A União Europeia e o Mercosul podem resolver até o final do ano as preocupações ambientais que impedem o acordo de livre comércio entre os blocos, afirmou o comissário europeu para o Meio Ambiente, Virginijus Sinkevicius, à agência de notícias Reuters.
Segundo Sinkevicius, tudo vai depender como as políticas ambientais serão trabalhadas principalmente no Brasil. Representantes europeus já haviam informado que a parceria bilateral entre Europa e América do Sul, acordada, a princípio, em 2019, não será colocada em prática até que medidas concretas sejam tomadas para frear a destruição da Floresta Amazônica.
"Estamos trabalhando no acordo com o Mercosul, por meio de um contrato paralelo, que será finalizado, esperamos, este ano… No que diz respeito às partes que faltam [para fechar o acordo]… Por exemplo, [há] a parte ambiental", disse Sinkevicius à DW, por telefone, após uma visita de quatro dias ao Brasil.
O comissário europeu explicou que esse contrato paralelo ou "adendo no acordo" trata de salvaguardas ambientais ainda ausentes. A aprovação final do acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul – grupo formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – só será possível se os adendos forem confirmados.
Na visita ao Brasil, Sinkevicius deixou claras suas preocupações quanto ao Projeto de Lei 191/20, assinado por Bolsonaro em fevereiro de 2020, que permite a mineração e a criação de usinas hidrelétricas em terras indígenas.
Em março deste ano, o projeto foi colocado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados e seria votado até o fim da primeira quinzena de abril. A repercussão negativa, porém, fez com que o texto fosse travado e, atualmente, não há perspectiva de quando entrará em votação.
O projeto necessita de aprovação do plenário da Câmara e do Senado, antes de ser sancionado pelo presidente. Caso aprovado, pode influenciar nas decisões sobre o acordo entre UE e Mercosul, além de enfraquecer o pedido de adesão do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
"Definitivamente, isso [a aprovação do projeto] não ajudaria", afirmou.
Após três anos consecutivos de aumento do desmatamento no Brasil sob o governo Bolsonaro, Sinkevicius disse que os dados disponíveis a respeito de 2022, até o momento, indicam que o desflorestamento tende a seguir aumentando. Para ele, portanto, é muito cedo para dizer se o Brasil mudou ou tem trabalhado a sua política ambiental e estaria, agora, levando a proteção do meio ambiente a sério.
"Só acreditarei nisso quando vir [mudanças nas pautas ambientais]", concluiu o comissário.
O governo brasileiro, por sua vez, acusa os opositores de usar as pautas ambientais como desculpa para o protecionismo comercial.
Acordo UE-Mercosul e a guerra na Ucrânia
Até dois meses atrás, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul parecia inviável, principalmente devido às ressalvas dos europeus, em especial quanto ao desmatamento da Amazônia. A resistência das ONGs era grande, e o projeto seguia congelado.
Apesar disso, a partir de março notou-se um certo movimento em relação ao assunto nos bastidores, sobretudo devido à apreensão da UE quanto ao abastecimento nos setores de energia, matérias-primas e gêneros alimentícios.
Durante a pandemia de covid-19, houve distúrbios nas cadeias globais de abastecimento, assim como aumento dos custos logísticos. Agora, isso se soma à mudança da situação geopolítica, com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Desta forma, em Bruxelas e Berlim, os documentos do acordo voltaram a sair da gaveta.
Exploração em terras indígenas
Além da mineração, o projeto proposto por Bolsonaro e criticado por Sinkevicius visa regulamentar a geração de energia elétrica em reservas. A medida, estudada pelo governo desde o ano passado, tem sido rechaçada por entidades indígenas e ambientalistas.
A exploração de minérios em terras indígenas é uma possibilidade prevista pela Constituição de 1988, mas como nunca foi aprovada uma regra específica com critérios e procedimentos, caracteriza-se como uma prática ilegal no país.
O projeto do governo visa regulamentar a exploração mineral e energética, bem como de petróleo e de gás, em reservas. As comunidades indígenas terão poder de veto para a atividade de garimpo, mas serão apenas consultadas previamente nos casos de exploração energética, que inclui a construção de hidrelétricas e termelétricas, por exemplo.
O texto também permite que os próprios índios explorem economicamente suas terras por meio de atividades como agricultura, pecuária e turismo, atualmente vetadas nas reservas.