As curadoras Sandra Benites e Clarissa Diniz propuseram nesta quinta-feira (26) ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) a gratuidade no acesso à exposição Histórias Brasileiras, depois que o museu propôs adiar a abertura da mostra e reorganizar o cronograma para incluir o núcleo Retomadas.
Benites e Diniz haviam cancelado o Retomadas em protesto contra a não inclusão das fotos, imagens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da luta indígena. O Masp justificou a ausência dizendo que seus prazos internos para o processamento das fotografias não foram cumpridos.
A proposta e outras cinco foram endereçadas, por meio de uma carta a dirigentes do Masp: o presidente do conselho deliberativo, Alfredo Egydio Setúbal, o diretor presidente, Heitor Martins, e o diretor artístico, Adriano Pedrosa.
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“Sugerimos que, durante o período desta exposição, o Museu possa suspender sua usual cobrança de ingressos como exercício de um dos princípios ético-políticos das Retomadas: a redistribuição dos territórios, capitais e privilégios historicamente concentrados nas mãos das elites”, afirmam as curadoras em nota.
“Se puder interromper a cobrança de ingressos ou, alternativamente, ampliar os dias de gratuidade durante Histórias Brasileiras, ao salvaguardar acesso gratuito a seus espaços, exposições e demais atividades, o Masp certamente reforçará seu compromisso com a democratização, a inclusão e a diversidade.”
As curadoras aceitaram a proposta de retomada do núcleo, que também prevê a inclusão das seis fotografias de André Vilaron, Edgar Kanaykõ Xakriabá e João Zinclar que haviam sido vetadas pelo museu, o que resultou no cancelamento do núcleo. Além do acesso gratuito, Benites e Diniz propõem, inclusive, a aquisição das seis fotografias.
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Benites e Diniz também propuseram mudanças legais que haviam sido estabelecidas em contrato anterior. Segundo as curadoras, o Masp tem os direitos de propriedade intelectual do trabalho realizado até o momento, o que impede a realização do Retomadas em outros lugares, estando inevitavelmente atrelado ao Masp.
Nesse sentido, as curadoras propõem que o Masp não “detenha os direitos autorais patrimoniais referentes ao Retomadas, assegurando que, na condição de suas curadoras, tenhamos nossa propriedade intelectual reconhecida pelo MASP em nossos distratos e/ou contratos”.
Numa segunda proposta, Benites e Diniz pedem que, “reconhecidos os direitos autorais patrimoniais”, o Masp retire qualquer barreira para utilizar, difundir ou modificar o trabalho. “Como esta é uma luta coletiva, não nos interessa submeter as Retomadas às normas de proteção de propriedade intelectual”, defendem.
Clique aqui para ver a nota completa das curadoras e todas as propostas.
Relembre o caso
No começo de maio, o Masp vetou seis fotos da exposição Retomadas, parte da mostra Histórias Brasileiras, prevista para ocorrer em julho. Quatro das fotos retratam momentos de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras duas da luta indígena, de João Zinclar, André Vilaron e Edgar Kanaykõ, respectivamente.
Segundo Sandra Benites e Clarissa Diniz, o Masp alegou que as fotografias não poderiam ser expostas, pois o prazo estipulado para incluir as obras teria sido extrapolado. As curadoras, entretanto, dizem que não foram avisadas pela instituição sobre a data limite. “O Masp nunca mandou para gente o cronograma. A gente achou que estava tudo bem, porque a gente não tinha cronograma”, disse Benites ao Brasil de Fato.
Em nota, as curadoras também reforçaram a inexistência de um prazo. “Reiteramos: nunca nos foi informado um cronograma de Histórias Brasileiras e nunca atrasamos a definição da lista de obras do Retomadas, como alega o MASP, tentando nos imputar uma imagem de incompetência.”
Para elas, a mostra revelou “a urgência de revermos as éticas e políticas coloniais de nossos territórios, línguas, corpos, representações e museus”. Por isso, Benites afirma que o “sistema colonial”, cujos valores ainda seguem presentes nas instituições e normas, é “opressor”.
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Com a negativa às seis imagens, as curadoras decidiram, então cancelar a mostra. "Aceitar a exclusão das imagens das retomadas em nome da permanência do núcleo nos levaria a ser desleais com os sujeitos e movimentos envolvidos na nossa curadoria – contradição que não estamos dispostas a negociar por não concordar com tamanha irresponsabilidade", afirmam as curadoras, em nota. “A gente não podia seguir em frente”, disse Benites.
O MST também se posicionou sobre o caso. Em nota, o movimento disse que “ao inviabilizar a inserção da totalidade desses documentos”, o Masp coloca em prática “a exclusão de um dos maiores movimentos sociais da história contemporânea brasileira e latino-americana".
Eles ainda afirmam que a decisão “aponta para uma construção de conhecimento histórico distorcido e comprometido com uma cultura deturpadora da real complexidade da história política brasileira”.
Por sua vez, o Masp informou à imprensa que recebeu as obras com cerca de três meses de antecedência, sendo que o prazo padrão do Masp é de quatro a seis meses, portanto, depois do prazo que teria sido estipulado.
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"No entanto, o museu conseguiu atender sim um dos pedidos das curadoras, de maneira excepcional, para incluir as obras pertencentes ao acervo do Movimento Sem Terra, um total de sete cartazes e documentos. O que não foi possível incluir foram seis fotografias de três fotógrafos. Embora esse material representasse o eixo central do núcleo, foi entregue ao museu fora do prazo", escreveu a instituição em nota.
Veja a nova nota do Masp na íntegra
"O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand vem a público com um novo posicionamento sobre o cancelamento do núcleo Retomadas, que fazia parte da mostra coletiva Histórias Brasileiras, a ser inaugurada em 1º de julho próximo. A exposição faz parte da série de Histórias, que incluiu Histórias da Sexualidade (2017), Histórias Afro-Atlânticas (2018), Histórias Feministas (2019), entre outras.
O Museu tem refletido muito sobre o atual momento e, como um museu vivo, busca aprender com este episódio, inclusive observando falhas processuais e erros no diálogo com as curadoras Clarissa Diniz e Sandra Benites, responsáveis pelo núcleo Retomadas. A instituição lamenta publicamente o cancelamento do núcleo, tão importante para a exposição, e a saída das curadoras do projeto.
Pretendendo avançar para que episódios semelhantes não se repitam no futuro, estamos abertos a ouvir Benites e Diniz, com a finalidade de aprendermos com essa experiência e aprimorarmos processos e modelos de trabalho.
Nesse sentido, caso as curadoras concordem, propomos adiar a abertura da exposição e reorganizar o seu cronograma para que possamos incluir o núcleo Retomadas na mostra.
Outra medida que estamos propondo é a realização de um seminário público durante a exposição sobre o núcleo Retomadas com a participação das curadoras.
Por fim, iremos propor a incorporação ao acervo do Museu, das 6 fotografias de autoria de André Vilaron, Edgar Kanaykõ Xakriabá e João Zinclar, caso seja do interesse dos artistas, como registro da importância dessas imagens para a história do MASP e reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas curadoras junto ao Movimento Sem Terra—MST.
O MASP está comprometido com a abertura de novos espaços de escuta, na certeza de que o que queremos é um Brasil mais plural, inclusivo e democrático - que só pode ser construído coletivamente, a partir do diálogo aberto, empático e colaborativo.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho