A última semana de abril de 2021 estava agitada. O jovem professor Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, reunia-se com a comunidade para organizar o ato pelo Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras, no município de São João do Triunfo, a 128 quilômetros de Curitiba. Como jovem camponês, membro do Movimento Sem Terra (MST), professor e gay, engajava-se em múltiplas frentes, quase se confundindo com uma liderança delas.
No dia 30, véspera dos atos, comprou uma carne de porco e pediu para que a mãe preparasse. Sem nenhuma bebida, disse que sairia para comprar um refrigerante. Despediu-se cordialmente e foi até à cidade. A ida, no entanto, não teve volta. No dia 1º, quando, a comunidade se engajaria em luta, o corpo de Lindolfo foi encontrado carbonizado no banco de passageiro de um veículo, abandonado em uma estrada rural às margens da BR 151.
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O crime, que completou um ano neste 1º de maio, ainda não foi julgado e marca não só a pequena cidade de 15 mil habitantes, mas também a luta LGBTQIA+ e dos movimentos do campo. Na sexta-feira, dia 6 de maio, um ato que lembrará os 365 dias sem o professor também está sendo organizado e traz consigo o eco por Justiça à vida do militante.
Crime completou 1 ano neste 1º de maio / Foto: Paula Gabbo
Sonho em ser médico
Lindolfo era um jovem que cresceu com os pais no interior da cidade de São João do Triunfo. Em meio à pobreza do campo, não aceitava a vida sofrida da família e decidiu, na tenra idade, que estudaria para garantir melhores condições a eles. As responsabilidades que levava eram muito maiores que a criança franzina e de baixa estatura que era.
Na época, Marco Aurélio Gaspar era seu professor de Educação Física, quando soube que o garoto aspirava o desejo da Medicina. “Talvez esse cuidado que tinha com seus pais, irmãos e irmã, desenvolveram nele o desejo de cuidar de demais pessoas, alimentando nele a vontade de ser médico, sonho que compartilhava com todos os professores e professoras, e foi justamente esse sonho que nos aproximou”, lembra o professor.
A sugestão dada, era para que o estudante buscasse o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João do Triunfo. A ideia era que, por meio da instituição, Lindolfo conquistasse uma vaga em cursos de medicina de Cuba. O país caribenho é referência na profissão e exporta seus profissionais a vários países do mundo.
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A ideia brilhou aos olhos de Lindolfo, que entrou em contato com o sindicato. A vaga em uma universidade cubana, no entanto, não chegou a ser concretada. O que o sindicato conseguiu foi a inclusão do estudante no programa de Licenciatura em Ciências da Natureza, na Escola Latino Americana de Agroecologia (ELLA), localizada em Lapa, no Paraná.
Para a família, ver Lindolfo graduado e atuando como professor era motivo de orgulho. A profissão ainda garantia parte da renda da família, a quem Lindolfo prometera sempre ajudar.
Na ELLA, o então estudante traçou importantes ligações para as lutas que perseguiria depois e o colocou na sala de aula. Mais ainda, o impulsionou ao mestrado em Matemática, que começou a cursar na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Apesar das idas, Lindolfo não abandonava o município que o criara. Enquanto professor, somou-se à rede estadual de ensino para lecionar Física. Com muito custo, após problemas burocráticos envolvendo a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (Seed), assumiu uma vaga na mesma escola em que o professor Marco Aurélio atuava: o Colégio Estadual Francisco Neves Filho. Só ali, Lindolfo tinha cerca de 40 alunos.
Professor e ativista LGBTQIA+
Mas a entrada na licenciatura não foi fácil em São João do Triunfo. Por ser um jovem gay, sofreu muita resistência e ataques. A homofobia que não o acompanhou dentro de casa precisou ser enfrentada já nos primeiros anos como professor. Foram sucessivas piadas e comentários até a plena aceitação dentro da comunidade escolar.
A pandemia também não era benéfica nesse cenário, em que a relação com os estudantes ficava limitada a uma interação virtual.
A pauta LGBTQIA+ foi levantada por Lindolfo dentro do sindicato da categoria. Com apoio ali dentro, é que ele se lançou, no ano de 2020, a candidato a vereador.
Os ataques homofóbicos sofridos ao iniciar a licenciatura não se equiparavam ao que viveu nesse momento. Lindolfo era ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Além do rechaço ao partido, impulsionado por setores bolsonaristas e conservadores, o fato de ser uma pessoa LGBTQIA+ o colocavam como alvo da LGBTfobia.
Ameaças, inclusive de morte, chegavam aos seus perfis nas redes sociais. “Seu maldito, você tem que morrer, não vamos aceitar viadinho na cidade”, eram os teores dos ataques.
Mesmo diante das investidas, Lindolfo manteve a candidatura. Não teve uma votação expressiva, mas só sua candidatura já parecia vitoriosa frente à intolerância.
Amigos e familiares pedem justiça por jovem camponês / Joka Madruga
Crime de ódio
Em 2021, a vida de Lindolfo se dividia entre a pesquisa do mestrado, as aulas nas escolas de São João do Triunfo e a militância. Era esse contexto que vivia naquela virada de abril para maio, quando despediu-se da sua mãe para sair comprar um refrigerante.
O professor Clau Lopes, da direção da APP-Sindicato e do Conselho de Diretos Humanos (Coped), estava em sua casa, em Curitiba, quando uma postagem nas redes sociais anunciara o horror: encontraram o corpo de Lindolfo carbonizado.
As notícias se desencontravam e o deserto de informações assustava o professor. Ele conhecia Lindolfo da luta e já desconfiava que se algo tivesse acontecido poderia ter motivações homofóbicas. Era tarde do dia, e o risco de pegar a estrada no estado extasiado em que se encontrava poderia ser perigoso. Clau tentou dormir naquela noite. Mas mal o sol amanheceu, pegou a estrada rumo a São João do Triunfo em busca de Lindolfo.
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“Aquilo para mim foi um susto. Quando chegamos, nem a família sabia onde o corpo estava: se tinha ido para Curitiba ou Ponta Grossa [para o IML]. E, através da mediação que eu tinha, enquanto presidente do Conselho de Direitos Humanos, conseguimos descobrir e articular a liberação do corpo”, conta.
A identificação do corpo de Lindolfo era desafiadora. Isso porque fora completamente carbonizado. Ele só foi encontrado porque o Corpo de Bombeiros foi acionado no dia 1º de maio para atender a uma ocorrência de incêndio, em uma estrada rural de chão batido. Não se imaginava que no interior do veículo, recém adquirido por Lindolfo para sua atuação na licenciatura, estaria o corpo do professor.
Investigação
Tudo foi encaminhado ao Instituo Médico Legal de União da Vitoria, que ainda coletou amostras da família para exame de DNA. A confirmação do óbito foi brutal e iniciou um movimento por Justiça, que já dura 365 dias.
Segundo a advogada Micheli Toporowicz, que atua no caso de Lindolfo, no bar em que parou, após deixar a casa para comprar um refrigerante, houve uma discussão.
“A briga ocorreu entre o bar e a casa do acusado. A motivação, a princípio, teria sido mesmo a orientação sexual da vítima. Segundo o acusado, a vítima teria tentado uma aproximação dele, e ele, não aceitando, reagiu dessa maneira brutal, ceifando a vida do Lindolfo”, aponta. “Após ambos saírem do bar, a vítima foi agredida, morta e depois teve seu corpo carbonizado”, acrescentou.
Amigos próximos a Lindolfo confirmaram à reportagem a versão, por se tratar de um acusado que teria desprezo pelo fato do professor ser gay e sentir alguma atração por ele. Nesse sentido é que as acusações para crime de intolerância e LGBTfobia se tornam ainda mais incisivas.
O caso foi investigado pela 3° Subdivisão da Polícia Civil de São Mateus do Sul e a investigação teve participação ativa do Ministério Público e da Assistência de Acusação.
“O processo se encontra em fase final da instrução, foram realizadas quatro audiências de instrução para que fosse possível ouvir todas as testemunhas e os acusados. Para que haja o encerramento da instrução processual é necessário a vinda do último laudo da Polícia Cientifica. Após o encerramento da fase de instrução, a Assistência de Acusação espera que os dois acusados sejam pronunciados e levados ao Tribunal do Juri", explica a advogada.
Micheli ainda complementa que "o processo encontra-se com 355 dias de tramitação, o que esta assistência de acusação entende estar dentro da normalidade em função do grande número de testemunhas que foi necessário serem ouvidas, bem como o grande número de perícias que se fizeram indispensáveis. O estado de carbonização do corpo da vítima Lindolfo Kosmaski foi um dos fatores que dificultou para que os laudos fossem conclusivos, mas existem provas suficientes nos autos de materialidade, bem como de autoria dos acusados. Espera-se que, ainda este ano, seja realizado o Júri dos acusados, e que sejam condenados com uma pena proporcional a crueldade que utilizaram para com a vítima.”
A Polícia Civil confirmou que os acusados no inquérito permanecem presos, à espera do julgamento.
A família, que ainda vive o luto da perda de um dos seis filhos, aguarda esse momento. Irmão de Lindolfo, Roberto Kosmaski, de 20 anos, um militar do exército, fala do carisma que a casa perdeu e da falta do riso, tão citado por todos que conheciam e conviviam com Lindolfo.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini
