brasil, nesse cenário que estamos vendo, pode ser protagonista da luta contra o desastre ambiental, contra o aquecimento global e a crise climática. Nós temos todos os instrumentos. E replantar, agora não é parar [o desmatamento], nós precisamos refazer as florestas”.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Em 2010 o PV teve uma presidenciável, Marina Silva. Em 2014 apoiou Aécio Neves no segundo turno contra Dilma Rousseff. Em 2018 o partido definiu neutralidade, mas vetou apoio a Bolsonaro. Agora, fechou questão sobre a federação ao lado do PT e do PCdoB. Qual o PV que entra nestas eleições?
José Luiz Penna: É a necessidade de reafirmar o caminho democrático, porque nós temos ameaças todos os dias à democracia no Brasil. Há um projeto em marcha liderado pelo Bolsonaro, autoritário, que tem uma briga constante com a vida institucional do país, o que representa um perigo terrível.
O partido começou trabalhando a possibilidade de juntar o campo democrático para fazer o enfrentamento a esse espírito autoritário que nos ronda, mas infelizmente muitos partidos estão preocupados apenas com suas representações e cadeiras do Congresso, deixando o Brasil para o segundo plano, o que é um crime de lesa pátria.
Nesse processo apareceu a possibilidade de a gente claramente se posicionar a favor da democracia, a favor da recuperação. Porque dizem assim: “ah, mas vocês estão em outro campo”, não. Quem pode derrotar essas manifestações autoritárias é quem deve liderar o processo.
E inevitavelmente chegamos à conclusão de que o Lula tinha amplas condições de derrotar o Bolsonaro e essa é a nossa adesão. Fizemos uma federação com esses partidos, para sinalizar para a sociedade que nós estamos amplos para combater esse monstro que está aí no poder, que ameaça todos os dias as instituições. Com as questões ambientais, ele foi absolutamente cruel.
O PV enfrentava uma dificuldade real por conta da cláusula de barreira nestas eleições. A entrada na federação, ao lado de PT e PCdoB, também foi motivada por esse objetivo?
Para fazer os 2%, nós precisaríamos de 0,30% e tantos. O esforço a ser empreendido para fazer isso não era nada inumano, nós podíamos fazer politicamente. Mas eu acho que não é essa questão, apenas. A questão é de se posicionar claramente para a sociedade, no sentido oposto ao que tem sido proposto pelo governo Bolsonaro. Esse é nosso posicionamento e o que nos conforta.
Porque tudo o que foi construído em defesa do meio ambiente, as legislações, os instrumentos, foram dinamitados. Não é que nós tenhamos escolhido o Bolsonaro como inimigo, ele nos escolheu como inimigos. Nós estamos em campos opostos muito claramente.
Mas a questão da cláusula de barreira e da legislação que colocou esse ponto na política brasileira incomodava o senhor? Eu conversei com a presidenta [do PCdoB] Luciana Santos dias atrás e ela falava sobre como a cláusula acabava destruindo, na verdade, a diversidade partidária. O senhor concorda com isso?
A legislação é absolutamente perversa, porque junta muitas coisas. Primeiro, financeiramente nós somos garroteados. É desproporcional o que os grandes partidos recebem e nós. Depois o tempo de televisão, mídia, rádio e tal, também é infinitamente menor.
Agora, é importante que isso seja dito por uma pessoa com a responsabilidade que Luciana Santos tem e é verdade, mas eu quero ressaltar coisas interessantes. Por exemplo, na federação nós podemos lançar o melhor de nós, o melhor de cada um dos partidos, sem aquela obrigatoriedade - porque está proibida a coligação proporcional - de você encher a sua lista com pessoas, às vezes, sem o preparo adequado para a representação no Congresso.
Eu não sou a favor de proibir com a coligação proporcional com essa legislação que está aí, porque, por exemplo: “ah, na Europa não tem”. Mas na Europa tem o voto em lista. Você não vota na pessoa, você vota no partido, depois a lista é preordenada pela vontade interna dos partidos. Quer dizer, a sua convenção é que vai dizer quem é o primeiro. É um universo completamente diferente.
Eu acho que já passou do tempo de a gente fazer uma intervenção séria na estrutura eleitoral brasileira, a começar pelo presidencialismo brasileiro, que é um verdadeiro absurdo. Você elege, a cada quatro anos, um déspota, e tem que acender vela para ser um déspota esclarecido, porque quando é o caso, como agora, entra uma pessoa que não tem esclarecimento algum.
O senhor acredita que seria necessário mudar o sistema presidencial? O que seria utilizado no lugar da estrutura que já temos definida?
Nós somos parlamentaristas por princípio. “Ah, mas com esse Congresso, como é que faz?”. É a galinha ou o ovo. Se você não tem partidos com representatividade, você poder escolher seus melhores candidatos, ordenar a sua lista, você corre um risco muito grande.
Também, a burocracia estável. Não é possível o presidente do Brasil ficar mudando o presidente da Petrobras como quem muda de camisa.
O senhor mantinha conversas constantes com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, nas últimas semanas, para tentar entender qual seria o caminho que ele iria tomar. Alckmin acabou se coligando ao PSB e, agora, oficializando a candidatura a vice na chapa com o ex-presidente Lula. Os desdobramentos e os ganhos políticos dessa chapa nós só vamos ver pelo caminho, mas o senhor acredita que pode ser mais importante para a governabilidade, no pós eleição?
A nossa conversa com Alckmin é perene, nós temos uma relação de trabalho que perpassa os tempos. Todo governo Alckmin teve um espaço, no primeiro escalão, para o Partido Verde. Eu tive a oportunidade, no último governo, de ser o seu secretário de Cultura, sempre tivemos, e vamos continuar dialogando. Não é uma coisa que aconteceu rapidamente, no calor.
Nós achávamos, e continuamos achando, que a candidatura Alckmin pelo PV daria mais amplitude à chapa e um sinal muito forte para o mundo. Por exemplo, hoje, é fato, o sonho estratégico da humanidade é combater a crise climática e o aquecimento global e os exemplos estão aí, em todo o canto.
Contra o [Donald] Trump, o [Joe] Biden focou na mudança da matriz energética, para diminuir o impacto ambiental. Esse é o grande mote. E para você sair da crise em que nos metemos, você precisará de financiamento internacional. Por um lado, nós precisamos dar um sinal de consonância com o querer do mundo e, do outro lado, internamente daria uma ideia de reparação aos danos ambientais.
Era um sinal para os grileiros, os garimpeiros ilegais, os cortadores de madeira em áreas públicas, todo esse universo perverso, iria sentir, de cara, um freio, um sinal de alerta. Não era vaidade de menino, “nós vamos ter o vice”. Era uma coisa política e o Alckmin estava muito sensibilizado.
Mas, quando o PSB resolveu não participar da federação, o Alckmin e o Lula entenderam que essa seria uma forma de amarrar essa aliança com o PSB e ele foi para lá. E eu acho que está tudo certo, passou a ser uma coisa importante, da mesma maneira.
A causa ambiental é uma das pautas mais urgentes hoje, não só no Brasil, mas no mundo. Como o PV vai influenciar o programa de governo do presidente Lula nesse sentido?
Através das nossas fundações, nós já estamos trocando ideias sobre esse tema. O PT tem vontade de compartilhar com a gente essas informações, mas tem dificuldades, porque o caminho deles é outro. Mas vamos ter que confluir para uma candidatura que tenha sensibilidade nessa parte. Agora, a nossa preocupação não é só essa. É isso que precisa ser dito.
Nós não podemos mais conviver com o absurdo da distância do poder aquisitivo entre os brasileiros. Eu sei que o mundo passa, nesse momento, o mais criminoso dos processos de concentração de renda, mas no Brasil é histórico, essas coisas são seculares.
Desde a Abolição da Escravatura, onde não se pensou, nem um pouco, em equipar a população para viver a liberdade plena cidadã, mas se jogou no mar do “salve se quem puder” toda a população de escravos, mulatos, índios, mamelucos, cafuzos, como se tivesse jogado ao mar.
Eu vou dar um exemplo para deixar bem claro: o Partido Verde defende a Zona Franca de Manaus, porque no dia em que ela não tiver viabilidade, aqueles dois milhões de brasileiros ali localizados vão tentar sobreviver de alguma maneira. E o caminho mais indicado para vencer a fome é invadir a floresta e dinamitar a nossa reserva.
É preciso que a gente saiba que essa disparidade econômica entre a maioria da população e os privilegiados, que são pouquíssimos, é uma crise ambiental grave.
O desmatamento na Amazônia, e também em áreas verdes e biomas do país, bateu recordes este ano, com o governo Bolsonaro. É possível reverter essas perdas em uma próxima gestão presidencial?
É claramente possível, precisa ter vontade política. A Amazônia é um ecossistema que é nossa riqueza. O Brasil, nesse cenário que estamos vendo, pode ser protagonista da luta contra o desastre ambiental, contra o aquecimento global e a crise climática. Nós temos todos os instrumentos. E replantar, agora não é parar [o desmatamento], nós precisamos refazer as florestas.
O agronegócio precisa saber que o vapor, os rios voadores como estamos chamando agora, eles vêm de lá, pelos esforço das árvores de jogar o vapor na atmosfera, e os ventos carregam para os campos de agricultura. É uma nova consciência que nós temos que ter, com a vastidão que temos de um país continental, a produção agrícola depende da Amazônia.
Os verdes, unidos pela carta dos verdes mundiais, têm avançado em espaços legislativos pelo mundo, mas não obtiveram, pelo menos até o momento, vitórias significativas em cargos executivos. O que falta para que esses partidos passem de coadjuvantes nas campanhas, e partidos de bancada legislativa, para um real protagonismo? Na Alemanha, o Partido Verde terminou em terceiro nas eleições, próximo dos principais candidatos.
E ocupa ministérios estratégicos. É um avanço considerável. Agora, a política não é apenas a manifestação e a capacidade de trabalho dos seus dirigentes. É o entendimento da sociedade e nós verdes do mundo, em mais de cem países, você tem a sensibilidade de perceber que nós estamos vivendo um ponto de mutação, porque essas ideias tomam corpo na sociedade como um todo.
É inevitável o nosso crescimento diante dessas bandeiras, que são as bandeiras de todos os habitantes do planeta. Ilhéus, por exemplo, assim como outros países, pode desaparecer do mapa pelo avanço dos mares, é um negócio maluco.
Agora, como formação, os verdes não têm ideias de partido único. Nós temos ideias de governos compartilhados, como na Alemanha. Lá tem dois turnos, nós fizemos a nossa campanha no primeiro turno, depois, com a força política que conseguimos, fizemos a composição de um novo governo.
A função do partido é uma coisa muito avançada. Quem primeiro se mexeu no sentido do Euro foi o Partido Verde. Eu fui para Roma, quando decidiu-se que os estados nacionais seriam como se fossem estados de uma nação, que é a Europa. É um partido avançado, que tem imprimido ao mundo mudanças importantes.
Um ponto que é caro aos movimentos populares que apoiam o ex-presidente Lula nessa campanha é a questão da agroecologia, da reforma agrária e da agricultura familiar. No encontro com o MST, algumas semanas atrás, Lula disse que é importante formar uma bancada progressista no Congresso para encampar esses projetos. O senhor acredita que esses projetos terão fôlego em um possível governo Lula?
Nós temos que fazer uma eleição importante nessa coisa de ocupação de cadeiras. O Lula fala em duzentas cadeiras, não é impossível. Eu acho que a questão agrícola brasileira, como muitas outras, é porque a elite não suporta planejamento. Se a gente não fizer um zoneamento ecológico agrícola, tudo fica confuso.
Por exemplo, Porto Seguro, na Bahia. Eu fui lá, foi uma região que se viabilizou pelo turismo. Há uns anos atrás tinha mais ofertas de cama em hotéis, pensões, etc, que Salvador. Agora, para que você põe cinco fábricas de celulose em um lugar que se viabilizou como uma coisa diametralmente oposta?
Então, esse zoneamento agrícola, ecológico, é uma coisa que já passou da hora do Brasil ter. O que se come no Brasil é produzido por minifúndio e, majoritariamente, por agricultura familiar. Isso tem que estar no cinturão verde das grandes cidades. Porque não tem um projeto assim?
São essas coisas que a elite brasileira capenga, míope, não consegue se liberar. Para quê botar boi no Pantanal, boi na Amazônia?
Edição: Felipe Mendes