A criação do Conselho permite qualificar o debate e promover as melhorias necessárias
Por Janaína Pinto*
A criação do Conselho Gestor Participativo Agroecológico, em março de 2022, composto por organizações da sociedade civil e do poder público, representa um passo importante para potencializar a agricultura familiar e as experiências agroecológicas nos municípios de Esperantina e Buriti, no Tocantins. A vitória da agroecologia local é fruto da iniciativa Agroecologia nos Municípios e aconteceu com a assinatura de dois Protocolos de Intenções de Iniciativa Agroecológica (um para cada município) assinados por entidades do poder público e da sociedade civil organizada.
Através dos documentos, as prefeituras de Esperantina e Buriti se comprometeram a intensificar políticas públicas em prol da agricultura familiar e de experiências agroecológicas locais. Entre as realizações previstas para um período de seis meses, estão o aprimoramento do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico; a implementação de feiras de Economia Solidária; e a realização de intercâmbios entre experiências agroecológicas dos municípios tocantinos.
Os documentos foram celebrados entre as duas prefeituras por meio das respectivas secretarias de Agricultura e Turismo, dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável e dos escritórios locais do Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins – e as organizações da sociedade civil, representadas pela Rede Bico Agroecológico e pela Articulação Tocantinense de Agroecologia, que atuam nos municípios.
"Existe uma carência de informações por parte do poder público que impede a construção de políticas de apoio à agroecologia. A criação do Conselho permite qualificar o debate e promover as melhorias necessárias para o fortalecimento da produção agroecológica", destaca Selma Yuki, coordenadora do projeto Juventude e Agroecologia em Rede, da organização Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO).
Organizações locais e regionais também participaram da construção dos Protocolos: Associação da Escola Família Agrícola do Bico do Papagaio (AEFABIP), Cooperativa de Produção e Comercialização dos Agricultores Familiares Agroextrativistas e Pescadores Artesanais de Esperantina LTDA (COAAF-BICO), Associação de Pequenos Agricultores do P.A. Ouro Verde - Setor Barro Branco, Associação de Agricultores do P.A. Santa Cruz - Setor São Félix, Sindicato Regional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de São Sebastião, Buriti do Tocantins e Esperantina (STTR Regional) e APA-TO.
Sociedade civil e poder público de Buriti (TO) celebram Protocolo de Intenções de Iniciativa de Agroecologia no dia 31 de março de 2022, na Câmara Municipal de Buriti / Foto: APA-TO
A inspiração para o modelo dos documentos vem das Secretarias de Estado do Meio Ambiente e da Agricultura de São Paulo, em conjunto com a Associação de Agricultura Orgânica e o Instituto Kairós. Em 2016, eles assinaram um Protocolo de Transição Agroecológica e de Estímulo à Produção Orgânica, e o ato dá frutos até hoje, orientando o apoio do poder público e da sociedade civil para o fortalecimento da produção agroecológica e orgânica.
As metas do protocolo paulista foram adaptadas aos gargalos da região tocantina do Bico do Papagaio, que quer investir prioritariamente no fomento de agroindústrias. "Nós temos capacidade de produção e precisamos regularizar nosso beneficiamento e comercialização. Para isso acontecer, precisamos do diálogo aberto com o poder público", explica Maria Senhora, presidente do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de São Sebastião, Buriti e Esperantina.
As agroindústrias são parte essencial de uma agricultura familiar forte, elas cuidam do beneficiamento dos produtos e, portanto, geram mais renda para quem vive da terra e do trato de animais. Mas uma agroindústria só pode operar se estiver dentro das exigências sanitárias da legislação brasileira, e quem garante essa conformidade é o poder executivo, seja ele municipal, estadual ou federal. Quando um estabelecimento tem o selo municipal, ele pode produzir e comercializar dentro da cidade. Se a certificação é estadual ou federal, ele pode operar no estado ou na federação, respectivamente. Para quem está começando, o primeiro passo é ir atrás da certificação municipal. Por essa razão, o envolvimento do município é essencial.
Agroindústrias locais de carnes, ovos, leite, pescado, mel e derivados só são possíveis com a implementação do SIM. O serviço é realizado pelas Secretarias Municipais de Agricultura, que é responsável pela inspeção e fiscalização da produção industrial e sanitária de origem animal. "Para nós do governo, ao assinar o Protocolo, nós assinamos um compromisso com a alimentação saudável e as nossas matas", resume Osmar Pedro Vieira da Silva, secretário municipal de agricultura de Esperantina.
Outra potencialidade local diagnosticada e incluída no protocolo é o ICMS Ecológico. O exemplo para essa ideia veio de perto: uma parceria entre mais de 50 aldeias Apinagé, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o município de Tocantinópolis (TO). No norte do estado de Tocantins, diversos projetos e iniciativas agroecológicas têm acontecido a partir de repasses dos recursos do imposto. O ICMS Ecológico é uma política de fomento criada pela Lei Estadual nº 1.323/2002, que beneficia, por meio tributário, ações ambientais. As prefeituras recebem os recursos e executam mediante as demandas da comunidade.
Somadas, essas medidas têm possibilidade de provocar mudanças significativas na vida de produtoras e produtores agroecológicos e orgânicos de Buriti e Esperantina, além de promover mais qualidade de vida para a população como um todo. "A gente da sociedade civil está muito otimista. Precisamos aproveitar essa porta para o diálogo e conquistar corações no [poder] executivo. Então, o Protocolo é um avanço, mas depende de continuar esse trabalho, e estamos abertas a isso", comenta Maria Senhora.
José Felipe Tavares, secretário municipal de agricultura, pecuária e desenvolvimento agrário de Buriti, reforça o intuito da prefeitura: "Queremos implementar técnicas agrícolas que não agridam o meio ambiente, e com essa parceria atendemos e auxiliamos pequenos agricultores a produzir de forma saudável e de qualidade. Nosso próximo passo é nos reunirmos com o Comitê Gestor formado pelo Protocolo e definirmos quais ações vamos iniciar primeiro".
As ações realizadas nos últimos meses em Esperantina e Buriti, que levaram à constituição do Conselho Gestor e à assinatura dos Protocolos de Intenções, estão inseridas no contexto da iniciativa Agroecologia nos Municípios, uma ação coordenada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em todos os estados do país, que estimulou, a partir da sociedade civil, o diálogo com o poder público, visando a criação e o aprimoramento de políticas públicas, programas, projetos, leis e experiências municipais de apoio à agricultura familiar e à segurança alimentar e nutricional e que fortalecem a agroecologia.
*Janaína Pinto é comunicadora popular da Articulação Nacional de Agroecologia
**Clique aqui para saber mais sobre a iniciativa Agroecologia nos Municípios.
***Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.
****Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho