O Instituto Sagres, um dos think tanks (organizações que funcionam como gabinetes estratégicos) que divulgou um Projeto de Nação defendendo a permanência dos militares no poder até 2035, recebeu R$ 170 mil da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em junho de 2021, estatal sob comando do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de aliados do centrão.
A organização, que formalmente é uma empresa chamada Sagres - Política e Gestão Estratégica Aplicadas, recebeu o valor do Executivo em duas ordens de pagamento diferentes, uma de R$ 161,5 mil e outra de R$ 8,5 mil. Vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, chefiado pelo ministro Rogério Marinho, a Codevasf enquadrou o gasto como apoio ao "desenvolvimento sustentável local integrado".
Leia também: General que questiona eleições contratou empresa israelense de ex-chefe de TI de Bolsonaro
No documento que defende a permanência dos militares no poder, divulgado nesta semana, a Sagres se somou ao Instituto General Villas Bôas (IGVB), presidido pelo mesmo militar que ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018 durante julgamento do habeas corpus que daria a liberdade a Lula (PT), e pelo Instituto Federalista. Entre as propostas, estão o fim da obrigatoriedade do Sistema Único de Saúde (SUS) e a cobrança de mensalidades em universidades públicas até 2025.
De acordo com a descrição que consta no Portal da Transparência, a Codevasf repassou a verba ao Instituto Sagres como patrocínio pela realização do Fórum de Desenvolvimento do Semiárido, uma iniciativa em parceria com a Frente Parlamentar Mista em Prol do Semiárido. O evento foi realizado em Mossoró (RN) em dezembro de 2020, com a participação do vice-presidente Hamilton Mourão.
A organização do evento foi delegada ao instituto pelo deputado federal General Girão (PL-SP), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Prol do Semiárido, criada em maio de 2019. O Sagres é presidido pelo general-de-divisão Raul José de Abreu Sturari, reformado em 2003. De fevereiro de 2019 a abril de 2021, ele foi secretário parlamentar na Câmara, justamente no gabinete de Girão.
Sturari é bacharel em Ciências Militares (Infantaria) pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em 1976, um ano antes do presidente Jair Bolsonaro (PL). Além dele, um dos principais articuladores do Projeto de Nação pelo Sagres foi o general-de-divisão Luiz Eduardo Rocha Paiva, formado na graduação em Aplicações Militares (Infantaria) na Aman, em 1973, e reformado em 2007.
Paiva foi ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), a ONG do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da Ditadura. No governo Bolsonaro, foi nomeado membro da Comissão da Anistia, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em 2021, foi autor da nota "Aproxima-se o ponto de ruptura", divulgada pelo Clube Militar após a anulação dos processos de ex-presidente Lula (PT) na Lava Jato.
No site do Fórum de Desenvolvimento do Semiárido, aparecem outros agências, órgãos públicos e empresa públicas como patrocinadores do evento. Entre eles, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Itaipu Binacional. A Codevasf é descrita como "organização" e o Ministério do Desenvolvimento Regional, como "apoio institucional".
O Brasil de Fato questionou a Codevasf sobre o patrocínio ao evento do Instituto Sagres. Até o momento, não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
Longo histórico de verbas públicas: R$ 720 mil em 8 anos
O patrocínio ao Fórum de Desenvolvimento Semiárido 2020 não é a primeira vez que o Sagres recebeu dinheiro do governo federal. Em 2014, a Amazul – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A., empresa pública ligada às Forças Armadas, constituída em 2013 com o objetivo "de absorver atividades do Programa Nuclear da Marinha (PNM)", pagou R$ 445,3 mil ao instituto.
No mesmo ano, a Embrapa pagou R$ 9,6 mil ao Sagres para atividades de "capacitação de servidores públicos federais em processo de qualificação e requalificação". Em 2015, ano seguinte, o Banco Central R$ pagou 49,5 mil por serviços de "projetos corporativos voltados ao aprimoramento da governança, da estrutura e da gestão do Banco Central".
Em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), a Secretaria Especial da Receita Federal do Ministério da Fazenda contratou os serviços do Sagres por R$ 6,3 mil para "capacitação e especialização de recursos humanos".
Em 2019, já no governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura pagou R$ 15,2 mil ao instituto na rubrica orçamentária "ordenamento, monitoramento, controle e fiscalização da atividade pesqueira". Em 2021, foi a vez da Telebrás, ligada ao Ministério das Comunicações, pagar R$ 15 mil ao Sagres, com o gasto enquadrado em "administração da unidade".
Leia a relação completa dos pagamentos:
Edição: Rebeca Cavalcante