O que se tem é guerra, esta sim incontrastável sob o ponto de vista da razão jurídica
Por Marco Alexandre Souza Serra
A questão é essencialmente política, o sabemos.
De um ponto de vista mais técnico, temos, na raiz do processo contra o deputado Daniel Silveira, aquele espantalho do inquérito das fake news - iniciado de ofício e contra a opinião da Procuradoria Geral da República. Mas o deputado achava pouco e subiu o tom da controvérsia institucional. Instaurou-se a investigação conduzindo Silveira à prisão, dessa vez com a concordância da Procuradoria Geral da República, que, no julgamento de 20 de abril de 2022, reafirmou sua posição favorável à condenação, tal como consumada ao fim do julgamento.
Com relação à inusitada graça - forma individual de indulto aplicada contra condenações criminais -, sabemos também, é prerrogativa do chefe do executivo. Prerrogativa essa que o próprio STF reconheceu, em seu mérito, ser incontrastável pelo judiciário, salientando, contudo, a possibilidade de controle de um outro tipo, digamos, de constitucionalidade.
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Provocado ou não - a inércia da jurisdição já foi mandada pra lá das calendas -, o STF tende a reconhecer a inconstitucionalidade do decreto presidencial que extinguiu a punibilidade dos crimes pelos quais o deputado Silveira foi condenado. Talvez corretamente.
Dizem e dirão, com mais ou menos razão, que ilegalidade não se combate com ilegalidade. Mas sabemos a quem legalmente está cometida, em nosso modelo, outra prerrogativa: a de decidir sobre o estado de exceção.
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A razão jurídica já não preside este, assim como vários outros processos em curso. Dentro e fora do STF. Daí a inanidade de iniciativas como a dos que, a exemplo do Grupo Prerrogativas, se descabelam por identificar nas diabruras do ocupante do poder mais um crime de responsabilidade, suscetível, como tal, a mais um processo de impeachment. Convenhamos: insistência vã em resolver por uma claudicante via institucional o que nela nunca coube.
O que Bolsonaro fez mesmo foi voltar a acionar o botão do "foda-se". Diria que jogou milho para a milícia de galináceos e suas acanhadas massas cinzentas correspondentes. Possivelmente, obterá sucesso com isso. Tomara que fugaz.
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O que se tem é guerra, esta sim incontrastável sob o ponto de vista da razão jurídica. Com a guerra perde-se o pouco que resta do estado constitucional de direito.
A proteção do estado de direito e de toda a institucionalidade que lhe corresponde depende, porém, menos da razão jurídica do que da soberania popular e da cultura política que lhe serve de substrato. É esta que tem faltado ao cumprimento de seu papel civilizatório. Para a desgraça de todos e todas nós.
*Marco Alexandre Souza Serra é Advogado criminal, professor e pesquisador nas áreas de direito penal, processo penal, criminologia e direitos humanos. Coordena, atualmente, o grupo de trabalho (GT) Criminologia crítica e movimentos sociais do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). É mestre em direito das relações sociais pela UFPR, doutor em direito penal pela UERJ e pós-doutor em criminologia pela UNL.
**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo