São Paulo – Para o professor Ildo Sauer, um dos principais especialistas em energia do país, é preciso ter um novo projeto para a Petrobras, cujo excedente econômico seria importante para estimular o desenvolvimento e reduzir a desigualdade, investindo em programas nacionais. “A soberania do povo vem do controle sobre aqueles recursos essenciais naturais. Por isso, o petróleo tem o seu papel na estrutura produtiva, pela capacidade de gerar excedente econômico, para ser redistribuído”, afirmou o engenheiro e ex-diretor da própria Petrobras, em um dos debates da série promovida pelo site Outras Palavras.
“A Petrobrás, que descobriu reservas gigantescas e as explora, vem sendo desmembrada, em operações obscuras e realizadas sem debate com a opinião pública”, disse o texto de apresentação da série, que vai até o próximo dia 18, com mais quatro debates, sempre às terças e quartas, sempre às 20h. “Além disso, os dirigentes nomeados pelos governos Temer e Bolsonaro impuseram à população uma política de presos extorsiva, que desgasta a estatal junto à sociedade e dificulta sua defesa. Mas os lucros astronômicos gerados em consequência não são reaplicados na estatal – cujos investimentos minguaram – e sim transferidos a seus acionistas, majoritariamente privados e internacionais. Articuladas, estas ações estão levando à apropriação, por especuladores, de operações e subsidiárias estratégicas.”
Renda mínima
“Defendo que o petróleo e os potenciais hídricos poderiam garantir uma renda mínima a todos os brasileiros”, afirmou Sauer, citando o ex-senador e atual vereador paulistano Eduardo Suplicy. “O excedente econômico do contrato de serviços pode financiar tanta coisa, inclusive aposentadoria.”
Ele defendeu um projeto nacional de desenvolvimento: “o petróleo pertence ao povo. Se o povo construiu a Petrobras, se a Petrobras descobriu o pré-sal, por que não fazer? É um problema técnico? É um problema de escolha política”. O professor disse ainda nunca ter se oposto à política de paridade internacional dos preços, “desde que esse excedente econômico que vem da venda do petróleo vá para a população”.
Esta seria, para ele, uma forma de equilibrar a conta de divisão do excedente, já que hoje esses recursos só vão para pagamento de royalties e dividendos. “Não é justo. Isso é uma metamorfose inaceitável do que a Constituição diz. O povo brasileiro, pela Constituição, é o dono do petróleo. A soberania do povo vem do controle sobre aqueles recursos essenciais naturais.”
Ele lembrou que o regime de prestação de serviços permite que o governo “exerça soberania em novo do povo”, proporcionando riqueza para “resgatar a dívida social brasileira”.
Conceito de soberania
Para Sauer, a discussão neste momento deve ser sobre a “reconstrução” da Petrobras e do próprio país. “Precisamos reconstruir o conceito de soberania como ele foi criado lá atrás. É hora de alguma autocrítica, mas de debater um novo projeto, construir o futuro. O passado não se muda, com ele se aprende. É preciso ter concepção, generosidade, abertura para ouvir os outros, discutir, analisar e buscar uma saída de consenso para mudar o país.”
Assim, ele defendeu que é preciso mudar o regime do petróleo, que foi “usurpado por uma metamorfose legislativa inconstitucional”. Segundo Sauer, isso vale também para a Eletrobras, que está em processo de privatização: "o fascismo ameaça e houve erros no passado, mas o importante agora é desmitificar as mentiras que estão jogando por aí contra a história do Petrobras”. Precisamos colocar esse debate na rua”.
Interesse estratégico
O professor ressaltou que é fundamental “escolher” os inimigos. “Não podemos atacar todos ao mesmo tempo. Nós temos que nos concentrar em recuperar a soberania do povo sobre a produção do petróleo, sobre o controle das usinas hidráulicas, por vários motivos, se possível sobre os ventos também, e sobre os minérios. Porque os acionistas que estão lá são muito poderosos em valor, mas são pequenos em número. Então, é possível direcionar o enfoque do enfrentamento.”
“Toda vez que o Conselho Nacional de Política Energética afirmar que há interesse estratégico, não precisa fazer licitação. Pode contratar diretamente a Petrobras. E o contrato é definido de acordo com os termos a serem negociados. Basta querer, basta uma decisão política", disse. "E qual a consequência direta de contratar a Petrobras? Ela recebe o custo de produção, faz um retorno extremamente razoável, obviamente. O petróleo custa 8 ou 13 dólares, a Petrobras recebe 15 ou 20 por barril. O restante fica tudo para o poder público.”
Ao lembrar que ajudou a escrever programas de governo em cinco eleições, Sauer alertou que não basta ter programa, mas convencer também a população, popularizando o debate e garantindo mobilização. “Precisa ver qual é o compromisso e qual é a força política. A disputa é ferrenha, encarniçada e dura.”
Artigo original publicado em RBA .