Alunos, professores e profissionais da educação do Rio de Janeiro enfrentam em suas rotinas o fato de estarem no alvo de tiroteios por disputa entre facções criminosas e pelas operações policiais promovidas pelo governo estadual. O assunto voltou a ganhar destaque com o confronto que já dura mais de uma semana entre traficantes no Morro dos Macacos, na zona norte da cidade.
Professora da rede municipal em Vila Aliança, na zona oeste do Rio e um dos bairros mais violentos da cidade, F.C.L., que pediu para não ter o nome identificado na reportagem por medo de retaliação, contou ao Brasil de Fato que atua há mais de 10 anos em uma escola da região e nunca deixou de ter medo de ir para a instituição, do caminho de volta para casa e de estar na unidade.
"Nos últimos anos, já tive alunos que não voltaram mais para a escola porque a mãe preferiu deixar o filho dentro de casa ou porque a família saiu às pressas da comunidade. A gente enfrenta o medo por vários poderes de violência, como o tráfico e a milícia, e por poderes de segurança, mas que são violentos, como é o caso de alguns policiais", conta ela.
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Um levantamento realizado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio identificou que apenas na última semana 33 escolas da rede pública foram afetadas em função de operações policiais nas localidades. Sete escolas em Senador Camará, na zona oeste, 10 escolas de Vila Aliança, nove na região do Morro dos Macacos e sete no Caju, na zona Norte, foram fechadas por conta de tiroteios.
Protocolo de guerra
A situação de violência permanente na cidade e no estado faz com que a Prefeitura tenha em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha um protocolo para enfrentar a situação de forma emergencial. A Cruz Vermelha atua mundialmente na proteção e assistência de vítimas de guerra e em situações de violência.
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Entre as operações do Comitê, o Brasil aparece ao lado de países como Afeganistão, Etiópia, Iêmen, Lago Chade, Moçambique, Síria e Ucrânia, que atualmente vive em situação de guerra com a Rússia.
Segundo a SME, o programa tem como objetivo mitigar riscos por meio de protocolos que são aplicados por professores, alunos e toda a comunidade escolar em situações de risco. A Secretaria informou que sempre que há uma situação de risco o protocolo é acionado.
Nos últimos dias, uma das consequências para as escolas foi o retorno emergencial às aulas remotas. Uma medida utilizada durante quase dois anos em decorrência da pandemia da covid-19 acabou se tornando alternativa à violência urbana. De acordo com a SME, o ensino à distância é utilizado somente em situações de instabilidade nos territórios das unidades escolares.
Falência do Estado
Para a coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ), Helenita Beserra, havendo ou não a presença da polícia nos eventos que atingem as escolas, as ações demonstram a incapacidade do Estado em lidar com a vida da população e com o futuro de crianças e adolescentes.
"Tudo isso significa, em última instância, a falência do poder do Estado. Em determinadas comunidades, existe apenas a escola como aparelho estatal e, algumas vezes, a intervenção policial. Muitas dessas regiões não têm nem mesmo um posto de saúde da família para essa população. E se a escola é fechada, o Estado não está mais lá", afirma a representante do Sepe-RJ.
Helenita lembra que os alunos vêm de dois anos sem o ensino presencial e que a violência torna essa permanência na escola ainda mais fragilizada. "Os professores não têm condição psicológica de trabalhar. Nessas horas, o docente está pensando em como garante que esse aluno, que não está habituado às aulas presenciais, esteja vivo, e como ele, professor ou professora, vai assegurar sua própria vida", comenta ela.
Para a coordenadora do Sepe-RJ, o cenário de violência permanente no Rio de Janeiro "é altamente preocupante, porque ela atinge as regiões mais pobres e atinge o filho da classe trabalhadora, que já não tem quase nada", argumenta.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse