Nesta quarta, 25, o mundo acordou ainda em choque com o massacre de terça (24) de ao menos 21 pessoas, entre elas 19 crianças, no estado do Texas, EUA. Este ataque ocorreu menos de duas semanas depois que um atirador branco matou dez negros em um supermercado na segunda maior cidade do estado de Nova York, Buffalo.
O ataque do início de maio mostrou a face mais violenta da desigualdade nos EUA. As populações negra e imigrante dos Estados Unidos são as maiores vítimas de crimes de ódios cometidos no país. E adicionado a isso, uma teoria insiste na elaboração da inversão dos papéis, de um fantasioso genocídio branco. Com raízes em movimentos nacionalistas franceses, datados do século 20, a "Teoria da Grande Substituição" prega que existe um "plano" para substituir toda a população branca, e que é preciso lutar para que a "raça ariana" não seja extinta.
"Essa teoria está no cerne do movimento da supremacia branca e deriva da ideia paranóica de que os brancos estão sendo sistematicamente substituídos, que a cultura e a influência branca estão sendo diminuídas pela mudança demográfica", explica Emily Kaufman, pesquisadora do ADL Centro de Extremismo, em entrevista ao Brasil de Fato.
Ainda de acordo com a pesquisadora, aqueles que se apoiam nesses ideais "acreditam que o governo é corrupto, que não representa mais seus interesses, que a sociedade é irredimível e que a melhor coisa que eles podem fazer por si mesmos, como brancos, é acelerar o fim de nossas instituições sociais criando caos e destruição através da violência. Seu objetivo final é causar o colapso do próprio governo e substituí-lo por um estado dominante branco".
Essa teoria ganhou nome e força em 2011, quando o escritor francês Jean Renault Camus assinou uma publicação intitulada "A Grande Substituição", que foi adaptada para melhor se encaixar na narrativa estadunidense. "No texto original, Camus dizia que os brancos europeus estavam sendo substituídos por pessoas não-brancas vindas da África e do Oriente Médio", conta Kaufman, "mas essa ideia da 'destruição iminente' da raça branca, também conhecida como 'genocídio branco' ecoava o grito de guerra da supremacia branca, as 14 palavras, que são: 'nós devemos garantir a existência de nosso povo para o futuro das crianças brancas'. E uma vez que muitos supremacistas brancos, particularmente aqueles nos Estados Unidos, culparam os judeus pela imigração não-branca para os EUA, a teoria de substituição agora está associada ao anti-semitismo".
Perigosa no campo das ideias, essa narrativa é mortal quando posta no campo das ações. No dia 14 de maio, por exemplo, um atirador de 18 anos abriu fogo em um supermercado localizado num bairro majoritariamente negro, na cidade Buffalo, em Nova York. Dez pessoas morreram no tiroteio, que teve motivação racial confessa. "Precisamos entender que essas teorias são muito perigosas, porque elas vão levar pessoas às ações", completa Emily.
Daí a preocupação da pesquisadora com a repetição desse discurso, direto ou indireto, em plenários e televisões. A especialista conta, por exemplo, que o ex-congressista Steve King, do Partido Republicano, foi ao Twitter em 2017 para apoiar Geert Wilders, um conhecido ativista anti-imigração da Europa. King postou na rede social: "Wilders entende que cultura e demografia são nosso destino. Não podemos restaurar nossa civilização com os bebês de outras pessoas".
Outro exemplo veio no ano seguinte, em 2018, quando a apresentadora Laura Ingram discursou ao vivo na FOX News, em todo país, dizendo: "suas opiniões sobre imigração terão zero impacto e zero influência em uma casa dominada por democratas que querem substituir você".
Muitos casos semelhantes são registrados quase diariamente na grande imprensa estadunidense, e ficaram ainda mais frequentes depois que Donald Trump chegou ao poder com uma narrativa anti-imigratória.
"Essa teoria conspiratória pode ser danosa sobretudo na política, porque fomenta essa discussão contra imigrantes, dizendo que eles estão aqui roubando nossos trabalhos e tomando o nosso lugar em todos os espaços", diz Kaufman, "e eu acho que devemos estar especialmente preocupados com esse tipo de retórica chegando em época de eleições e ser muito cautelosos e nos educar sobre o que podemos fazer para impedir que esses ideais vão para um lugar onde tornam-se parte de nossa política".
Edição: Thales Schmidt