Apesar de terem economias movidas pelo petróleo, a União Europeia e o G7 afirmam que deixarão de comprar petróleo da Rússia por conta da guerra na Ucrânia. A promessa europeia precisa ser aprovada pelos 27 países-membros do blocos e o plano do G7 por enquanto sequer tem um prazo para ser implementado. Em um mercado inflacionado e sem fornecedores disponíveis no curto prazo, os juramentos podem não se realizar.
A presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou no dia 4 de maio que o bloco deixará de comprar petróleo russo, apesar da medida "não ser fácil". Von der Leyen disse que "alternativas de abastecimento" deverão ser encontradas para minimizar os impactos e permitir eliminar o petróleo bruto russo dentro de 6 meses e produtos refinados até o final do ano.
Reuniões do bloco europeu para formar um consenso sobre o banimento do petróleo russo falharam em obter um acordo até o momento.
No domingo (8), foi a vez do G7 — bloco formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Japão, Canadá e Itália — prometer não comprar mais petróleo russo após uma reunião virtual que contou com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. "Garantiremos que o faremos em tempo hábil e de maneira ordenada, e de forma que dê tempo para o mundo garantir suprimentos alternativos", disse o G7 em comunicado, sem fornecer prazos ou mais detalhes.
Pesquisadora da geopolítica do petróleo, Nathana Garcez avalia que embora uma total interrupção da compra do petróleo russo não possa ser descartada, essa medida é "extremamente difícil", ainda mais no curto prazo.
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“Não existe nenhum país que consiga suprir sozinho esse tipo de demanda, e nem países que conjuntamente possam suprir. Por quê? Porque a maioria dos grandes países exportadores de petróleo já estão vinculados a outros contratos comerciais, já têm suas capacidades de produção e exportação comprometidas, pelo menos grandes porcentagens delas. E suprir essa nova demanda criada forçaria a maioria desses países a fazer grandes esforços estruturais, grandes construções, isso leva bastante tempo”, diz a doutoranda em relações internacionais no programa San Tiago Dantas ao Brasil de Fato.
A União Europeia depende do petróleo da Rússia?
A Rússia é o maior fornecedor de petróleo cru da União Europeia quando não entram na equação os países do próprio bloco. Em 2020, Rússia (29%), Estados Unidos (9%), Noruega (8%), Arábia Saudita e Reino Unido (ambos 7%), bem como Cazaquistão e Nigéria (ambos 6%) foram os principais fornecedores.
Alguns países da União Europeia, contudo, dependem dos russos para obter bem mais da metade de todo seu petróleo. Em novembro de 2021, Lituânia (83%), Finlândia (80%) e Eslováquia (74%) precisaram dos russos para abastecer parcelas consideráveis de seus mercados. Os dados são da Agência Internacional de Energia.
Boa parte do consumo energético europeu é atendido pelo oleoduto de Druzhba, que parte da Rússia com combustível extraído na Sibéria, nos Urais e no Mar Cáspio. A infraestrutura construída durante a era soviética segue em operação e é vital para a economia da região. Existem outros oleodutos na Europa, mas nenhum deles têm a extensão do Druzhba.
“É bem possível que esse acordo, mesmo que passe, não se reproduza na vida real, que ele não seja de fato cumprido porque não existe hoje nenhum país e nem capacidade de infraestrutura de outros países para atender a demanda de 27 países, sendo a maioria deles com grande intensidade de demanda por petróleo”, avalia Garcez. "Eu não vejo no curto prazo como esse projeto possa ser cumprido”.
Quem ganha com a alta do preço do petróleo?
O momento é de bolsos cheios para as empresas de petróleo ao redor do mundo. A Shell registrou lucro de US$ 9,13 bilhões no primeiro trimestre de 2022 — o maior de sua história para esse período e quase triplicando o valor obtido no primeiro trimestre de 2021. A BP teve seu melhor trimestre desde 2008, com lucro de US$ 6,2 bilhões, e a Equinor teve o melhor faturamento no trimestre de sua história.
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No Brasil, a Petrobras também registra lucros recorde enquanto a população enfrenta um processo inflacionário. A disparada nos preços também é uma realidade para os trabalhadores dos Estados Unidos, que registra a inflação mais alta das últimas quatro décadas, e também na União Europeia, onde o aumento dos preços da energia e dos alimentos também é notado.
“Quanto mais elevado está o preço do petróleo, maior é a tendência de ganho para essas empresas [de petróleo]. Em um cenário em que você tem uma guerra, e uma guerra envolvendo um grande produtor, é natural que esses preços atinjam patamares recordes, como atingiram em fevereiro e se mantenham altos”, afirma Garcez.
A pesquisadora destaca que os governos atualmente precisam lidar com os interesses antagônicos da população e das companhias de petróleo por conta das atuais "pressões inflacionárias".
“Para esses governos, entendendo que é bem possível que a guerra não termine tão rapidamente quanto imaginávamos, serão de fato meses em que terão que navegar entre esses diversos interesses muito conflitantes, já que, para essas empresas de petróleo, a manutenção dessa crise vai ser extremamente lucrativa", afirma a pesquisadora da geopolítica do petróleo.
Edição: Arturo Hartmann