A Acelen, empresa que comprou da Petrobras a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), em São Francisco do Conde (BA), descumpriu sua promessa e não retomou o abastecimento de navios que passam pelo Porto de Salvador.
O fornecimento de óleo combustível a embarcações parou em 1º de dezembro, quando a Petrobras repassou à companhia privada o controle da Rlam, agora chamada de Refinaria de Mataripe. O fato gerou queixas de oficiais da Marinha Mercante e uma denúncia do Sindicato das Agências de Navegação do Estado da Bahia (Sindinave) à Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O Brasil de Fato tratou das reclamações em reportagem em fevereiro. Na época, a Acelen informou que empenhava todos seus esforços para retomar o serviço até o fim de março.
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Dias depois da reportagem, ainda em fevereiro, Acelen chegou a divulgar uma nota pública informando que, no dia 21 daquele mês, o abastecimento havia sido retomado. Segundo a empresa, na época, a operação era feita apenas por meio de barcaças, as quais retirariam o combustível de um terminal administrado pela Acelen e o levariam a navios.
Acontece que, segundo Gonzalo Jorrín, diretor-executivo do Sindinave, isso nunca ocorreu. “Não é verdade [que o abastecimento foi retomado]. Não houve nenhuma novidade sobre isso”, afirmou Jorrín.
O Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro) e trabalhadores do próprio terminal da Acelen, o Terminal de Madre de Deus (Temadre), também negaram o abastecimento. “Já ouvi no terminal pessoas dizendo que irá voltar. Mas até então não apresentaram data nem nada que leve a crer que estão trabalhando nisso”, relatou um trabalhador do Temadre, o qual não quis se identificar.
A própria ANP também indica que o reabastecimento não foi restabelecido. Segundo a agência, a Acelen já se comprometeu “a solucionar todas as questões e retomar o fornecimento em situação semelhante à que ocorria anteriormente, com prioridade e no menor tempo possível”. Faltariam agora questões burocráticas para solucionar a questão.
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Transtorno e prejuízo
De acordo com o Sindinave, cerca de 220 embarcações passam pelo Porto de Salvador por mês. Cerca de 40 aproveitavam a parada ali para abastecer até a privatização da Rlam.
A refinaria produzia o óleo combustível para navios e o enviava por dutos até o Temadre, o qual era administrado pela Transpetro. De lá, seguia para os navios por barcaças ou por abastecimento direto.
A Rlam, junto com os dutos e o próprio Temadre, foi comprada pelo Mudabala Capital em março do ano passado por US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 8,25 bilhões à época). Desde então, a transferência da administração de todas essas estruturas passou a ser discutida entre a Petrobras e a Acelen.
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A Acelen é quem controla tudo isso atualmente. Funcionários da Petrobras, no entanto, ainda trabalham na refinaria e no Temadre numa transição.
Mesmo com essa integração, a Acelen declarou que não conseguiu continuar abastecendo navios como a estatal fazia. “Os ativos logísticos necessários para a comercialização do Bunker Oil [óleo combustível] ao mercado local não fizeram parte da compra da refinaria”, justificou, na época da interrupção do serviço.
“Os navios agora têm que abastecer em outros portos”, reclamou Jorrín, do Sindinave. “A programação das viagens precisa mudar para levar em conta a falta do abastecimento no Porto de Salvador.”
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Exportações a todo vapor
Mesmo sem fornecer combustível aos navios, a Acelen continua produzindo óleo combustível na antiga Rlam. De acordo com a ANP, aliás, a produção desse combustível é maior do que na época da Petrobras.
Em janeiro de 2022, já durante a gestão Acelen, o crescimento foi de 1,4% na comparação com janeiro de 2021, na época da estatal. Em março de 2021 contra março de 2022, o crescimento foi ainda maior: 14,7%.
Quem trabalha no Temadre, contudo, diz que essa produção é destinada à exportação. “O combustível que carregamos no terminal vai para grandes embarcações, sendo maioria para exportação”, disse um trabalhador.
Deyvid Bacelar, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA), já havia alertado ainda em fevereiro que a falta de abastecimento de navios na Bahia era uma decisão empresarial da Acelen.
“Houve desabastecimento de navios porque o produto [óleo combustível] foi destinado para exportação”, disse Bacelar, na época.
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A Acelen mantém em seu site informações sobre o abastecimento de navios. Segundo a página, ele ocorre após agendamento com dois dias de antecedência e se dá no sistema “ex-wharf”, ou seja, o cliente é responsável por tirar o combustível do Temadre em barcaças para que possa levá-lo até um navio.
A informação do site condiz com a nota pública emitida pela Acelen em fevereiro. Procurada desde a segunda-feira (23) a empresa comentou nesta sexta (27) que " o contrato foi assinado com o distribuidor que ficará responsável pela operação do bunker oil. A operação está prevista para iniciar no mês que vem".
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Privatização contestada
A venda da Rlam por US$ 1,65 bilhão foi contestada pois, segundo o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), ela valia pelo menos o dobro disso.
A antiga Rlam é a primeira refinaria nacional, tendo sido criada em 1950, antes mesmo da fundação da Petrobras, em 1953.
A planta é capaz de produzir mais de 30 produtos diferentes, incluindo gasolina, diesel, lubrificantes e querosene de aviação. Também é produtora nacional de uma parafina usada na indústria de chocolates e chicletes.
Desde que foi privatizada, passou a vender combustível mais caro que a Petrobras. Aproveitando-se da falta de concorrência na Bahia, a Acelen inclusive já vendeu gasolina e diesel mais caros em território baiano do que em outros estados, mesmo nos casos em que a empresa pagava para transportar o combustível para fora da Bahia.
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Mais privatizações
A venda da Rlam faz parte do programa de desinvestimentos da Petrobras. Das 14 refinarias que a estatal tinha, oito foram postas à venda nesse programa, sendo que quatro foram oficialmente vendidas. A Rlam foi a primeira cuja administração já foi transferida da estatal à iniciativa privada.
Oficialmente, a intenção do governo federal é vender as refinarias da Petrobras a outras companhias para que elas passem a concorrer com a estatal. Isso, para o governo, tenderia a reduzir os preços de derivados de petróleo no Brasil.
Nesta semana, por exemplo, a Petrobras assinou o contrato de venda da Refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Fortaleza (CE). A FUP recorreu à Justiça para tentar reverter o negócio.
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Edição: Rodrigo Durão Coelho