Contrariando algumas análises, podemos dizer que a esquerda não perdeu as eleições de 2018, porque, afinal, teve 47 milhões de votos, mas significou afinal a derrota da direita democrática liberal. Esse conjunto de forças do nosso cenário político revelou a sua face violenta apoiando o golpe de 2016 e a prisão do então candidato Lula. Nenhuma voz desse espectro de políticos, sem exceção, ergueu-se em protesto. Não para salvar Lula, mas contra o golpe desferido à democracia.
Diante de uma miopia política óbvia, e de interesses pequenos, acharam que seriam beneficiados pelo golpe, mas o que se viu, foi que sucumbiram diante da sua criatura mais radical e de uma ideologia fascista.
A direita democrática, renunciando à sua vocação, apoiou a violência contra a democracia no golpe de 2016 e sucumbiu a ela
A direita democrática, renunciando à sua vocação, apoiou a violência contra a democracia no golpe de 2016 e sucumbiu a ela. Em países com uma construção democrática consolidada, direita e esquerda se opõem, mas ambas defendem a democracia, sob o risco de desaparecerem. E agora, a direita manobra numa tentativa de retornar ao cenário da disputa como uma terceira via, aparentemente sem muito sucesso.
Esse episódio e o que aprendemos com ele devem ser acrescidos às demais tentativas de impedir que o Brasil construísse uma democracia real. Mais de uma vez, temos visto militares desdenhando da tortura praticada durante a ditadura inaugurada em 64. Seus agentes mais conhecidos envelheceram sem responder à sociedade por seus atos e crimes. A parcela civil da sociedade que patrocinou essa fase sombria da nossa História permanece abrigada no esquecimento e na cumplicidade leniente de muitos, contra qualquer ameaça.
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Em 2018, o ovo da serpente de 64 mostrou que não estava gorado e precisamos, hoje, proteger nossa democracia, lembrando as famílias destruídas, as crianças sequestradas e adotadas ilegalmente, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo que 1964 foi um ‘movimento’ e não um golpe que interrompeu a história democrática em construção de um país. Incluir neste elenco de desastres políticos e sociais os jovens pedindo a volta dos anos de chumbo e o retorno da ditadura. Esse o cenário e o impasse nacional.
Quem se vangloria de crimes, como vistos e lidos nas recentes declarações de militares recrutados para assumir novamente os mais altos cargos de autoridade do país, não se arrepende deles, isso é certo. A impunidade é um convite e uma licença a repeti-los.
Não termos esclarecido e resolvido a Lei da Anistia, não implica, como muitos entenderam, que deixamos o passado para trás. Como vemos hoje em nosso cenário político, o passado nos alcança e veio nos cobrar a conta de não termos cuidado dele como deveríamos. Nosso presente mostra que ignorar as lições da História traz o risco de repeti-la.
Revogar a Lei da Anistia é uma dívida com as gerações que foram ao limite de sacrificar suas vidas por um futuro na democracia
Revogar a Lei da Anistia, portanto, é uma necessidade que se impõe à nossa sociedade, uma dívida com as gerações que foram ao limite de sacrificar suas vidas por um futuro na democracia e também pelo futuro das próximas. É preciso lembrar e proteger este legado.
É preciso instalar a memória dos que lutaram e pelo que lutaram e morreram num panteão onde ela merece estar, inspirando as gerações beneficiadas a assumir e ampliar o legado democrático recebido.
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Nossos verdadeiros heróis merecem essa memória. Precisamos de um Museu da Ditadura, nos moldes do museu do Holocausto, para que a dor seja lembrada, sua repetição exorcizada e a Historia bem contada para que gerações vindouras tenham "horror e nojo" à ditadura, na expressão-libelo que nos deixou o imortal Ulisses Guimarães.
Mais do que ter aprendido com os erros que nos levaram até aqui, se nos apresenta o desafio do que conseguimos construir nos últimos quatro anos como capacidade de resistir. Precisamos voltar ao eixo democrático da civilização, à prosperidade, revetorizado aos direitos humanos e causas ambientais. O mundo precisa de nós, como nunca.
Pelo fim dessa Anistia. Pela verdade, memória e justiça.
*Lara Lorena Ferreira é advogada, membro Coordenação Executiva ABJD-SP e AAJ-Rama Brasil.
*Alipio do Amaral é jornalista e cientista político.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante