Tem merendeiras que são verdadeiras chefes de cozinha
Você já parou pra pensar de onde vêm e como são produzidos os alimentos consumidos nas escolas? O Brasil tem uma política que existe há mais de 60 anos, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), política responsável por oferecer a merenda, e garantir condições nutricionais e de saúde dos estudantes.
Embora o PNAE exista desde 1955, foi a partir de 2009, com a aprovação da Lei nº 11.947, que essa política passou a contribuir mais efetivamente para a segurança alimentar e nutricional de milhões de estudantes da rede pública e para a renda de milhares de famílias agricultoras.
Uma das ações nesta direção estabeleceu que ao menos 30% dos recursos devem ser usados para compras de alimentos da agricultura familiar, de preferência para agricultores que pertençam à própria comunidade próxima à escola.
Uma das preocupações hoje é saber se, com tanta liberação de agrotóxicos nos últimos anos, seria possível os estudantes consumirem frutas, verduras, legumes e raízes saudáveis, sem venenos e que respeitem a natureza?
:: Cerca de 80% dos alimentos agroecológicos chegam até feiras, supermercados e escolas ::
Um dos exemplos é o município de Jacobina, na Bahia, que fica a 341 quilômetros da capital Salvador. A merendeira Sirley Ferreira da Silva conta que ocorreram mudanças após a inserção dos alimentos agroecológicos para o preparo da merenda. A disponibilidade de alimentos frescos e de temperos despertou o interesse dos alunos pela refeição.
“Não adianta a gente querer proporcionar uma alimentação saudável, sendo que o que chega de produtos não ajuda. Então, a partir da introdução da agricultura familiar, a gente vê uma mudança [na merenda]. Porque as frutas, verduras e legumes são de qualidade e isso faz com que a gente fique animado de preparar e fornecer a merenda. Antes a gente tinha esse medo de fornecer algo que o aluno via e voltava, não consumia”.
A inserção de alimentos agroecológicos na merenda escolar, pode contribuir para a mudança nos hábitos alimentares das crianças e de suas famílias. É o que aponta a pesquisa “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade: Agroecologia e Alimentação Escolar” realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
O estudo ocorreu entre 2019 e 2021 e analisou 13 experiências em 9 territórios em busca entender os desafios, avanços e inovações de organizações da agricultura familiar e gestoras/es públicas/os na implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
No caso de São João das Missões, no semiárido mineiro, por exemplo, uma aldeia indígena substituiu os refrigerantes por polpas de sucos de frutas nativas, dentre outras alterações.
A merendeira da Bahia ressalta que com a inclusão dos alimentos vindo dos produtores locais a refeição passou a ser completa, pela diversidade e também pela qualidade. “Arroz, feijão, carne, verdura, tudo de qualidade, além da sobremesa que é uma fruta local, que vem da terra, teve essa melhoria e ficou muito melhor agora”.
A nutricionista Veranúbia Mascarenhas Barbosa presta serviços de segurança alimentar e nutricional para o Projeto Bahia Produtiva, iniciativa do governo do estado, ministrando diversas oficinas em 27 territórios da Bahia. Ela ajuda na elaboração de cartilhas e de receitas para escolas. O consumo de alimentos agroecológicos é estimulado pelo poder público por meio das compras públicas e de feiras livres com 100% dos produtos de base agroecológica, segundo a nutricionista.
O consumo de alimentos agroecológicos é estimulado pelo poder público no munícipio de Jacobina por meio das compras públicas e de feiras livres com 100% dos produtos de base agroecológica, segundo a nutricionista. Na última capacitação sobre alimentos não convencionais e segurança alimentar promovida e percebeu que muitos saberes já faziam parte do cotidiano das merendeiras.
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“A gente chega achando que está levando algo novo, mas percebe que aquela comunidade já está consumindo plantas alimentícias não-convencionais (Pancs), e alimentos da agricultura familiar. Tem merendeiras que são verdadeiras chefes de cozinha, elas não estão ali só para preparar ou reproduzir uma receita ou repetir cardápio, elas pesquisam e estudam essas refeições”.
A escola pode e deve ser um espaço para as crianças aprenderem desde cedo a importância de ter uma alimentação saudável para evitar riscos de doenças cardíacas, diabetes, deficiências imunológicas, obesidade, entre outros problemas. Segundo a nutricionista, um cardápio escolar com alimentos agroecológicos colabora para prevenção de doenças relacionadas ao uso de agrotóxicos.
“É que os alimentos convencionais têm alto teor de substância químicas tóxicas, e elas podem trazer muitos prejuízos para o desenvolvimento da criança e problemas de saúde”, explica a nutricionista.
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Em contrapartida, são inúmeros os benefícios do consumo de alimentos agroecológicos para a saúde e para o meio ambiente. “O uso de alimentos agroecológicos, eles vão beneficiar de várias formas: tem apenas traços de metais pesados ou existem produção que não há nada; muito mais nutritivos, porque o solo está mais balanceado e a água mais cuidada”, comenta Veranúbia.
Edição: Douglas Matos