A notícia-crime contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e divulgada ontem (17), vem repercutindo negativamente sobre o governo federal no meio jurídico. Na ação, protocolada na Corte, o mandatário cita suposto crime de autoridade, ataques à democracia, desrespeito à Constituição e desprezo a direitos e garantias fundamentais por parte do ministro para fundamentar a acusação.
Mas, na avaliação de juristas, trata-se de mais uma ofensiva contra o Poder Judiciário movida por Bolsonaro, que tenta ganhar politicamente sobre a ação, reiterando um dos seus alvos preferidos, Alexandre de Moraes, que é relator de investigações contra o presidente e aliados. Governistas, como os deputados Carla Zambelli (PL-SP) e Filipe Barros (PL-PR) comemoraram, por exemplo, a representação contra o ministro. “É uma estratégia artificial e infantil. É como se o presidente estivesse tentando cavar um pênalti, mas o juiz, as instituições e a opinião pública estão atentos. Ele tenta criar uma situação para se favorecer no futuro”, observou o coordenador do grupo Prerrogativas, coletivo de advogado e juristas, Marco Aurélio Carvalho.
De acordo com o advogado, em entrevista ao site Congresso em Foco, o presidente da República estaria tentando “criar um constrangimento” para “forçar uma declaração de suspeição ou impedimento” contra o ministro do STF que assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de outubro. Marco Aurélio vê ainda na ação a tentativa do chefe do Executivo de “desviar o foco dos reais problemas do país, como a inflação e o aumento da pobreza e da fome”.
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Destino é o arquivamento
“É mais um factoide que o governo cria. Não é o primeiro nem será o último. Cria-se escândalo no dia de hoje para acobertar o que ele criou no dia anterior. É uma tática diversionista. No momento em que o país convive com a fome e a miséria, ele cria crise para tirar foco do que é fundamental”, afirmou o grupo. A avaliação do Prerrogativas é compartilhada pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) que classificou a ação como “puramente política”.
Para o parlamentar, a notícia-crime não tem chance de prosperar, muito menos de impedir (Moraes) de assumir a presidência do TSE. “O Genocida quer criar fato”, tuitou. Advogado criminalista, pré-candidato a deputado federal pelo PSB e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho compartilhou em suas redes a análise de que a ação deve ser arquivada, sem quaisquer efeitos contra o ministro do STF.
“A ação que Bolsonaro apresentou contra Alexandre de Moraes não vai reduzir a inflação, não vai diminuir o preço da gasolina e não vai alimentar a população que passa fome. A ação vai ser arquivada e os problemas estruturais do nosso país continuarão aí. Não vamos perder o foco”, declarou Botelho.
Investigado por fake news
A notícia-crime não foi apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU). No dia 9, Bolsonaro assinou uma procuração para que o advogado Eduardo Reis Magalhães, registrado na seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), protocolasse a ação na Corte. Entre as razões da denúncia, a defesa do presidente alega, em primeiro, o que chama de “injustificada investigação no inquérito das fake news, quer pelo seu exagerado prazo, quer pela ausência de fato ilícito”.
Em agosto do ano passado, o ministro da Corte determinou a inclusão de Bolsonaro como investigado no inquérito que apura a divulgação de informações falsas. A abertura da investigação foi uma resposta aos repetidos ataques do presidente da República à Justiça Eleitoral e ao próprio tribunal eleitoral, para pressionar pelo voto impresso. Durante uma live, à época, o mandatário vazou informações sigilosas do TSE para colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas, sem quaisquer provas.
Mas a ação apresentada contra Moraes também relata que o inquérito das fake news“não respeita o contraditório” e não permite que advogados tenham acesso aos autos. O advogado de Bolsonaro acusa também Moraes de “decretar contra investigados medidas não previstas no Código de Processo Penal, contrariando o Marco Civil da Internet”. Segundo a defesa, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) também já “reconheceram inexistir qualquer delito” que justifique apuração contra Bolsonaro. No entanto, alega Bolsonaro “o ministro insiste em mantê-lo como investigado”.
Ato abusivo da presidência
À CNN, o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Georges Abboud destacou a notícia-crime movida por Bolsonaro como “mais um ato do constitucionalismo abusivo perpetrado pela Presidência da República”. “O Executivo usa medidas lícitas, como indultos e notícias-crimes, sabendo que não tem conteúdo, mas faz uso destas para emparedar outro poder, no caso o STF”, explicou o professor.
Além disso, Abboud destaca que a manifestação da PF sobre o caso não é absoluta para o desfecho do inquérito. A ação contra Moraes será relatada pelo ministro Dias Toffoli. Na última semana, Alexandre de Moraes decidiu unificar duas investigações que envolvem Bolsonaro e seus aliados. Uma, a atuação de uma milícia digital contra a democracia. E outra, com foco diretamente no presidente, a investigação sobre seus ataques à urna eletrônica e ao sistema eleitoral. Desse modo, as duas apurações ocorrerão conjuntamente.
A junção acatou pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo o qual a união dos processos é necessária antes de eventual denúncia contra Bolsonaro. Moraes é relator nos dois casos. Ele afirma haver “fortes indícios e significativas provas apontando para a existência de uma organização criminosa”.