“Racistas estão cada vez mais confortáveis para ir a um estádio de futebol e expressar sua intolerância”. O diagnóstico é de Marcelo Carvalho, diretor do Observatório Racial no Futebol, entidade que contabilizou, ao longo dos incompletos cinco meses de 2022, 33 casos de racismo envolvendo o futebol brasileiro.
Jogos fora do Brasil – das copas Libertadores da América e Sul-Americana – foram palco de cinco destes casos. O mais recente aconteceu na última terça-feira (17), na partida entre Boca Juniors e Corinthians no estádio da Bombonera, em Buenos Aires.
Antes do jogo começar, um vídeo flagrou um torcedor argentino imitando um macaco em direção à torcida corintiana. Durante a partida, mais imagens apareceram. Nesta sexta (20), a Conmebol recebeu dois ofícios do presidente do Corinthians, Duilio Monteiro Alves, e da Federação Paulista de Futebol (FPF) pedindo medidas contra o Boca Juniors.
Em reação a uma série de situações similares, no início de maio a Conmebol anunciou um aumento no valor da multa para clubes cujos torcedores cometerem atos racistas. Agora o valor mínimo chega a US$ 100 mil, o equivalente a cerca de R$500 mil.
Os outros casos de racismo monitorados pelo Observatório este ano, no entanto, aconteceram em solo nacional. De acordo com Marcelo, os dados mostram uma probabilidade de 2022 quebrar o recorde de 2019, quando a entidade registrou 70 atos racistas no futebol durante todo o ano.
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Legislativo propõe endurecimento penal
Nesta quarta-feira (18), o Senado Federal aprovou um Projeto de Lei (PL) que equipara os crimes de injúria racial e de racismo. Juridicamente, o primeiro é quando uma ofensa é direcionada a alguém com base em elementos relacionados à raça, cor, etnia ou origem. O segundo é quando o ato atinge uma coletividade.
Na proposta que os equipara, ambos se tornam crimes inafiançáveis e imprescritíveis, com pena de dois a cinco anos de reclusão, podendo ser dobrada caso o ato seja cometido por duas ou mais pessoas.
O PL prevê, ainda, que caso os atos racistas sejam cometidos em atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, soma-se à reclusão a pena de proibição de frequentar esses locais por três anos.
O texto tem origem na Câmara e, por ter sofrido alterações no Senado, agora volta para apreciação dos deputados federais antes da sanção presidencial.
“Enxergo como medida fundamental. Mas também é preciso lembrar que a gente já tem no esporte algumas leis que, se fossem colocadas em prática, a gente já conseguiria punir os envolvidos, sejam clubes ou o agressor individual”, opina Carvalho, para quem é preciso pensar por que os modelos atuais não estão funcionando.
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O que mais agrada o diretor do Observatório no PL, no entanto, é a equiparação de injúria e racismo. “O que a gente está vendo no Brasil é pessoas que gravam vídeos se dizendo racistas, com orgulho de serem racistas, ali sem vergonha nenhuma na frente de uma câmera. Mas quando são presas, chegam na delegacia e dizem que não cometeram racismo, e sim injúria racial, bem orientadas para que não sejam punidas”, diz.
“Que mais atletas negros ergam o punho”
O mais recente caso de racismo no futebol dentro do Brasil, que ganhou grande repercussão, aconteceu no último dia 14. O lateral do Corinthians, Rafael Ramos, foi acusado pelo volante do Internacional, Edenilson, de tê-lo chamado de macaco.
Ramos foi preso em flagrante no estádio do Beira-Rio e solto depois de pagar fiança, podendo responder ao processo por injúria racial em liberdade.
Mas a imagem marcante foi no jogo seguinte do Inter, contra a equipe colombiana Independiente Medellín na última terça (17), pela Copa Sul-Americana. Depois de marcar um gol, Edenilson comemorou com o punho cerrado para cima, gesto histórico dos movimentos antirracistas.
“É difícil para nós, negros, denunciarmos o racismo. Seja porque as pessoas desacreditam as denúncias, seja porque sempre nos cobram algo e a gente muitas vezes não pode dar: estão cobrando que Edenilson fique focado no futebol. Mas ele não pode ficar focado no futebol, vivendo situações racistas”, expõe Marcelo Carvalho.
“Essa manifestação dele serve de exemplo”, avalia o diretor do Observatório Racial no Futebol: “Que outros atletas negros ergam o punho e ergam a voz”.
Edição: Raquel Setz