Embora seja um substantivo feminino, vitória é basicamente um privilégio restrito aos homens porque independentemente da bandeira que defenda, uma mulher, no ambiente militar, está fadada a fracassar nesta dinâmica de poder masculinizada.
Mais de dois séculos após começarem a servir ativamente o Exército do país mais bélico do mundo, uma mulher finalmente chegou à liderança: a almirante Linda Fagan foi confirmada pelo Senado dos Estados Unidos no dia 11 de maio como chefe da Guarda Costeira.
A nomeação e subsequente aprovação de Fagan para o posto confirma o que a historiadora Joan W. Scott já dizia — e a professora Jessica Meyer, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, relembra em entrevista ao Brasil de Fato: "a guerra é o apêndice de todas as relações sociais, inclusive a de gênero".
Para Lisa A. Kirschenbaum, professora de história da West Chester University, guerras e outros confrontos bélicos sempre foram associados a um certo tipo de masculinidade. "Acho que é muito difícil para uma mulher ser realmente levada a sério, ela vai sempre ser muito masculina para a sociedade ou muito feminina para o trabalho e, de qualquer maneira, ela será punida por isso".
Ainda de acordo com Kirschenbaum, quando uma mulher chega a uma posição de poder, mesmo que num ambiente tão masculinizado como o Exército, há sempre uma suposição não-declarada de que ela pode ter se relacionado com um homem em cargo superior para conseguir tal façanha. "É por isso que muitas mulheres optam por não revelarem alguns feitos e honrarias, para proteger sua imagem e reputação de boatos cruéis".
Já a professora de história Sarah Myers, da Messiah University, revela, em entrevista ao Brasil de Fato, que as dinâmicas de poder começam antes mesmo do ingresso da mulher nas Forças Armadas. "Percebo que a maternidade é imposta e, na sequência, vilanizada porque parte-se do pressuposto que a mulher vai ser mãe e esposa, e aí passam a discutir como isso vai impactar nas atividades militares", explica, "mas o mesmo não acontece com os homens, certo? Ninguém questiona como o serviço afeta a paternidade, porque isso não é um problema".
Superada essas dores, as mulheres ainda carregam o peso e a responsabilidade de se tornarem, involuntariamente, parâmetro para todas as demais. "A primeira mulher a desempenhar uma determinada função vai ser, para sempre, uma referência para as demais, além de ter que lidar com o questionamento de sua performance", explica Myers, "se ela tiver um bom desempenho, dirão que é uma exceção; caso seu desempenho esteja abaixo do esperado, vão dizer que é isso o que acontece quando se farda uma mulher".
Ao final de um conflito, o sofrimento delas continua e evidencia, mais uma vez, a estrutura de poder social que criamos e perpetuamos. "A questão é: o que acontece depois da guerra com as mulheres militares? Elas são acendidas ao posto de heroínas, como os homens são? Ou são esquecidas? Há casos históricos em que elas são envergonhadas pelo que fizeram, porque não é 'feminino' participar de uma guerra. Então eu diria que é óbvio que as mulheres desempenham papéis realmente importantes em lutas de libertação nacional, mas que assim que o novo estado é estabelecido, elas não são recompensadas proporcionalmente com políticas de poder", conclui Lisa.
Mas por quê, afinal, milhares de mulheres insistem em participar dessas guerras das quais nunca sairão vencedoras? Porque países como os Estados Unidos fazem disso uma espécie de prova de patriotismo. Essa retórica é tão forte que os estadunidenses estabeleceram que qualquer pessoa que tenha servido o Exército do país por pelo menos um ano seja elegível a conseguir a cidadania. A promessa do green card do outro lado da linha de combate coloca minorias inteiras na linha de frente, como explica a professora Sarah Myers: "para muitas mulheres que servem as Forças Armadas, não importa o país, há conversas sobre como o serviço militar delas está ligado à sua identidade e ao senso de cidadania. Então, nos EUA, mulheres e outras minorias usam o serviço militar para tentar adquirir plena igualdade e cidadania".
Edição: Thales Schmidt