O indulto de graça constitucional concedido na quinta-feira (21) pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado Daniel Silveira (União Brasil-RJ) gerou repercussão negativa em diferentes setores do mundo jurídico e político. Na prática, a decisão significa o perdão da pena imputada ao parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Deputados, senadores e especialistas manifestaram um conjunto de críticas e ponderações à atitude do chefe do Executivo, que agora deverá ser avaliada pelo próprio STF. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) manifestou repúdio à iniciativa, que, segundo a entidade, desvirtua o objetivo de um indulto dessa natureza.
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“A ideia doutrinária do indulto individual funda-se em razões humanitárias, não como uma revisão jurídica de mérito para beneficiar aliados políticos, o que afronta as regras do direito e a estabilidade das decisões judiciais”, disse, em nota, ao acrescentar que houve desvio de finalidade e “grave abuso de poder” por parte de Bolsonaro.
Em entrevista ao jornal Brasil Atual, da RBA, o desembargador Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foi na mesma linha. Ele disse que há problemas técnicos e políticos na ação de Bolsonaro.
“O indulto individual ou graça deve ser provocado, pedido, segundo a Lei de Execuções Penais. O ato de Bolsonaro, rompendo as formalidades e no dia seguinte ao julgamento, teve o inequívoco intuito de deslegitimar a decisão do STF”, ressaltou o magistrado, ao acrescentar que o episódio inaugura mais um capítulo da crise institucional.
“Bolsonaro pretendeu não apenas conceder favor a um amigo, mas, ao mesmo tempo, se colocar como intérprete supremo da Constituição e provar que pode mais que o STF. Ele já havia dito certa vez ‘a Constituição sou eu’. Agora ele partiu para a ação. Sem dúvida, vai ser questionado na Justiça e, para a sua frustração, é o Supremo que irá dar a ultima palavra”.
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Se a decisão do presidente se efetivar, Silveira se libera da obrigação de cumprir a pena de oito anos e nove meses de prisão imposta na quarta-feira (20), quando o plenário da Corte julgou o processo em que o deputado é enquadrado por atentar contra a democracia e contra o Poder Judiciário.
Os ministros também definiram, entre outras coisas, que ele deve perder o mandato e os direitos políticos. Estas últimas medidas permanecem aplicáveis, mesmo com o indulto de Bolsonaro, o que não ocorre com a pena de prisão.
O assunto foi rechaçado por diferentes parlamentares. O líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN) disse que “governos autoritários alimentam sempre o germe da corrupção”.
“Bolsonaro acha que pode tudo enquanto estiver no cargo que ocupa, mas há limites. Esconder os mal feitos da parentalha e dos aliados já estávamos acostumados, infelizmente, e para isso ele emporcalhou as instituições que deram guarida a seus desejos. O povo brasileiro deve repudiar com veemência mais essa atitude de um homem incapaz de honrar a cadeira de presidente da República”.
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Ainda na quinta (21), a líder da bancada do Psol na Câmara, Samia Bomfim (SP), anunciou pelas redes sociais que o partido entraria com um projeto de decreto legislativo (PDL) para suspender os efeitos do indulto. Nesta sexta (22) a sigla protocolou o pedido.
Em nota divulgada à imprensa, a legenda disse que houve violação da separação entre os Poderes, afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade, bem como desvio de finalidade.
“No Estado democrático de direito, o presidente da República, ministros e deputados federais devem se submeter à Constituição Federal e às leis vigentes, devendo respeitar o livre exercício dos Poderes e as liberdades democráticas. Nenhum direito constitucional é absoluto”, argumentou o partido.
O PDT também anunciou, na quinta (21), que ingressaria com ação junto ao STF contra o ato do chefe do Executivo. “Não iremos aceitar essa afronta ao caráter de imparcialidade e impessoalidade da justiça”, disse, pelo Twitter, o presidente da sigla, Carlos Lupi.
Amanhã o jurídico do PDT entra com ação contra mais um ato autoritário de Bolsonaro. Não iremos aceitar essa afronta ao caráter de imparcialidade e impessoalidade da justiça. #PDT
— Carlos Lupi 🇧🇷🌹 (@CarlosLupiPDT) April 21, 2022
Membros do PCdoB também alvejaram a iniciativa do presidente. “Bolsonaro aposta no confronto e em quebrar ordem institucional. Autoritário!”, disse, por exemplo, o deputado federal Orlando Silva (SP), um dos principais articuladores políticos da sigla.
SEM GRAÇA!
— Orlando Silva (@orlandosilva) April 21, 2022
Bolsonaro anuncia concessão de graça a Daniel Silveira.
Traduzo: presidente usa poder dado pela constituição federal para desfazer decisão do STF que condenou o sujeito a 8 anos e 9 meses.
Bolsonaro aposta no confronto e em quebrar ordem institucional. Autoritário!
Nesta sexta (22), o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou um PDL no Senado e uma ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) junto à Corte para tentar invalidar a iniciativa do presidente.
“Bolsonaro quer atear fogo no Brasil, concedendo graça a um delinquente condenado a mais de oito anos, antes mesmo do trânsito em julgado”, disse Randolfe pelas redes sociais.
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“Daniel Silveira foi condenado por tentar impedir o livre funcionamento dos Poderes. O que o presidente da República faz? Usa um dos Poderes para perdoar o criminoso. A missão de Bolsonaro e do bolsonarismo é esculhambar a Constituição. Não permitiremos”, acrescentou o senador.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), posicionou-se de forma menos enfática e evitou criticar a iniciativa de Bolsonaro. Apesar de repudiar atos antidemocráticos, ele afirmou que o indulto é uma prerrogativa do chefe do Executivo. “Certo ou errado, expressão de impunidade ou não, é esse o comando constitucional que deve ser observado e cumprido”.
“Também não é possível ao parlamento sustar o decreto presidencial, o que se admite apenas em relação a atos normativos que exorbitem o poder regulamentar ou de legislar por delegação. Mas, após esse precedente inusitado, poderá o Legislativo avaliar e propor aprimoramento constitucional e legal para tais institutos penais, até para que não se promova a impunidade”, finalizou Pacheco.
Edição: Vivian Virissimo