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Por um país e por cidades mais justas: é hora de derrotar os projetos de morte e de exclusão

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Em São Paulo, embora as mulheres sejam a maioria nos transportes públicos, esse segue sendo um lugar de medo e constrangimento, principalmente para as mais jovens e para as negras - Getty Images
A sustentabilidade da vida deve estar no centro dos projetos políticos nacionais e municipais

Por Sonia Coelho*


Há seis anos um golpe misógino e antidemocrático retirou a presidenta Dilma da presidência e possibilitou que a extrema direita chegasse ao poder, mudando violentamente o curso do país.

A nossa frágil democracia foi vilipendiada e atacada. Assim, abriu-se as portas para a implementação de um projeto ultraneoliberal, com consequências nefastas para o país e para as cidades. Nesse contexto, ainda enfrentamos uma pandemia, com consequências letais para a população mais pobre, para as mulheres e para as pessoas negras. Assim, houve um aprofundamento das desigualdades nas cidades, que já eram marcadas pela lógica da exclusão de gênero, raça e classe.

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Reformas precarizantes foram aprovadas, como reforma trabalhista, reforma da previdência, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos, além do desmonte das políticas públicas, que inclui todas as áreas dos serviços públicos e da participação popular.

Há um avanço vertiginoso das privatizações e da fragilização do Estado. Mesmo na pandemia, quando o mundo todo reforçou o Estado para enfrentar a crise sanitária, o Brasil caminhou no sentido contrário.

A fragilização do Estado acontece em relação ao apoio e proteção à classe trabalhadora e à população mais pobre. Para responder aos interesses do capital e da classe mais abastada, ele continua forte.

Na cidade e no Estado de São Paulo, a lógica privatista foi avassaladora neste período. O governo do estado, João Dória, e os prefeitos Bruno Covas e Ricardo Nunes aproveitaram a dificuldade de mobilização dos movimentos sociais durante a pandemia para implementar seus projetos. Isso só reforçou o modelo de cidade que exclui, segrega e precariza a vida das pessoas, sobretudo as mais vulneráveis.

O trabalho doméstico e de cuidados mostrou-se essencial durante a pandemia. Como o feminismo sempre afirmou, esses trabalhos são fundamentais para manter a vida, a casa e as comunidades funcionando. Uma pesquisa realizada pela SOF e pela Gênero e Número, em 2020, mostrou que mais da metade das mulheres passaram a trabalhar mais e cuidar de mais pessoas durante a crise sanitária, sobretudo as mulheres negras.

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Outra pesquisa feita pela Rede Nossa São Paulo em 2002, intitulada Viver em São Paulo: Mulher, revelou que a percepção das mulheres é de que elas fazem a maior parte do trabalho doméstico, enquanto os homens percebem os afazeres domésticos como divididos igualmente.

Basta caminhar pelos bairros mais pobres e comunidades para confirmar que esta responsabilidade é visível. Quando as mulheres circulam nos bairros, estão sempre com sacolas de compras, empurrando carrinhos de crianças, apoiando pessoas idosas, levando crianças para escola etc.

A imagem dos homens nos espaços públicos do bairro é diferente. Eles estão nos bares, conversando em grupos, jogando bola... Imagens que representam mais o ócio que o trabalho. Isso nos leva a pensar como os tempos dos homens e das mulheres são utilizados de forma desigual em relação ao trabalho, ao ócio e ao lazer.

O mito da divisão entre espaços públicos e privados, sendo os espaços privados considerados o lugar naturalizado da mulher e o espaço público como de direito do homem, e a manutenção da divisão sexual e racial do trabalho são elementos estruturantes do ordenamento patriarcal e racista das cidades.

A organização da cidade e dos bairros cada vez mais precarizada pelo fechamento e sucateamento dos serviços públicos. Os governos neoliberais consideram natural a falta de creches, de equipamentos de apoio e cuidados à população idosa, a falta de serviços de saúde mental etc... E o fazem porque consideram que sempre haverá uma mulher para cuidar ou uma rede de apoio formada também pelas próprias mulheres para suprir a falta desses serviços.

O aprendizado da pandemia e a realidade de vida das mulheres, que é de sobrecarga de trabalho, nos mostram que as cidades precisam ser reorganizadas e pensadas a partir do cuidado com a vida, do respeito e preservação da natureza e do reconhecimento, valorização e socialização do trabalho doméstico e de cuidados.

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Na cidade de São Paulo, a maior parte do orçamento público é aplicado nos bairros mais ricos, onde vive a população com mais renda. Já os bairros da periferia, onde reside a maioria da população negra e das mulheres pobres, são marcados pelo abandono e pela falta de infraestrutura básica, como escolas, creches e Unidades de Saúde.

Em relação as áreas verdes e equipamentos de lazer e de cultura, a desigualdade é ainda mais gritante. O principal equipamento que chegou em alguns bairros de São Paulo foi o CEU que juntou Educação, lazer e cultura, mas esses espaços foram esvaziados e terceirizados nos governos de Dória, Covas e Ricardo Nunes.

A lógica neoliberal privatista da cidade quer destruir todas as formas comunitárias e coletivas de participação e reafirmar o individualismo aliado ao consumo. Os poucos parques públicos existentes estão sendo privatizados, o que impede que se organize qualquer vivência coletiva que ocorra mediante pagamentos.

Os parques públicos, áreas verdes e praças são lugares privilegiados de lazer para as mulheres, inclusive por ser possível conciliar a utilização deles com o cuidado com crianças e idosos, uma responsabilidade que recai sempre para as mulheres.

Violência

Hoje, a violência marca a vivência da maioria das pessoas nas grandes cidades, mas são a população negra e as mulheres que sofrem com mais intensidade. O racismo estrutura as ações e políticas de segurança pública, haja vista a mortalidade/assassinatos de jovens negros causados pela polícia nas periferias da cidade.

A política de segurança pública em nossas cidades é muito vinculada à ideia de polícias militarizadas e voltadas para a proteção do patrimônio e propriedades. Não há preocupação com a proteção das pessoas. A segurança pública pensada para as pessoas precisa ser desmilitarizada, estar vinculada às comunidades e articulada a um conjunto de políticas sociais de cuidado com a vida humana.

Na cidade machista, a violência está em todos os lugares. 

Em São Paulo, embora as mulheres sejam a maioria nos transportes públicos, esse segue sendo um lugar de medo e constrangimento, principalmente para as mais jovens e para as negras. A pesquisa Viver em São Paulo: Mulher, revela que 52% das mulheres apontam maior risco de sofrer assédios no transporte público.

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Nos bairros mais afastados do centro, o transporte público é escasso, principalmente à noite, e passa apenas nas grandes avenidas, desconsiderando a massa trabalhadoras e trabalhadores que precisam chegar em suas casas.

As mulheres são a maioria em serviços, lojas, hospitais e escolas e, portanto, precisam se deslocar à noite. Além do problema do transporte, elas enfrentam ruas mal iluminadas e terrenos abandonados que facilitam a violência sexual. Muitas sequer saem à noite, para ter lazer, por exemplo, por medo de circular na cidade. Os direitos das pessoas LGBT também são cerceados muitas pela violência machista, racista, preconceituosa e conservadora. Infelizmente, o Brasil tem a triste marca de ser um país que assassina sistematicamente essas pessoas.

Contudo, a casa, para muitas mulheres e meninas, também não é um lugar seguro. Ali sofrem violência doméstica, sexual e são vítimas de feminicídios. Na maioria das vezes, há pouca interferência comunitária ou da vizinhança, que enxerga o problema de forma individualizada e não como um problema social que toca a todas as pessoas.

No máximo as pessoas agem chamando a polícia para interferir, o que ao mesmo tempo que pode salvar a vida de uma mulher naquele momento, mas também é uma forma de interferir com distanciamento, porque a polícia vai embora e a situação de violência permanece. Em geral, a pessoa que é vítima da violência se sente culpabilizada e se envergonha, ao passo que os homens continuam atuando e circulando no bairro como o “bom cidadão”.

O problema da violência sexista precisa ser trabalhado de forma comunitária, envolvendo o conjunto das pessoas, amparadas nas políticas públicas, mas que também agem de forma coletiva para proteger as mulheres e as meninas, e para construir territórios livres de violência machista e racista.

Esse é um grande desafio, porque a política de segurança proposta pelo presidente genocida, Jair Bolsonaro, é de universalizar e individualizar o uso de armas, o que certamente produzirá cidades ainda mais violentas, sem contar o descalabro de propor o uso dos recursos da Lei Roaunet para divulgar o uso de armas.

Em 2022, com eleições gerais em curso, temos a possibilidade de fazer a disputa de projetos para o país e para as cidades, de construir as bases de um projeto popular feminista e antirracista, que imponha uma derrota ao bolsonarismo e que coloque a sustentabilidade da vida como fundamento de uma nova política.

 

*Sonia Coelho é assistente social e militante da Marcha Mundial das Mulheres. Integra a SOF Sempreviva Organização Feminista.

 

*A Coluna Sempreviva é publicada quinzenalmente às terças-feiras. Escrita pela equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista, ela aborda temas do feminismo, da economia e da política no Brasil, na América Latina e no mundo. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante