Juros em pauta

Economistas divergem sobre eficiência da taxa Selic como “remédio” para frear inflação

Economistas divergem sobre os efeitos da política econômica adotada pelo Banco Central quando os preços disparam

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Brasil voltou à liderança do ranking de maiores juros reais dentre as maiores economias do mundo, segundo a consultoria Infinity Asset - Copom/ Divulgação

O novo aumento de um ponto percentual da taxa básica de juros, anunciado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) nesta quarta-feira (4), renovou as desconfianças de alguns economistas. Há quem reconheça os méritos desse tipo de política econômica, mas que questione a forma como ela tem sido aplicada, e também há quem considere a resolução já ultrapassada e até “parte do próprio problema”.

Esta foi a décima alta consecutiva da taxa Selic desde março de 2021: desta vez, de 11,75% para 12,75%. O aumento foi justificado pelo "ambiente externo que seguiu se deteriorando". No caso, o desabastecimento e a dificuldade de circulação de insumos provocada pela guerra da Rússia com a Ucrânia e pelos efeitos prolongados da pandemia, reprimindo as ofertas de produtos em todo o mundo.



Para a economista Juliane Furno, há uma evidente coincidência entre as curvas de crescimento das taxas de juros e da inflação do Brasil desde o ano passado. “É possível dizer que aumentar a taxa básica de juros não só é ineficiente para lidar com a inflação como também acelera a própria inflação, devido ao fenômeno das expectativas inflacionárias”, afirma.

Essas expectativas inflacionárias, conforme explica Juliane, fazem com que os preços comecem a subir à frente dos seus custos reais, antecipando tendências de retração econômica. “É como se o mau cheiro fosse responsável pela sujeira”, compara.

Ela também acrescenta que a inflação doméstica não é necessariamente por uma demanda reprimida: “Você desaquece a economia, desaquece o consumo agregado e isso faz a inflação voltar para o centro da meta”. No caso, para a economista, os preços dos combustíveis e da energia elétrica são os dois maiores vilões internos e poderiam ser solucionados pelo governo federal.

Receita do aumento da taxa de juros é bastante recorrente

O economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília, diz ser considerado por colegas como pertencente a uma corrente mais liberal e ortodoxa. Ele acredita que o Banco Central está correto em seguir “o que está no manual” para impedir que a demanda se expanda enquanto há um problema de oferta, agravando a inflação.

A crítica dele sobre a política econômica do BC, que reflete as convicções do ministro da Economia, Paulo Guedes, é justamente a demora para reconhecer o problema e adotar o que considera a única ferramenta possível para contenção inflacionária.

“Eu acredito que o Banco Central arriscou demais com os juros. Desde que os juros chegaram a 2%, em 2020, com a inflação já crescente, eu estou criticando e dizendo que terminaria mal”, comenta Ellery, que se ampara em exemplos do passado para amparar a sua tese de que o BC deveria ter agido mais rápido. 

O economista cita outros momentos de crise cambial no Brasil, que foram tratados com choques nas taxas de juros. Um exemplo foi a elevação de 20 pontos porcentuais de uma única vez em 1999, feito por Armínio Fraga, durante o segundo governo Fernando Henrique Cardoso. 

Outro foi em 2003, quando Henrique Meirelles elevou a taxa de juros para 26,5%, enquanto Ministro da Fazenda, durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. “Isso foi o remédio que conseguiu controlar a inflação lá em 2003, período lembrado até hoje como de prosperidade. Agora em 2022, o governo não está repetindo isso porque claramente está preocupado com a reeleição e que vai usar o que for preciso, o que pressiona o BC a mencionar uma taxa de 14% no futuro”, salienta o economista.

A chamada “Super Quarta” também contou com o aumento de meio por cento por parte do Federal Reserve (FED), o Banco Central dos Estados Unidos, poucas horas antes do anúncio feito pelo BC brasileiro. A iniciativa é considerada agressiva, pois reforça a alta de 0,25% feita em março para tentar conter o avanço da maior inflação registrada por lá em 40 anos.

Interesses em jogo e velhas máximas

Juliane Furno defende que os economistas “fechem mais os manuais e abram mais livros de História” se referindo ao fato de velhas fórmulas e de projeções estatísticas se sustentarem na realidade. Segundo ela, a inflação não deveria ser vista apenas como um fenômeno monetário, mas também social, porque implica decisões políticas.

“Para sobreviver, toda economia, principalmente aquelas subdesenvolvidas e desindustrializadas como a nossa, vai necessariamente precisar de um nível mais elevado de inflação momentânea. Por isso que as metas de inflação são uma camisa de força”, diz. 

A ideia de que o Banco Central deveria rever suas políticas é compartilhada pelo senador Paulo Rocha, líder do PT no Senado, que defende um ataque à política de paridade de preços internacionais praticada pela Petrobras. “(Isso) favorece acionistas privados da empresa e empobrece o trabalhador, que teve queda de seu rendimento real em quase 9% entre 2021 e 2022. Do mesmo modo, o aumento dos juros privilegia os rentistas e afeta as contas públicas”, afirma Rocha. 

Furno também acredita que o cenário seria completamente diferente se a Petrobras adotasse uma precificação doméstica para os combustíveis, inclusive para os preços dos alimentos que afetam as pessoas mais pobres. Ela também defende soluções como estoques reguladores e políticas de reforma agrária, “porque os produtores não baseiam seus preços de comercialização a partir desse trade off entre colocar no mercado doméstico e exportar. Os custos de produção são os mais determinantes”, explica.
 
Para o governo, o aumento da inflação também significa aumento da arrecadação e, portanto, mais dinheiro para espalhar benesses a aliados durante uma corrida eleitoral que promete ser intensa. Ellery acredita que essa pode ser a explicação para Jair Bolsonaro (PL) e sua equipe econômica estarem tão confortáveis, mesmo que historicamente indicadores ruins como inflação alta e desemprego sejam prejudiciais para um governo que busca se reeleger.

“Essa maior arrecadação abre um espaço, aí ele (Bolsonaro) faz um orçamento secreto para agradar deputados, anuncia redução de imposto para agradar parte do empresariado que o apoia, anuncia aumento para alguma categoria que tem sua simpatia, mas quem está fazendo a mágica é a inflação”, exemplifica Ellery, antes de encerrar: “só que para o povo isso é muito ruim, porque a população sente muito e estamos vendo o Brasil nesse cenário”.

Edição: Felipe Mendes