Na manhã desta segunda-feira (2), um ato relembrou e pediu justiça pelo assassinato do camponês Antônio Tavares, morto pela Polícia Militar do Paraná, no governo Jaime Lerner, em 2 de maio de 2000. A ação da polícia militar deixou outras 300 pessoas feridas.
A mobilização contra o assassinato ocorreu no Km 108 da BR-277, em Campo Largo (PR), onde está localizado o monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer em homenagem ao trabalhador e a todas as vítimas do latifúndio. A obra tem 10 metros de altura e está fixada nas proximidades de onde ocorreu o massacre.
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Entre os participantes do ato estava Antônio Tavares Irmão, um dos irmãos de Tavares. Ele mora no assentamento Santa Clara, Candói, mesma região onde Antônio Tavares vivia com a família. Passados 22 anos do crime, o camponês afirma ainda esperar justiça e reparação à família.
“A esposa e os filhos ficaram jogados sem ter o companheiro. A indignação é tamanha, ele foi assassinato brutalmente neste local”, afirma.
Apesar da injustiça, Tavares foi lembrado pelo irmão como alguém que se dedicou à luta por terra e por Justiça e que deixou sementes. “A luta continua em cada um e cada uma, num país com tamanha desigualdade social [...]. A vida não tem preço e a esperança de melhorar as nossas vidas e garantir dignidade. Nossa luta é por liberdade, terra e direitos", destaca.
O ato reuniu militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de diversas comunidades, educandas e educandos e trabalhadoras e trabalhadores da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), do Movimento Popular por Moradia (MPM), da Terra de Direitos e do coletivo Marmitas da Terra. Os deputados estaduais Professor Lemos e Luciana Rafagnin, do Partido dos Trabalhadores (PT), também participaram da manifestação.
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Ao final da atividade, o grupo plantou mudas de flores e plantas medicinais, como forma de homenagear Tavares e ornamentar o entorno do monumento. Plantios de árvores e mutirões em hortas e lavouras comunitárias também ocorreram em comunidades do MST no Paraná, em memória ao militante.
Patrimônio histórico
Além de cobrar justiça, a mobilização reivindicou o tombamento do monumento como patrimônio histórico. Diante do risco iminente de dano à obra devido à ameaça de remoção feita pela empresa Postepar, que fica no local onde o monumento está fixado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou em junho de 2021, em decisão liminar, que o Estado brasileiro garanta a permanência da obra no local até a finalização do julgamento pela Corte.
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O caso Antônio Tavares ainda aguarda a definição de data para que a Corte Interamericana convoque uma audiência pública. Essa audiência está prevista para ocorrer durante o 149ª Período de Sessão Ordinária da Corte IDH, entre 13 de junho e 1 de julho.
Antônio Tavares Irmão enfatiza que a família quer a permanência do monumento no local onde está. “Com relação à morte, a gente sabe que não tem retorno, mas que esse monumento possa se manter em pé e que as pessoas possam ter acesso livre à ele, como inspiração para luta”, frisa.
Para Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST, o monumento é uma obra viva, que expressa a atualidade da reforma agrária, denuncia a violência do passado e o presente de paralisação da reforma agrária e continuidade da violência.
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“Manter vivo este momento faz parte da mística do viver. É uma obra que trata da vida, expressa o que é a vida camponesa e operária, das pessoas que trabalham. Tavares foi assassinado lutando para trabalhar, ter um pedaço de terra, estava se somando com demais para que os demais camponeses tivessem também. Esse monumento expressa um projeto de sociedade, essa é sua força maior. Alimento, educação, esperança e fé em diversas dimensões. Por isso é um momento que tem que se manter vivo. É um momento de memória, mas atual porque alimenta o direito à vida", enfatiza o dirigente do MST.
A realização da audiência na Corte nas próximas semanas será uma importante oportunidade de resgatar o contexto histórico dos fatos e também apontar as permanências que devem ser enfrentadas de maneira estrutural pelo Estado, garante Daisy Ribeiro, assessora jurídica da Terra de Direitos.
“O caso ter sido aceito pela Corte sinaliza que não há como falar de democracia e direitos hoje sem lidar com aspectos de memória, verdade e justiça de fatos que já ocorreram, pois eles têm efeitos bastante atuais", diz.
Relembre o caso
Antônio Tavares Pereira foi morto aos 38 anos, era casado e pai de cinco filhos. O crime aconteceu quando cerca de 50 ônibus com mais de dois mil integrantes do MST seguiam para a capital federal, rumo à marcha pela reforma agrária, organizada em comemoração ao 1º de maio – Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.
Os policiais bloquearam a pista e impediram o comboio de seguir viagem no trecho entre as cidades de Campo Largo e Curitiba. Antes de haver qualquer tipo de negociação, os policiais começaram a atirar em direção aos trabalhadores. Antônio Tavares foi atingido pelo PM Joel de Lima Santa Ana e faleceu no mesmo dia.
Somente em 2012 o Tribunal de Justiça do Paraná condenou o Estado do Paraná pelo assassinato de Antônio Tavares. O policial que disparou o tiro, no entanto, não foi responsabilizado.
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A morte e a violência ocorridas na BR-277 não foram fato isolado naquele período. As duas gestões de Lerner à frente do governo do Paraná tiveram como característica o elevado índice de violência contra trabalhadores rurais.
Entre 1994 e 2002 ocorreram 502 prisões de agricultores, 324 lesões corporais, sete trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos e um sequestro. Os dados fazem parte de uma denúncia enviada pelas entidades Terra de Direitos, Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo próprio MST à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2003.
Os números explicam porque o governador ficou conhecido como “Arquiteto da Violência”, alcunha que dá título a um documentário produzido na época.
Investigações apontaram que as inúmeras situações de violência foram cometidas parte pelo braço armado do Estado, parte por milícias privadas de fazendeiros e da União Democrática Ruralista (UDR).
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Para Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e também presente no ato, o contexto presente na repressão a Antônio Tavares e integrantes do MST no ano de 2000 é ainda uma realidade não superada no país. Ele classifica como “bastante hostil” o cenário para atuação de defensoras e defensores de direitos humanos.
“Não bastasse a criminalização e o processo de impunidade a quem comete violências e ameaças contra ativistas, nós temos no país ausência de políticas públicas denunciadas pelos defensores, como também ausência de políticas para proteger as e os defensores que defendem direitos no país”, afirma.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Lia Bianchini