BdF Entrevista

"Bolsonaro tornou sistema político em pântano e magistrados têm mordido a isca", diz jurista

Luciana Berardi explica que enfrentamento entre a corte e o presidente da República tem clima "pré-golpe"

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Jurista é a convidada desta semana no BDF Entrevista para analisar a posição Supremo Tribunal Federal na disputa com o presidente Jair Bolsonaro - Reprodução/ OAB-SP
O STF está se pautando muito mais pela ausência da toga, do que, efetivamente, pela postura política

A crise entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) ganha novos contornos a cada dia. No último final de semana, Bolsonaro participou, virtualmente e também presencialmente, de atos convocados por seus apoiadores, com temáticas golpistas, como a volta do Ato Institucional nº 5 (AI-5) – que cassou direitos políticos, entre outras atrocidades, em 1968 – e também de fechamento da suprema corte. 
 
O discurso de Bolsonaro, mesmo considerado de tom menos intimidador do que o esperado, deixou rastros de um acirramento ainda maior durante o período eleitoral. Há, por exemplo, a repetição sistemática, por parte do presidente, da proposta de participação direta das Forças Armadas na contagem e armazenamento dos votos.
 
Para a jurista Luciana Berardi, ex-presidente da Comissão de Direito Constitucional da regional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), “um presidente que vai a público defender e dizer que vai afrontar a corte suprema de um país, isso é um prenúncio de pré-golpe. Infelizmente, o que a gente viu nessas duas últimas semanas, foi que o STF saiu derrotado pelo presidente da República”. 
 
A jurista é a convidada desta semana no BdF Entrevista. Ex-professora de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e de Direito Administrativo e Constitucional na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Berardi lembra que a inoperância dos demais representantes dos poderes em relação ao indulto concedido por Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) pode abrir caminho para outras violações.


 
“O que me assusta nessa história toda é que essa falta de reação dos opositores animou ainda mais o presidente e todo o generalato, que está lá, junto com ele, a preparar perdões de outros condenados por ataques que possam acontecer. Lembre do caso do caminhoneiro Zé Trovão, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que também incentivou diversas intimidações”.
 
Na conversa, a jurista fala sobre a pena imposta a Silveira, que ela considera fora da dosimetria penal, da politização do STF e também sobre os penduricalhos da Constituição Federal de 1988.

“Nós somos uma democracia recém nata, absolutamente nova, engatinhando. Nós temos 30 e poucos anos de democracia e estamos numa crescente de aprendizado do exercício democrático, do exercício da cidadania”, pontua.
 
“O problema não está assentado na Constituição, o problema está assentado naqueles que interpretam a Constituição. Porque ela é uma Constituição passível de interpretação, seja do Poder Executivo, no Legislativo ou, sobretudo, no Poder Judiciário, no nosso caso, o Supremo Tribunal Federal”, completa. 
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
Brasil de Fato: A Constituição de 1988, no papel, é extremamente avançada. Ela se compromete com direitos imprescindíveis como o direito à saúde, à moradia, à educação. No entanto, a gente tem hoje mais de 111 emendas penduradas na Constituição. Seria necessário uma reforma constitucional? E que reforma seria possível, no ambiente que temos hoje no país?
 
Luciana Berardi: A gente não pode esquecer que uma Constituição reflete a realidade de uma época. A nossa Constituição foi feita em 1988, no final da década de 1980. Nós estávamos saindo de um regime de exceção e almejando a recuperação do regime democrático nas nossas vidas. Nós temos uma Constituição extremamente progressista para a época, uma Constituição que consolidou o desejo de uma geração na recuperação do regime democrático. Mas, como a gente também bem sabe, é uma Constituição e, portanto, ela tem que prever os ideais que um legislador, que o legislativo, que o constituinte à época, almeja alcançar no país, não só na consolidação, não só durante a execução momentânea, mas também naquilo que a gente almeja se tornar.
 
Isso é uma fala que não é minha, quem defende muito isso é o professor Noam Chomsky, que inclusive diz que a Constituição tem que refletir não só o passado e o presente, mas tem que pensar também no futuro, na construção. Nós somos uma democracia recém nata, absolutamente nova, engatinhando. Nós temos 30 e poucos anos de democracia e estamos numa crescente de aprendizado do exercício democrático, do exercício da cidadania. Tanto é verdade que, à época, ela recebeu o apelido de Constituição Cidadã, porque consolidou direitos que, até então, eram absolutamente inovadores no âmbito constitucional no nosso país. 
 
A meu ver, eu não acredito – apesar de nós termos inúmeras emendas em função da necessidade de adequação da sociedade civil, da nossa sociedade, do momento em que nós vivemos – que seja necessário uma reforma constitucional. Acredito que isso faz parte do período de amadurecimento democrático que nós estamos vivendo. Faz parte desse processo de crescimento e de construção democrática. 
 
A gente compara com a França, com a revolução de 1789. A França está a dois, três séculos à frente da gente, com uma democracia absolutamente consolidada, que foi a nossa maior inspiração para a construção dessa política democrática, de políticas públicas e cidadãs que nós temos. 
Existe uma mania generalizada no nosso país, na doutrina, de fazer comparações com o direito francês, o direito norte-americano, que são democracias consolidadas a séculos e nós não temos, a meu ver, condições de fazer esse tipo de comparação, porque nós estamos engatinhando nesse processo. 
 
Eu sou muito otimista, no sentido de dizer que eu acredito nesse amadurecimento, na necessidade de passarmos por esses momentos de crescimento, inclusive para que a nossa democracia seja consolidada. Haja visto, inclusive, aquilo que nós estamos vivenciando hoje. Nós temos os resquícios, nós vivemos hoje o ranço da ditadura. Continuamos tendo, novamente, o almejo de alguns, de um grupo da sociedade, ainda antissistema, coisa que dificilmente a gente enxerga nos outros países. A gente enxerga polarizações, que são coisas distintas, mas não discursos antissistema.
 
A gente não pode esquecer que o problema, como diz o meu amigo Pedro Serrano, o problema não está assentado na Constituição, o problema está assentado naqueles que interpretam a Constituição. Porque ela é uma Constituição passível de interpretação, seja do Poder Executivo, no Legislativo ou, sobretudo, no Poder Judiciário, no nosso caso, o Supremo Tribunal Federal. 
 
Então, a orquestra, a meu ver, não é tanto no foco constitucional, em termos de reforma da legislação, mas sim repensarmos a estrutura do nosso Poder Judiciário, inclusive do próprio Poder Legislativo, que são os propulsores da legislação brasileira. 
 
O STF, inclusive, tem se colocado – principalmente neste período de retrocessos e perdas de direitos no país – como um garantidor legal, ao interpretar a Constituição, para o bem e para o mal. A Lava jato, por exemplo, como outros processos que passaram aos olhos da corte, pareceram julgados muito mais politicamente, pelo clima do momento, do que legalmente. O STF está fazendo mais política do que justiça?
 
Eu infelizmente ouso dizer que, nesses últimos tempos, a sensação que eu tenho é que o Supremo Tribunal Federal está se pautando muito mais pela ausência da toga, do que, efetivamente, pela postura política e enfrentamento dos demais poderes. A toga, em regra, deveria ser imparcial. O posicionamento do STF deveria ser imparcial e, sobremaneira, a defesa do estado democrático de direito, que eu acho que esse é o nosso bem maior.

Nós não podemos esquecer que o Supremo Tribunal Federal, no nosso país, é um órgão político, essencialmente, inclusive porque as nomeações são políticas. E os ministros que lá se assentam acabam, direta ou indiretamente, refletindo posições dos governos nos quais foram nomeados. A gente percebe isso claramente nesses últimos tempos. Ficou patente a postura política destes ministros. Eu acho lamentável uma situação como essa. 
 
A gente vivenciou isso…Eu sempre gosto de lembrar da [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] ADPF 672, que foi aquela discussão que tivemos a respeito da extensão, na época da da pandemia, do decreto federal. Porque, enquanto todos os estados e municípios estavam entrando em lockdown, o governo federal se posicionou contra o lockdown. E aí precisou o ministro Alexandre de Moraes, na ação de descumprimento 672, falar que a aplicabilidade do decreto federal, de fato, tem que ser cumprido, mas estados e municípios têm autonomia para legislar sobre essa temática. Ele nada mais fez do que dizer aquilo que estava patente na Constituição. 
 
A gente está com uma mania de judicializar termos, e eu acho que é esse é um dos problemas maiores com a nossa Constituição. Nós temos muitos mecanismos de acesso ao Poder Judiciário. São temas políticos que acabam sendo discutidos e acabam dormindo no colo do Judiciário. São temas que deveriam ser discutidos e acertados pela sociedade, inclusive pelo Poder Legislativo, muitas vezes do Poder Executivo, e muitas vezes o Supremo Tribunal Federal tem sido chamado para tomar atitudes absolutamente políticas como essa que eu acabei de citar. Tivemos também as decisões a respeito da discussão das terras indígenas, a questão da prisão do deputado Daniel Silveira e essas coisas todas. Ou seja, uma politização desnecessária conduzida pelo Supremo Tribunal Federal, que acaba acirrando os ânimos entre os integrantes dos três poderes. 
 
Sobre o caso do Daniel Silveira, alguns juristas levantaram questões sobre uma pena que poderia ter sido desmedida, de oito anos e nove meses, definidos pelo relator Alexandre de Moraes. A senhora acredita que foram, de fato, acima do esperado?
 
Não tenha dúvidas, eu acho que houve uma exacerbação. A gente sempre prima, quando discute a Constituição, pela razoabilidade e a proporcionalidade, em especial quando se diz respeito à dosimetria da pena. E, por favor, deixa eu deixar claro aqui, eu não estou defendendo a posição do deputado Daniel Silveira, sem dúvida alguma, é uma posição temerária. É uma posição absolutamente anti-sistema e anti-democrática. 
 
E que colocou em risco a vida dos ministros, seja porque ele faria alguma ação do tipo, ou ele incitaria que outras pessoas o fizessem…
 
Exatamente. É uma posição absolutamente repugnante, absolutamente irrefutável. Mas a meu ver foi surpreendente a condenação de oito anos e nove meses de prisão, em regime fechado, em função dessas ameaças de violência contra os ministros do STF. E tanto eu acho que foi surpreendente, que o próprio STF acabou reagindo de maneira tímida depois que foi publicado o decreto da graça pelo presidente da República. A ministra Rosa Weber se manifestou, pedindo explicações para o presidente Bolsonaro, no prazo de 10 dias, a respeito do que significa, digamos assim, esse decreto da graça, o indulto.
 
Agora, eu acho, sem dúvida alguma, que foi desproporcional, haja visto inclusive, o tamanho das penas que foram imputadas pela pela Lava Jato. Nós temos casos – eu não gosto de ficar citando aqui, porque senão, parece que a gente está querendo condenar um ou outro – mas nós temos réus da Lava Jato que tiveram comprovados os desvios de corrupção e toda aquela ousadia com o com o dinheiro público, e que tiveram penas de dois, três anos de regime fechado. E a gente vê um atentado à violência com oito anos e nove meses.
 
A Lei de Segurança Nacional, fruto ainda do período militar, e que foi utilizada para enquadrar o deputado Daniel Silveira, foi revogada pelo Congresso. Comissões, inclusive com a presença do professor Pedro Serrano, do qual falamos aqui, estudavam uma reforma dessa lei. Ela, até então, estava sendo aplicada, muitas vezes, de maneira arbitrária. Há espaço para discutir, tão logo, uma lei que a substitua, garantindo direitos básicos, como o direito de manifestação, greve, etc? 

Eu, inclusive, participei de um grupo junto com o professor Pedro Serrano defendendo alguns réus do presidente Bolsonaro – e aqui eu tomo a liberdade de citar o Felipe Neto – que nós chegamos a entrar com uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, exatamente para pedir, para pactuar de maneira internacional, a intervenção do sistema interamericano, em relação ao uso descabido da Lei de Segurança Nacional. É uma legislação revogada, que não foi acolhida pelo sistema constitucional e continua sendo utilizada de maneira descabida, de maneira ilegal, irregular.

E vou até comentar uma coisa com você, uma questão pessoal. Até bem pouco tempo atrás, eu era contra a questão de ter uma lei, da edição de uma legislação específica para a garantia daquilo que está mais do que garantido na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso 4º da Constituição, que são os direitos e garantias da liberdade individual, no artigo 5º a 7º da Constituição, sobretudo a questão da liberdade de expressão.
 
Mas eu tenho percebido, em conversa com os colegas, estou em passo de mudar de opinião nesse sentido. Eu acho que uma legislação infraconstitucional, no momento em que estamos vivendo, capitulando o que pode ser liberdade de expressão ou não, ou seja, os limites da liberdade de expressão, até onde vai a liberdade de expressão, seria interessante, sim, desde que muito bem delineada.
 
Para garantir a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação, mas que estabeleça uma legislação sobre o que é agressão à honra, incitação à violência, enfim, aquilo que a gente tem discutido. Normalmente vocês jornalistas levantam esse limite e talvez eu esteja tendenciosa, de fato, a achar que uma legislação estabelecendo isso de maneira clara, inclusive com uma melhor compreensão da sociedade civil, de como ela pode se comportar quando o tema é liberdade fundamentais. 
 
O presidente tem travado uma batalha contra o STF, encontrou na corte o inimigo perfeito. Como é que a corte tem se portado nesse enfrentamento? Houve, em diversos momentos, uma certa leniência do STF, em um possível aceno à pacificação, como no caso de um militar que se tornou assessor do então presidente da corte Dias Toffoli e depois virou ministro do governo Bolsonaro.
 
Olha, eu acredito que, em uma democracia saudável, os magistrados precisam se pronunciar em sentenças de maneira que suas atitudes e suas posições sejam absolutamente imparciais. O grande problema, a meu ver, é que o nosso presidente, Jair Bolsonaro, transformou o sistema político brasileiro em um pântano. E os magistrados, muitos deles, têm mordido as iscas, como a gente diz, fora dos autos, e, por causa disso, alguns deles têm se perdido dentro e fora da política.
 
Eu acho que essas distorções acabam fazendo com que tenha uma reação ainda maior, tanto nas Forças Armadas, quanto pelo corpo da magistratura, porque são nítidas as provocações e manobras que o presidente da República tem feito, sem qualquer tipo de pudor, exatamente para provocar as instituições. 
 
O Bolsonaro, a gente percebe, tem um discurso contra o sistema democrático e utiliza o sistema como privilégio dele próprio. A gente acabou de ver o que o próprio Bolsonaro fez na decisão do Daniel Silveira, porque nunca um presidente usou um privilégio constitucional de indulto para favorecer um aliado de forma tão evidente.
 
As histórias que tem [sobre indulto], do passado, não diziam respeito a um aliado. E ele foi claramente à imprensa dizer que vai continuar utilizando, cada vez mais, esses institutos, todas as vezes que aqueles que lhe são aliados tiverem qualquer tipo de opressão, em relação ao Supremo Tribunal Federal.
 
Inclusive, ameaçou nos últimos dias. Disse que vai desrespeitar a decisão do STF sobre o Marco Temporal, caso ela seja contra o que ele pensa sobre o tema…
 
Eu não gosto muito de falar sobre isso, porque a gente tem que ter todo um contexto por trás disso, mas quando você tem um presidente que vai a público defender e dizer que vai afrontar a corte Suprema de um país, isso é um prenúncio de pré-golpe. Isso é um prenúncio de que existe uma posição contrária ao regime do qual aquela corte defende, que é o regime democrático de direito. E infelizmente, o que a gente viu nessas duas últimas semanas, foi que o STF saiu derrotado pelo presidente da República. O presidente, nessa disputa jurídica que envolveu a prisão do deputado Daniel Silveira… O pano de fundo disso é muito complicado, porque qual é a mensagem? 
 
Tanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quanto Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, ficaram calados nessa situação. Foram os primeiros a soltarem as notas na imprensa, dizendo que não era possível ao Parlamento sustar o decreto do presidente da República, que automaticamente eles teriam que respeitar. 
 
O que me assusta nessa história toda é que essa falta de reação dos opositores animou ainda mais o presidente e todo o generalato, que está lá junto com ele, a preparar perdões de outros condenados por ataques que possam acontecer. Lembre do caso do caminhoneiro Zé Trovão, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que também incentivou diversas intimidações. Fico imaginando como é que devem estar os pastores evangélicos, o Marcos Feliciano e o Silas Malafaia, que são costumeiros críticos dos ministros do STF, e que são alvos da justiça, como eles devem estar se sentindo acolhidos. 

A senhora falou sobre um possível enfraquecimento da corte perante o presidente da República. Quão grave é esse enfraquecimento e o que a gente pode esperar daqui em diante? 
 
Eu acho que alguém vai ter que baixar as armas. Se não vier do Poder Executivo, que parece que não vem, porque vamos entrar agora em um período de campanha eleitoral e se, de fato, o Braga Neto for candidato a vice-presidente do Bolsonaro, então os ânimos ainda vão se acirrar um pouco mais, porque esse é o perfil dele, extremamente anti-sistema nessa disputa, em prol do regime democrático de direito.
 
Nós precisamos, de fato, abaixar as armas, não pensar com o fígado, em termos de defesa do estado democrático de direito e nos reposicionarmos. O Supremo Tribunal Federal, enquanto o guardião da Constituição, precisa se reposicionar em relação à sua postura, afastando o viés político para retomar essa discussão.
 
Se nós entrarmos em um embate, de peito aberto, os três poderes entrarem em um embate de peito aberto, nós vamos sair perdendo. Quem eu digo, “nós”? Primeiro, o povo brasileiro como um todo, segundo o Poder Judiciário, porque nós sabemos que estamos em um processo de construção de uma nova eleição e nós podemos – eu fico muito preocupada – no sentido de caos, de ter qualquer tipo de possibilidade de reeleger esse governo, que tem tão pouco pelo nosso país e está desconstruindo tanto as nossas estruturas democráticas.
 
A senhora acredita que o indulto, a graça presidencial, foi mal utilizada no sentido da lei? Ela pode gerar, por exemplo, abertura de investigação contra o presidente por crime de responsabilidade?
 
Eu acho que foi muito mal utilizada. O instituto da graça, do indulto, é privativo do presidente da República, que está prescrito no código penal e também constitucionalmente, lá no artigo 738, também no código de processo civil e, na verdade, a finalidade dele é exatamente que o presidente da República, como chefe do Poder Executivo, possa proteger o seu cidadão de uma exacerbação da função do poder jurisdicional. É um ranço que veio também do governo da Ditadura, exatamente para que o Poder Judiciário não extrapolasse as suas funções enquanto órgão julgador. 
 
Enquanto para o Poder Executivo, a finalidade da manutenção disso no texto constitucional foi para que, eventualmente, alguém condenado, seja ele quem for, e a sentença fosse confirmada em segundo grau, se mantivesse essa injustiça, digamos assim, o chefe do Poder Executivo poderia conceder a graça de maneira inquestionável, para que ele pudesse se tornar um guardião do estado democrático do direito. Foi uma utilização eminentemente política. Não respeitou, sequer, a tramitação do cunho que normalmente deveria ser, porque não tem uma sentença transitada em julgado. 

Edição: Felipe Mendes