'Lado obscuro'

Bolsonaro, Marielle e a fala de Lula

Brasil de Fato e diversos veículos já mostraram relações de integrantes da família presidencial com grupos milicianos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Família Bolsonro tem histórico de relações com milicianos - Sérgio Lima/AFP

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre a relação de "gente" de Jair Bolsonaro com o assassinato da vereadora do Psol do Rio de Janeiro Marielle Franco, em um discurso feito em Porto Alegre na noite desta quarta-feira (1º)

"Quando a gente não pode se aproximar do governante. Quando o governante tem um lado obscuro. Porque a gente não sabe a qualidade de todos os milicianos dele. O que a gente sabe é que gente dele não tem pudor de ter matado a Marielle", disse Lula.

A fala causou reação entre apoiadores de Bolsonaro. O atual presidente negou em diversas ocasiões que tenha ligação com milicianos. "Sou ex-capitão do Exército brasileiro e muitos policiais militares do Rio de Janeiro são bons amigos meus. Por coincidência um desses supostos assassinos de Marielle morava do lado oposto da minha rua", afirmou, em entrevista à emissora Fox News, em março de 2019.

Contudo, as mortes da Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, assassinatos que seguem sem resolução mais de quatro anos após o ocorrido, além de ter entre os suspeitos detidos o ex-policial militar Ronnie Lessa, que mora no mesmo condomínio residencial do presidente da República, o Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, têm outros elementos que ligam milicianos a pessoas próximas à família do presidente.

Relações perigosas

"Em algum momento da investigação foi identificado telefonemas entre as duas casas, da família Bolsonaro pro Ronnie Lessa. Tentaram entender o que era. Alguém alegou que seria a conversa entre os filhos das famílias, que teriam tido um caso, um namoro, alguma coisa assim, mas depois o Ronnie Lessa negou isso e disse que a filha dele estava viajando para os Estados Unidos nessa época", lembrou o jornalista Bruno Paes Manso, também pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e autor do livro A República das Milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, em entrevista ao Brasil de Fato realizada em novembro do ano passado

::Leia também: “Ligação entre Bolsonaro e milícias é ideológica”, mostra livro de Bruno Paes Manso:: 

A pesquisa do jornalista aborda as raízes da formação dos grupos paramilitares que atuam no Rio de Janeiro desde o final dos anos 1990 e começo dos 2000 na comunidade de Rio das Pedras, zona oeste fluminense. Foi de lá que saíram personagens que fazem ou fizeram parte do entorno do presidente, como Fabrício Queiroz, funcionário de Flávio Bolsonaro ligado ao esquema de rachadinhas do gabinete do então deputado estadual, além de Adriano da Nóbrega, ex-policial do Bope (Batalhão de Operações Especiais) do Rio de Janeiro, morto em 2019 na Bahia. “Não faltam provas da ligação estreita da família com um dos maiores bandidos da história do Rio", apontou Paes Manso, em referência a Adriano. 

Em entrevista à revista Veja, em março, Ronnie Lessa atribuiu a Adriano da Nóbrega e a seu grupo miliciano, o Escritório do Crime, a execução do ataque contra Marielle. Gravações obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo e divulgadas em abril, com origem em escutas telefônicas realizadas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, mostraram a irmã de Adriano afirmando que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) teria oferecido cargos comissionados no Palácio do Planalto pela morte do ex-capitão do Bope.

Na ocasião em que foram divulgados os áudios, Bolsonaro comentou a respeito em sua live semanal e surpreendeu ao trazer o caso de Marielle à mesa, sendo que não havia menção ao crime nas conversas captadas, dizendo que não tinha “motivo nenhum” para ser acusado como mandante do crime. “Alguém me aponte um motivo que eu poderia ter para matar Marielle Franco. Motivo nenhum, zero, não dá nem para discutir mais. Os áudios dela, pelo que tomei conhecimento, ela se equivocou: em vez de falar Palácio das Laranjeiras, falou Palácio do Planalto”, declarou então.

Em março, quando se completaram quatro anos das mortes de Marielle e Anderson, o Brasil de Fato também publicou matéria mostrando a teia de relações entre a milícia e a família presidencial. Antes, em 2020, reportagem apontava fatos que ligavam a família Bolsonaro a milicianos. Outros veículos, como o The Intercept, em 2019, e o Congresso em Foco, no mesmo ano, trouxeram reportagens sobre a proximidade de familiares do presidente e milicianos.

 

Edição: Glauco Faria