Não podemos permitir o abalo em nossa confiança na nossa capacidade de lutar pela democracia e pela
“ousar lutar,
ousar vencer”
(C. Lamarca)
Na quarta-feira (27), enquanto o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia – FSMJD fazia a abertura de sua primeira edição, realizada na cidade de Porto Alegre, em um auditório completamente lotado, com uma mesa denominada Vítimas do Sistema de Justiça, chegava aos jornais a notícia de que o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial no julgamento dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da operação Lava Jato, bem assim que os direitos políticos de Lula foram violados em 2018, por ter sido impedido de participar da eleição presidencial daquele ano.
A mesa do Fórum foi composta por pessoas que efetivamente sentiram na pele, no corpo e na alma consequências da atuação do Estado, por ação ou omissão. Ana Paula Oliveira e Marinete Silva perderam filho e filha de forma violenta, por policiais e grupo de milícia, respectivamente. Transformaram o luto em luta, ressignificando sua dor em um propósito militante, de legado da memória e em nome de todas as mães que passam cotidianamente por igual martírio.
Fernanda Kaingáng gritou o genocídio do povo indígena, que não encontra proteção devida do Estado, e a usurpação e ocupação ilegais de seus territórios, muitas vezes por meio de decisões judiciais que asseguram a presença de supostos proprietários nas áreas, mesmo quando já concluídos processos administrativos de demarcação.
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Luis Nassif, com sua experiência de mais de 50 anos de jornalismo, trouxe a narrativa da verdadeira tentativa de calar a liberdade de expressão atingindo um dos seus pilares que é a liberdade de imprensa, narrando as inúmeras ações que correm na justiça contra si e o site GGN, que incluem uma condenação pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por, pasmemos, “difamar” Eduardo Cunha.
Por último, Dilma Rousseff fez um panorama do momento em que nos encontramos, a grave crise política e social, identificando que o processo do golpe de que foi vítima como presidenta eleita foi o pontapé do desmonte das políticas públicas de inclusão. Enfatizou que a partir do golpe, houve uma onda conservadora neoliberal e neofascista e muitos acharam que Bolsonaro seria contido, “que tinha o chip da moderação, mas ele não tem, o fascismo não tem”.
As pontas invisíveis do novelo que uniam o debate ocorrendo no auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, completamente lotado, e a decisão em Genebra eram inequívocas. O reconhecimento do papel central do sistema de justiça na concretização da retirada de direitos e na perseguição implacável de populações e grupos socialmente excluídos, de profissionais de imprensa por sua atuação crítica, e de atores políticos teve na operação Lava Jato e na condenação e prisão do ex-presidente Lula o exemplo mais acabado.
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O projeto de poder e de país que sustenta todos esses ataques é o mesmo e se vincula no conteúdo econômico, antidemocrático e antissocial, nos métodos de artifícios à margem da lei, bem como nos resultados nefastos.
A realização de um Fórum Social Mundial com essa temática, que busca alternativas de transformação de nosso sistema de justiça masculino, branco, heteronormativo, oriundo das classes mais abastadas e sem controle social, foi brindado com a decisão do órgão que tem a atribuição de supervisionar o cumprimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, assinado e ratificado pelo Brasil, afirmando a perseguição ao ex-presidente Lula e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, que coroa a luta de todos e todas que defendem os princípios constitucionais do devido processo legal constitucional.
Um dia para celebrar a Justiça, para variar. Um dia para enxergar que apesar de toda a tragédia social, econômica e política por que passa o Brasil, não podemos permitir o abalo em nossa confiança na nossa capacidade de lutar pela democracia e pela transformação social, com ideais de inclusão, igualdade, liberdade, participação. Lutar com ousadia. A mesma ousadia que levou as mulheres e homens de entidades do assim chamado mundo jurídico a construir um Fórum Social Mundial Justiça e Democracia.
*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É integrante do Grupo Candango de Criminologia da UNB (GCcrim/UNB) e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Glauco Faria