Análise

STF vive encruzilhada política em meio aos novos capítulos da crise institucional

Indulto de Bolsonaro a Silveira engrossou caldo do conflito e vem ajudando a evidenciar uma Corte mais política

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ainda sem data para julgar indulto de Bolsonaro a deputado aliado, STF segue o curso do processo jurídico enquanto acompanha com atenção os capítulos da crise - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A aridez que hoje marca a relação entre os Poderes Legislativo e Judiciário ajudou a moldar um cenário que evidencia um Supremo Tribunal Federal (STF) cada vez mais político e menos jurídico. Essa é a configuração atualmente percebida pela cientista política Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para a pesquisadora, o fato de os ministros estarem procurando lideranças partidárias e caciques do Congresso Nacional para tentar costurar uma saída conjunta para o imbróglio criado pela condenação do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) é um elemento que pesa na análise.

De acordo com informações divulgadas esta semana pela imprensa, os magistrados estariam, nos bastidores, buscando uma solução que contemple todas as partes do conflito. O engodo movimenta os Três Poderes.

“Eu imagino que o Judiciário é o guardião da Constituição. Então, ele tem que fazê-la valer e, se ele está negociando, é porque está colocando esses preceitos constitucionais num segundo plano. Acho que é preocupante porque é um freio de acomodação, e nós estamos nesse freio já há alguns anos”, identifica a professora.

Ela ressalta que o comportamento atual do STF estimula o aumento de influência e poder por parte do setor antidemocrático.

“Com o fato de o Legislativo fazer esse jogo de tentar negociar não há surpresa, principalmente considerando o perfil e a trajetória dos que o presidem hoje e considerando também que negociar é o papel do Legislativo. Agora, por parte do Supremo isso me parece como se ele estivesse abrindo mão das suas prerrogativas. O STF é pra fazer isso?”, questiona Segurado.

No último dia 20, o plenário do STF definiu penas de mais de oito anos de prisão, cassação, perda dos direitos políticos e multa de R$ 200 mil para Silveira por incentivo a atos antidemocráticos e ataques aos ministros.  

A novidade turvou ainda mais a relação entre os Poderes. Se do lado da oposição a dosimetria da pena foi, em geral, comemorada e vista como uma medida necessária ao momento, por outro, a decisão do STF piorou a via de comunicação com o Palácio do Planalto e deu um caráter cítrico à relação da Corte com os presidentes das casas legislativas e outras lideranças parlamentares.

Com os últimos fatos envolvendo o caso de Silveira, a crise institucional saiu do eixo Executivo-Judiciário e aportou no Congresso, novo centro de gravidade do conflito. O redesenho tem hoje uma questão central: o STF irá ou não derrubar o indulto de Bolsonaro que tenta livrar Silveira da prisão? Informações de bastidores divulgadas pela imprensa têm apontado para dissidências internas na Corte a respeito do assunto.

Por um lado, parte dos ministros entende que há entraves jurídicos para a queda do decreto porque, em 2017, quando se debruçou a respeito de um indulto coletivo concedido por Michel Temer (MDB), a Corte entendeu que o chefe do Executivo tem discricionariedade para esse tipo de ato.  

“Do ponto de vista jurídico, é controverso. O STF tem o entendimento de que o mérito não pode ser discutido, mas há limites pra concessão do indulto. A graça é um tipo de indulto individual. Algumas dessas questões poderiam ser levantadas juridicamente, entre elas o fato de que a Lei de Execução Penal não prevê a concessão de indulto antes do trânsito em julgado”, lembra o professor Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).

Por outro, argumenta-se que o contexto da atual controvérsia seria outro, inclusive por conta da falta de impessoalidade – um princípio constitucional – que caracteriza o documento assinado por Bolsonaro. O presidente tem em Daniel Silveira um aliado e um dos expoentes de defesa do bolsonarismo, com destaque para a parceria no ataque às instituições.

Cálculo

Para além das questões jurídicas, o aspecto político é o que pesa mais neste momento, na avaliação de Holmes. “Acho que o cálculo do STF agora é difícil porque uma radicalização do Supremo vai também favorecer o argumento do Bolsonaro de que ele estaria sendo perseguido, de que o STF não deixa ele governar, essas bobagens todas que ele repete. Acho que pro STF enfrentar agora vai ter um custo político”, avalia.

Paralelamente, o passo a passo do conflito acende novos alertas relacionados às eleições de outubro. Isso porque a crise institucional vem sendo alimentada no compasso dos ataques bolsonaristas ao sistema eleitoral e da proximidade com o pleito deste ano.

Uma eventual não derrubada do decreto ajudaria a sedimentar o caminho para que o presidente amplie sua cruzada às urnas logo adiante, comprometendo a credibilidade do sistema eleitoral e tumultuando o pleito. 

“Não existe escolha fácil. Não acredito em solução jurídica. Acho que a solução será política. Ela vai ser acordada”, projeta a cientista política Grazielle Albuquerque, ao observar o caminho que vem sendo construído pelos ministros.   

As interrogações do cenário se fortalecem à medida que as pesquisas de opinião mostram Lula (PT) consolidado como líder das intenções de voto contra um presidente da República que acumula alta rejeição.

“E fica cada vez mais claro que Bolsonaro está criando um ambiente pra contestar as eleições. Isso é evidente. A imprensa e o Congresso deveriam estar muito atentos a isso. Qualquer risco às eleições atinge também o Congresso”, realça Pablo Holmes.

Discrição

Quaisquer que sejam os próximos capítulos da disputa, chama a atenção ainda no cenário atual o comportamento público dos ministros do Supremo. Logo no início do conflito não era raro ver alguns dos magistrados respondendo às bravatas do presidente da República contra a reputação do Poder Judiciário.

Agora, após a condenação de Silveira, o mundo ao redor observa um Supremo mais contido diante do desenrolar da crise. Diferentemente do que se poderia imaginar, o indulto do chefe do Executivo não gerou grandes sobressaltos públicos por parte dos ministros.

O ponto de virada atraiu a atenção de Grazielle Albuquerque, que pesquisa e acompanha com atenção o histórico do Poder Judiciário no Brasil. “Acho que o STF entendeu que a comunicação bolsonarista é toda acertada e feita pra um grupo pra animar a plateia do Bolsonaro. Qualquer resposta nesse contexto colocaria fogo na situação”, examina.

Em sua análise, a resposta da Corte tende a vir somente no âmbito do trâmite processual.  “É um silêncio estratégico diante da agenda pública e uma grande coalizão interna, pelo menos dentro da antiga formação do Supremo”, pondera Grazielle, ao excluir os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos conservadores e indicados à Corte por Bolsonaro.

Edição: Felipe Mendes