O momento presente é de fortalecimento da luta contra a mutilação do Estado democrático de direito
Nenhuma análise sobre a crise entre as instituições brasileiras é madura se deixar de enxergar a responsabilidade de todas elas, seja por omissão ou conivência, inclusive das que hoje estão sob ameaça nos discursos do presidente da República e seus ministros militares, que manipulam a opinião pública estimulando desconfiança no sistema eleitoral e fazendo claras ameaças de golpe.
As tensões não surgiram de repente. Foram precedidas por vários sinais.
No seu jogo de avanço e recuo, Bolsonaro vem testando as instituições desde que tomou posse em janeiro de 2019. Progressivamente, foi aumentando o tom e as ações, tornando nebuloso o processo de desfecho de uma derrota eleitoral que venha a sofrer nas urnas.
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A cada ausência de reação ele avança algumas casas no tabuleiro da política. Enquanto o país sangra, ele cria cortinas de fumaça para desviar o foco dos problemas reais, da fome, do desemprego, da alta de preços, da inflação e da destruição de todas as políticas públicas que reduziam desigualdades e promoviam inclusão. Mas, para viabilizar tudo, Bolsonaro contou com um parlamento complacente, um Judiciário brando, uma Procuradoria da República parceira, uma fiscalização inoperante.
A par de tudo isso, para combater uma possibilidade de golpe na democracia, é necessário, além de fazer análises lúcidas do momento conjuntural da História, perceber que o momento presente é de fortalecimento da luta contra a mutilação do Estado democrático de direito, em agenda comum que emane das mobilizações dos sujeitos coletivos em seus diversos lugares de fala.
O avanço dos discursos de Jair Bolsonaro e de seus ministros militares com alegações infundadas de possibilidades de fraude eleitoral e exigência de voto impresso e “auditável”, indicam preparação de bases para contestar a decisão da população se ele não for reeleito.
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Essa ameaça tem mobilizado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a criar fóruns que garantam maior participação da sociedade civil organizada nas eleições de 2022 e isto levou um grupo de entidades, preocupadas com a lisura e integridade do processo eleitoral, a uma reunião com o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, no último dia 16 de maio de 2022.
O Observatório de Transparência das Eleições, instituído pela Portaria TSE nº 578/2021, é formado por instituições da sociedade civil e por organizações e instituições públicas e privadas com notória atuação nas áreas de tecnologia, direitos humanos, democracia e ciência política, entre outras, e possui a tarefa de promover o conhecimento público sobre o sistema brasileiro de votação e resguardar a integridade do processo eleitoral.
A garantia da escuta, troca de conhecimentos e colaboração técnica pode, efetivamente, ajudar a construir uma pluralidade de visões e a disseminar as informações corretas e os conteúdos confiáveis, combatendo as falsas notícias.
O coletivo de entidades, em uma Coalizão Para Defesa do Sistema Eleitoral, simboliza a participação múltipla da sociedade civil, a união de esforços e compromissos para atestar que o processo eleitoral brasileiro é transparente e seguro, um dos mais avançados do mundo, com a identificação biométrica do eleitor e urnas eletrônicas seguras, que permitem a divulgação de resultados absolutamente confiáveis no mesmo dia da votação. Sua arquitetura informatizada e o aperfeiçoamento de seu uso ao longo do tempo faz prevalecer a ausência de razões justificadoras de questionamentos justos sobre licitude, não nos permitindo qualquer engano sobre as verdadeiras motivações de combatê-las.
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Enfatizando a dimensão que gerou a reunião do grupo, a produção de uma carta e a realização do relevante debate, é necessário identificar que a crise de que se servem os inimigos da democracia tem raízes e origens mais profundas que atuaram sobre bases instáveis. Portanto, a batalha pela garantia de eleições livres deve significar, também, a salvaguarda da governabilidade futura.
*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É integrante do Grupo Candango de Criminologia da UNB (GCcrim/UNB) e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rebeca Cavalcante