Uma parceria entre moradores da favela da Rocinha, na zona sul da capital fluminense, e pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado (Faperj), vai criar hortas para a produção de alimentos, mel e espécies medicinais em 50 lajes na parte alta da comunidade.
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Com o projeto, a UFRRJ pretende criar um modelo sustentável de geração de renda e produção de alimentos orgânicos a partir do cultivo de cogumelos nativos da Mata Atlântica. Haverá produção de espécies medicinais, tubérculos, frutas, oleiculturas, flores convencionais, plantas alimentícias não convencionais (PANCs) e a criação de abelhas sem ferrão para um tipo de mel cujo litro chega a custar R$ 600.
Coordenador do projeto na Rocinha, o professor José Lucena Barbosa Júnior, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFRRJ, morou com a família por quase duas décadas na comunidade. Ele disse ao Brasil de Fato que chegou a hora de retribuir, e garante que o exemplo de soberania alimentar e geração de renda pode se multiplicar em outras favelas do Rio.
"Vemos historicamente tentativas de bloquear com um muro o crescimento da favela para a área da Floresta da Tijuca [vizinha à comunidade]. Falta visão da sociedade para mostrar aos moradores que aquele ambiente não é intocado e que é interessante manter a floresta de pé também porque ali existem espécies que podem ajudar a produzir alimentos, ainda mais agora com a fome de volta ao país", destaca Lucena.
O professor lembrou que o reflorestamento do Parque Nacional da Tijuca, no século XIX, logo após as autoridades da época compreenderem a importância da floresta para o equilíbrio do meio ambiente, não respeitou as espécies nativas e levou para a área outras que não eram dali. Ele disse que o projeto tem como foco reintroduzir espécies, como a juçara, para a produção de açaí.
Orgânicos acessíveis
Nos próximos meses, agrônomos, engenheiros florestais, farmacêuticos e pesquisadores da UFRRJ, assim como empresas parcerias, estarão empenhados também em desmistificar a ideia de que o alimento orgânico, sem uso de agrotóxicos, deve ser caro e, consequentemente, só pode ser consumido por pessoas com renda alta.
Na Rocinha, ideias que já eram colocadas em prática pelo empreendedor social Flávio Gomes, morador da comunidade, vão se juntar às novas lajes de agricultura agroecológica. Nos últimos três anos, Flávio aliou seu conhecimento da região à vontade de transformar a Rocinha e foi atrás de cursos de capacitação em universidades públicas do Rio de Janeiro.
"O morador fica encantado quando vê que o alimento que ele deixou 20 dias na geladeira não ficou escuro. A gente tem que falar a linguagem do morador, tem que explicar que não tem lógica o produto orgânico ser mais caro, já que a produção é mais barata. A Rocinha vai se alimentar bem e poder comercializar esses produtos saudáveis", comemora o empreendedor social, liderança local no projeto.
Flávio conta que conheceu a fome de perto e reconhece a importância das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), como ora-pro-nobis, bertalha, taioba, entre outras, para combater a fome. Ele foi criado no alto da Rocinha, região mais pobre do bairro, em uma família de quatro filhos e dentro de uma casa de pau a pique de 28 metros quadrados.
"Hoje, com o conhecimento que temos, vemos comida dentro da favela, as PANCs que não conhecíamos, vemos o que a floresta pode oferecer para nós. Eu pego, faço, levo para a galera num bar e fica todo mundo surpreso. A comida está do nosso lado, a gente só precisa de conhecimento de agroecologia e do que é bom para a nossa saúde. As hortas são ferramenta contra a desigualdade social".
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse