A publicidade na internet é a nova aposta da indústria de produtos que dizem substituir o leite materno para convencer famílias a consumir esses itens. Segundo dados levantados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em algumas nações, 80% das mulheres que foram expostas à propaganda de fórmulas lácteas viram as peças na rede.
O diagnóstico do organismo internacional aponta que as empresas pagam plataformas de mídia social e influenciadoras e influenciadores para chegar diretamente a esse público. Como principais consequências dessa prática, a OMS cita o fortalecimento de mitos sobre o aleitamento materno e os prejuízos à confiança das mulheres na capacidade de amamentação.
Para a organização, a indústria se aproveita de um momento de grande fragilidade das mães e famílias para convencer sobre os supostos benefícios das fórmulas lácteas.
O setor, que movimenta cerca de US$ 55 bilhões por ano (equivalentes a cerca de R$ 262 milhões na cotação atual), tem como alvo principal as grávidas de primeira viagem e investe em conteúdo personalizado de acordo com a região, hábitos alimentares e faixa de renda de quem está recebendo as mensagens. E isso muitas vezes não é reconhecido como publicidade.
Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador da iniciativa Observa Infância da fundação, Cristiano Boccolini aponta o papel da exposição de dados nessa equação.
“Cada vez mais, a indústria de alimentos, fórmulas infantis e dos ditos substitutos do leite materno tem criado mecanismos de inteligência artificial e machine learning (aprendizado das máquinas)”, explica.
Boccolini destaca que o relatório da OMS classifica o fenômeno como global. “Quando você fala que está grávida nas redes sociais ou quando começa a procurar sobre o seu enxoval, isso deixa uma pegada, você vira um alvo dessa indústria. Ela identifica o seu perfil, identifica quais são suas preferências e as redes sociais que você usa e passa a te assediar.”
Aplicativos de mensagens, fóruns e grupos virtuais também estão entre os meios usados nas estratégias de marketing para promover os produtos que dizem substituir a alimentação materna.
A OMS analisou 4 milhões de postagens sobre alimentação infantil. Fabricantes de fórmulas fazem cerca de 90 publicações por dia e atingem 229 milhões de usuárias e usuários. O alcance é três vezes superior ao resultado de conteúdo sobre a amamentação.
Ao comentar os resultados, o Diretor do Departamento de Nutrição e Segurança Alimentar da organização, Francesco Branca, afirmou que a publicidade desse tipo de produto já deveria ter sido encerrada “há décadas”.
Segundo ele, “o fato de as empresas de leite em pó estarem empregando técnicas de marketing ainda mais poderosas e insidiosas para aumentar suas vendas é imperdoável e deve ser interrompido”.
Brasil
Boccolini afirma que o forte incentivo publicitário ao uso de fórmulas artificiais na alimentação de bebês também já chegou ao Brasil, mesmo com leis que visam combater a prática.
“O Brasil tem uma das regulações mais avançadas do mundo para proteger as mães do marketing abusivo de fórmulas infantis, mas essas leis têm sido descumpridas”, alerta o pesquisador.
Ele conta que o país conseguiu avançar muito entre a década de 1980 e o início dos anos 2000. Mas nos últimos vinte anos houve estagnação e o índice de mulheres que conseguem amamentar até os dois anos de idade, recomendação da OMS, não passa de 35%
Boccolini lembra que as vantagens do aleitamento materno são comprovadas há décadas. A alimentação natural é perfeitamente balanceada para as necessidades da criança e se adapta às demandas de cada etapa de desenvolvimento.
Os benefícios aparecem a curto, médio e longo prazo. Mais de 400 substâncias imunológicas são levadas pela amamentação para o organismo dos bebês e a prática impacta até mesmo na inteligência desenvolvida na vida adulta.
Para a saúde emocional, os ganhos são incontáveis, “não há métrica científica nenhuma que consiga mensurar o quanto há benefícios nessas ligações emocionais que são feitas nesse momento da amamentação”, finaliza o pesquisador.
Edição: Felipe Mendes