Um tiroteio no metrô subterrâneo de Nova York, na semana passada, trouxe novamente à superfície a discussão sobre um problema endêmico dos Estados Unidos: a posse de armas. Líder isolado no ranking de armas per capita, os EUA contam 120,5 armas para cada 100 habitantes. O Iêmen, que aparece na segunda posição, tem 52,8 armas para cada 100 pessoas.
O problema é que, nos Estados Unidos, o número elevado de armamentos parece refletir em um número maior de crimes também: só em 2022 foram reportados 144 tiroteios. "É importante lembrar que as estatísticas consideram tiroteio as tragédias onde quatro ou mais pessoas, além do atirador, são mortas ou feridas a bala", explica Eugene Volokh, professor de direito da UCLA, deixando claro que o número de incidentes com armas de fogo pode ser muito maior.
Ainda de acordo com o especialista, não é exatamente lógico associar o volume de armas per capita ao número de tragédias. "Temos países como a Suíça, por exemplo, onde existe ampla posse de arma, mas baixa criminalidade e homicídio", e completa, "dos países ocidentais, além dos EUA, não parece haver muita conexão entre o número de armas e homicídios. Os EUA têm uma posse de armas muito grande e tem taxas de homicídio bastante altas em comparação com a Europa Ocidental e outros tipos de países ricos, mas não está claro se tem a ver com a disponibilidade de armas ou se tem a ver com a nossa cultura, com as práticas de policiamento dos Estados Unidos, com a forma como as gangues operam aqui. Ninguém sabe com certeza. O que temos certeza é que existem cerca de 400 milhões de armas nos Estados Unidos, e isso é mais do que uma por pessoa. Essas armas não vão a lugar nenhum."
A situação, contudo, não deve melhorar. Um estudo publicado pelo National Opinion Research Center, da Universidade de Chicago, indicou que um a cada cinco americanos compraram uma arma pela primeira vez durante a pandemia.
"Entre os anos de 2010 e 2019, os americanos compraram 13 milhões de armas por ano – e isso foi uma constante ao longo desse período. Aí em março de 2020 houve uma grande escalada, quando 21 milhões de armas foram vendidas – mais de 50% em relação ao ano anterior. Em 2021, foi quase a mesma coisa: 20 milhões de armas vendidas", diz à reportagem do Brasil de Fato um dos pesquisadores envolvidos na pesquisa, John Roman.
Para tentar entender melhor esse fenômeno, os acadêmicos analisaram a demografia dessas pessoas que compraram armas pela primeira vez. Os números mostram que a maioria dos que agora têm posse de revólveres são jovens e negros, justamente a parcela da população que é mais propensa a ser vítima de crimes violentos. Isso leva a entender que ainda tem fôlego a ideia de que uma arma é sinônimo de proteção; de auto-defesa, mesmo que diversos estudos já tenham apontado o contrário. Uma pessoa armada tem quase 5 vezes mais chances de ser baleada do que alguém que anda desarmado.
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"Pode ser que o estresse da pandemia tenha feito com que as pessoas temessem que o número de homicídio disparasse, e eles se armassem também. Ou seja, talvez isso seja uma resposta ao medo, mas pode ser também que o problema da posse de arma dos Estados Unidos seja tão massivo que ter um revólver seja algo bastante comum", diz Roman.
O número de homicídios causados por disparos de arma de fogo subiram 30% nos EUA no último ano, o maior aumento anual das últimas seis décadas. Há quem defenda que fatores políticos, econômicos e sociais estejam por trás dessa realidade, mas o dado é indissociável do número elevado de armas no país.
"Há uma relação mecânica entre quantas armas existem e quantos tiroteios acontecem: se você adicionar 100 armas, haverá outro incidente. Se você adicionar 40 milhões de armas, como fizemos nos últimos dois anos, você terá milhares de tiroteios", defende Roman. "Não é que os donos de armas sejam pessoas más ou, sei lá, irresponsáveis. É que algumas armas inevitavelmente se tornarão armas de crime: serão roubadas, serão perdidas, serão vendidas para a pessoa errada. Quanto mais armas houver na sociedade, mais tiroteios acontecerão, e é apenas uma aritmética básica".
Edição: Thales Schmidt