O surto de dengue que atinge o Brasil já causou alta de mais de 150% nos casos registrados até 7 de maio. O número de pessoas infectadas passa de 750 mil, resultado que já supera todas as confirmações de 2021.
Embora o próprio ciclo do vírus influencie ondas mais graves em determinados períodos, o aumento das desigualdades sociais e a insuficiência nas políticas públicas pesam consideravelmente para a piora do cenário.
"Essas doenças, que não despertam tanto o interesse da indústria farmacêutica e da indústria de vacinas, acontecem sobretudo nas regiões tropicais do planeta, onde estão os países em desenvolvimento, onde há maior desigualdade. Elas afetam as pessoas mais pobres do planeta e, dentro de cada um desses países, elas vão afetar pessoas mais pobres daquele lugar" afirma o pesquisador Ademir Martins, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz.
Segundo ele, crises econômicas nessas nações causam reflexos imediatos na transmissão de patologias como a dengue, "tem tudo a ver com a questão demográfica, socioeconômica e as localidades onde há infraestrutura sanitária menos adequada."
A dengue já vinha crescendo no Brasil antes da pandemia. Nos anos de 2015, 2016 e 2019 foram registrados mais de um milhão de casos. Durante a emergência sanitária da covid-19, o cenário se reverteu e houve queda. Em 2022, no entanto, o Brasil voltou a observar crescimento significativo de casos.
O avanço da doença coincide com a queda nos investimentos públicos. Entre 2017 e 2019, o Sistema Único de Saúde (SUS) perdeu R$ 20 bilhões por causa do teto de gastos. Para este ano, o orçamento previsto para o setor também foi reduzido.
Ademir Martins pontua que o controle também depende de investimentos na atenção primária e da formação adequada de agentes de saúde que atuam com o tema.
"Ao longo dos últimos anos vem acontecendo um desmantelamento da assistência primária. Os agentes de saúde não estão preparados para atuar nessa área. Há uma rotatividade muito grande pela precariedade dos empregos. Por mais que existam ferramentas importante de controle, acaba que isso não é perenizado por todos os agentes e por todos os municípios", diz o pesquisador.
Ciclo do vírus
A dengue é causada por um vírus, transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Entre os sintomas mais recorrentes estão febre alta, dores musculares e nas articulações e erupções na pele. A doença pode causar hemorragia interna em órgãos e tecidos e levar à morte.
"O elo que deveríamos combater mais é o mosquito, porque não temos uma vacina totalmente eficaz e medicamentos específicos contra esse vírus. Combater o mosquito significa combater não só a dengue, como também chikungunya e zika", explica Ademir Martins.
Segundo o pesquisador, existem quatro tipos de vírus da dengue circulando no planeta. Pessoas infectadas com um deles não ficam imunes aos outros. Essa dinâmica favorece a ocorrência de ondas mais graves de tempos em tempos. No Brasil, esses períodos vêm ocorrendo em média a cada três anos.
"E aí você me pergunta, se já sabemos disso não deveríamos nos preparar melhor? A gente deve se preparar sempre", alerta ele. "O combate a essas arboviroses [vírus transmitidos por mosquitos] é dever do estado. Prover infraestrutura sanitária adequada para que as pessoas não precisem acumular água, coleta de lixo, educação sanitária nas escolas, propagandas, no comércio, para que mostre à população que ela tem que fazer sua parte. É aí que vem a parte de cada um", completa.
Outros fatores também exercem influência no aumento da infecções observado atualmente. Como o mosquito se prolifera em água parada, a chuva intensa que atingiu diversas regiões do Brasil no fim do ano passado e nos primeiros meses deste ano pode ter impulsionado ainda mais a presença do vetor.
Além disso, o Aedes aegypti tem encontrado facilidade para se proliferar em regiões que não costumavam registrar surtos anteriormente. Fator que pode ser consequência das mudanças climáticas e a devastação ambiental.
"O mosquito vai ganhando novas fronteiras, vai ganhando regiões mais frias e que agora estão ficando mais quentes. O crescimento urbano e o deflorestamento vão criando condições mais favoráveis para ele sobreviver. Não é um novo comportamento do vírus. É o mosquito que está ganhando novos espaços", ressalta Ademir Martins.
Situação crítica
Enquanto lidam com o aumento dos casos, estados e municípios enfrentam as dificuldades impostas ao SUS e até a falta de insumos. Até esta semana, pelo menos seis unidades da federação relataram falta de testes rápidos para a dengue.
Nesta sexta-feira (20), o governo do Grande do Norte decretou situação de emergência frente ao aumento de casos de dengue, zika e chikungunya. Na capital, Natal, o sistema de saúde está lotado de pacientes com as doenças. O secretário de Saúde, George Antunes, afirmou que rede de atendimento da cidade está próxima do colapso
No estado de São Paulo, o número de mortes cresceu mais de 100% até 14 de maio na comparação com o mesmo período do ano passado. No Rio Grande do Sul quase 90% passam por infestação do mosquito. Em abril, o estado registrou os resultados mais expressivos de casos e óbitos em mais de 20 anos.
Cenários semelhantes se repetem em municípios brasileiros do interior às metrópoles. O Ministério da Saúde criou uma Sala de Situação para monitoramento de avanço da doença, com objetivo de intensificar as ações de vigilância.
Na segunda-feira (16), o ministro Marcelo Queiroga disse que o controle da dengue não depende apenas do poder público e cobrou ações da população.
"O combate ao vetor é de responsabilidade de quem? Não é querendo tirar o Ministério da Saúde da linha de frente, mas cada um dos cidadãos tem que controlar em casa também, né? Não é só cobrar das autoridades sanitárias. Cada um tem que fazer sua parte", afirmou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho