A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou, nesta terça-feira (24), que o número de casos confirmados de varíola dos macacos em humanos já chega a 131. De acordo com a OMS, pelo menos 19 países já registram pessoas infectadas e há mais de 100 suspeitas em investigação.
As nações mais afetadas são Portugal, Espanha e Reino Unido, na Europa, mas há outras regiões do continente com registros. Canadá, Austrália e Estados Unidos também confirmaram infecções.
O Brasil ainda não tem casos, mas a Argentina informou uma suspeita no domingo (22). O homem esteve na Espanha entre os dias 28 de abril e 16 de maio. Segundo o Ministério da Saúde do país, ele procurou atendimento médico no sábado (21) na província de Buenos Aires, com febre e feridas pelo corpo.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a pesquisadora Ethel Maciel, da Coordenação da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que o momento é de controle e proteção das fronteiras.
“O Brasil não é uma área endêmica para a varíola dos macacos. Para o vírus chegar aqui, ele tem que chegar por alguém contaminado. Precisamos instituir vigilância de fronteiras. Precisamos identificar o mais rápido possível pessoas que podem ter sintomas. Chegou de viagem, está com febre, dor no corpo e veio de um local que tem casos registrados, precisa ter o diagnóstico e fazer o isolamento”, alerta.
Propagação atípica
A varíola dos macacos é uma doença causada por vírus e transmitida a partir de animais silvestres, normalmente roedores, para humanos. Ela é endêmica em alguns países do continente africano, principalmente em áreas de florestas.
Por mais de 40 anos não houve registros de contaminação em pessoas, até que novos casos foram relatados na Nigéria a partir de 2017. Ainda assim, transmissões de humanos para humanos não são comuns.
Esse é um dos pontos que intriga a ciência no momento, além do fato de que as pessoas infectadas não viajaram para as áreas de risco e nem tiveram contato com viajantes que estiveram nesses locais.
“O que estamos vendo agora, é uma transmissão de humano para humano, o que não é comum, inclusive para pessoas que nem viajaram para áreas de risco. É uma novidade ruim para nós e coloca o mundo em alerta. O pior que poderia nos acontecer neste momento é ter duas epidemias ao mesmo tempo”, afirma a pesquisadora Ethel Maciel.
Segundo ela, a experiência com a pandemia da covid-19 deve ser levada em consideração e, mesmo que os casos de varíola dos macacos ainda estejam limitados a alguns países, desprezar o potencial do vírus seria um erro.
“Em epidemiologia, temos que estar sempre preparados para o pior cenário. Se ele não acontecer, melhor, mas nós estamos com toda a preparação. O pior cenário é termos uma propagação numa escala maior. Estar preparado é ter diagnóstico acessível para as pessoas, vacinas para os grupos mais expostos e investimento em pesquisas para que tenhamos medicamentos e um entendimento melhor do que está acontecendo.”
Pertencente ao gênero ortopoxvírus da família Poxviridae, o vírus da varíola dos macacos é da mesma família que a varíola humana - que causou crises sanitárias no mundo todo por séculos, até que foi controlada pela vacinação na década de 1970. Mas ele não costuma levar pacientes a casos graves. Entre os registros atuais, por exemplo, não há nenhuma morte. Ainda assim, representa risco, principalmente para gestantes e bebês.
Os sinais da doença são febre, dores no corpo e na cabeça, cansaço, gânglios inchados e lesões com feridas espalhadas pela pele. Os machucados causam dores e coceira e algumas manchas podem deixar cicatrizes.
A transmissão se dá a partir do contato próximo com fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados, como vestimentas, toalhas e roupas de cama. O período de incubação sem sintomas costuma durar de 6 a 13 dias, mas pode chegar até 21 dias.
Vacina e história
Embora não seja mais produzida e aplicada em larga escala, a vacina da varíola humana é efetiva contra varíola dos macacos. Como a doença foi considerada erradicada pela OMS em 1980, as campanhas de imunização foram extintas. No Brasil, por exemplo, quem tem menos de 40 anos não teve acesso às doses, que deixaram de ser aplicadas em 1979.
“A doença foi erradicada. Não existe mais a varíola humana, é a única doença que conseguimos não ter mais nenhum caso. Por isso, nós não fazemos mais vacina de rotina. Então não temos estoque e nem uma produção em larga escala para que possamos, por exemplo, amanhã, começar uma vacinação”, explica Maciel.
Atualmente, a vacina é aplicada somente em profissionais que atuam em áreas de risco. Para conter a onda atual de contaminações, no entanto, Reino Unido e Estados Unidos já disponibilizam ou estudam disponibilizar doses para profissionais da saúde.
Curiosamente, a história da erradicação da varíola humana caminhou em paralelo ao avanço das vacinas como política de saúde pública no mundo todo. Ela foi a primeira doença contra a qual a OMS atuou em campanha global, na tentativa de distribuir e aplicar as doses do imunizante.
A organização calcula que o mal tenha matado cerca de 300 milhões pessoas somente nos 80 anos anteriores à erradicação. Mas a varíola estava presente entre humanos muito antes disso. Na forma mais grave, ela tinha taxa de letalidade em cerca de 30%. É difícil, portanto, estimar a extensão histórica do estrago causado.
Segundo registros históricos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil já não registrava o tipo mais radical da doença desde a década de 1930. Ainda assim, a imunização contra a varíola era muito deficiente no país, que foi um dos últimos do mundo a acabar com a presença do vírus.
No início da campanha global da OMS, que ocorreu a partir de 1967, o país institui um grupo de trabalho com uma equipe da Fiocruz. Pesquisadores e pesquisadoras se dividiram em três frentes, diagnóstico, investigação de surtos e fabricação da vacina.
Com essa dinâmica, acesso ao imunizante e a novas tecnologias para armazenamento, transporte e aplicação, o processo conseguiu eliminar a varíola do Brasil em menos de dez anos.
O modelo de intervenção teve tanto sucesso que serviu de inspiração para os processos de controle da outras doenças e representou uma base importante para os planejamentos nacionais de imunização que vieram depois. O Brasil chegou ajudar outras nações. Exportou vacinas e métodos de combate para Índia, Somália e Etiópia, por exemplo.
E agora?
A Organização Mundial da Saúde considera que, no momento, ainda não é necessário pensar em imunização em larga escala contra a varíola. Os casos atuais, segundo a OMS, podem ser controlados com isolamento de pacientes, monitoramento de contatos e medidas de higiene.
No Brasil, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) acompanha a evolução da doença pelo planeta a partir de uma Câmara Técnica Temporária de caráter consultivo, chamada Câmara Pox MCTI. O comitê é formado por pesquisadores e pesquisadoras Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Feevale, que avaliam a situação global e produzem informes técnicos sobre o tema.
Ethel Maciel ressalta que o controle é extremamente necessário no cenário atual.
“Algo fundamental é não subestimar o vírus. Nós fizemos isso coma a covid. Tivemos uma pandemia de SARS-CoV em 2003, mas ela foi muito restrita. Quando o SARS-CoV-2 apareceu, nós acreditávamos que o vírus não ia se espalhar tanto e ia ter um comportamento parecido. Mas vimos que ele fez adaptações importantes e ficou muito transmissível. A mensagem é não subestimar a capacidade de evolução e de adaptação”, conclui ela.
Edição: Rodrigo Durão Coelho