opinião

Artigo | Banquete para Piratas Neocolonizadores

Governo está criando caminho insustentável para a exploração de petróleo e gás no Brasil

Curitiba (PR) |
Plataforma de exploração de propriedade da Petrobras - Geraldo Falcão/Agência Petrobras

Sabe aquela mentalidade de garimpeiro de séculos atrás? Ou melhor, de pirata, que retira tudo que pode de um território, sem se preocupar com o que fica? Pois é, estamos em pleno século XXI e o país está vivendo essa realidade. O Governo Federal, além de desprezar o valor das populações tradicionais, especialmente indígenas, está pavimentando um caminho insustentável para viabilizar a exploração de gás e petróleo no país. Com o 3º ciclo da Oferta Permanente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o avanço do garimpo ilegal sobre terras indígenas, vemos em curso um verdadeiro banquete para piratas neocolonizadores.

Há várias artimanhas em curso. Para começar, a mudança do funcionamento das Rodadas de Licitações de Petróleo e Gás Natural. Nesses processos, há boiadas de várias raças pisoteando a legislação ambiental brasileira, o que significa que o direito à vida está sob ataque. É o que vemos com o vazamento de óleo na Base de Lagoa Parda, no norte do Espírito Santo. Para o Sindicato dos Petroleiros do Espírito Santo (Sindipetro/ES), o despreparo vem com a política de privatizar tudo a qualquer custo, na qual o governo “vende a preço de banana e o empresário só quer lucro acima de tudo”.

A região, sensível e já sob ataque, está próxima de poços de extração de petróleo e gás vendidos no último dia 13, no 3º ciclo da Oferta Permanente. Ao todo foram 59 blocos leiloados, muitos vendidos a R$ 50 mil, R$ 56 mil. Essas investidas do governo promovem inseguranças de vários tipos, tanto para a comunidades rurais e urbanas quanto para empresas petrolíferas, especialmente no processo de licenciamento ambiental.

Cada bloco é parte parte de uma bacia sedimentar, formado por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices, onde são desenvolvidas atividades de exploração ou produção de petróleo e gás natural. Eles estão sendo ofertados sem estudos ambientais conclusivos. Ou seja, sem a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) conforme preconizam as diretrizes ambientais das Rodadas de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural.

Na prática, a ANP e o Governo Federal ferem os direitos constitucionais garantidos a pescadores artesanais estabelecidos por decretos que regulamentam a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e também os direitos destas comunidades tradicionais garantidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os acordos internacionais para conservação da biodiversidade, de proteção a ambientes marinhos e de espécies ameaçadas são solenemente ignorados. Sem falar no Acordo de Paris, que trata da crise climática.

Os piratas neocoloniais também atacaram uma resolução do Conselho de Política Energética, formado por técnicos dos Ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente, que apontava que deveriam ser readequados no certame blocos onde há conflitos territoriais. Uma canetada do então ministro do meio ambiente Ricardo Salles destituiu o Grupo de Trabalho Interministerial de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), responsável pela análise prévia das áreas a serem licitadas, que incluía em sua composição atual representantes do MMA, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Essa decisão foi lamentada inclusive pelo próprio coordenador geral de Meio Ambiente da ANP, Nilce Costa, na audiência pública de 25 de março deste ano. Todos os blocos inseridos depois da extinção do GTPEG não apresentam análise ambiental, o que não garante que a exploração poderá ser feita sem afetar outros setores econômicos, como a pesca e o turismo.

A ANP não cumpre nem o que ela mesma determina. A legislação ambiental sobre como agir em caso de derramamento de óleo, atualizada em janeiro deste ano, não foi incorporada no processo de Oferta Permanente. O decreto Nº 10.950, de janeiro deste ano, que dispõe sobre o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional, não foi mencionado em nenhuma das diretrizes ambientais apresentadas nas partilhas realizadas pela ANP em março de 2022, especialmente na a Oferta Permanente sob o regime de partilha de produção.

Também não está preocupada com as populações que são diretamente atingidas pela exploração dos territórios. Aliás, em seus eventos, a ANP encara a participação social como mera formalidade. Não respondeu a nenhum dos encaminhamentos feitos pela Arayara durante o processo da Oferta Permanente e negou sua entrada no leilão do 3º Ciclo, apesar dos representantes da organização terem feito todos os processos exigidos pela agência.

Como bem definiu a ministra Cármen Lúcia, estamos vivendo um momento de desmonte, uma forma de "cupinização", um jeito de destruir por dentro conquistas da democracia. Ou seja, além de ignorar que vivemos um tempo de crise climática e urgência de transição energética justa, que provocam prejuízos incalculáveis devido a seus eventos climáticos extremos, com secas e enxurradas, o governo age mais como pirata saqueador que depreda os recursos do próprio país, do que como um servidor público que deveria zelar pelo bem social e ambiental.

*Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora executiva do Instituto Arayara e Juliano Bueno Araújo é diretor técnico da mesma instituição.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Felipe Mendes