PRÉ-CAMPANHA

Em Porto Alegre, posicionamentos fortes e emoção marcam encontro da cultura com Lula

Ex-presidente Lula afirmou que não só recriará o Ministério da Cultura, mas também comitês culturais em todo o país

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Trabalhadores e trabalhadoras da Cultura de Porto Alegre e região Metropolitana se reuniram com Lula nesta quinta-feira (2) - Foto: Ricardo Stuckert

O último evento da agenda de dois dias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Porto Alegre (RS) reuniu centenas de trabalhadores da Cultura na tarde desta quinta-feira (2), no Hotel Plaza São Rafael.

Com falas fortes e emocionadas, o diretor de cinema Jorge Furtado, a carnavalesca Kelly Ramos, o escritor Jefferson Tenório, o músico Hique Gomes, a atriz Deborah Finocchiaro e os representantes do Hip Hop Tamborero e Miguelcéia foram os oradores. O encontro foi aberto com performances da atriz Juçara Gaspar e dos Poetas Vivxs.


Com versos fortes, retratando a vida do povo preto nas comunidades, Poetas Vivxs se apresentaram no encontro / Foto: Ricardo Stuckert

Lula afirmou que o estado brasileiro tem uma riqueza cultural excepcional que, muitas vezes, o Brasil não conhece. “Nós temos a obrigação de fazer uma grande conferência nacional para discutir a cultura nesse país. Não vamos apenas recriar o Ministério da Cultura. Vamos criar comitês culturais em todos os estados do Brasil para que possamos democratizar o acesso à cultura.” Também reassumiu o compromisso de dar atenção e protagonismo ao setor num eventual novo governo.

“Hoje estou convencido de que a questão cultural não é fazer favor a nenhuma categoria de artista. A questão cultural é uma necessidade política, econômica e cultural e uma questão de democracia do nosso país. Vocês não podem ser vistos como pessoas que de vez em quando vão procurar a Lei Rouanet. Isso não é favor, é obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura”, disse.

Ele lembrou de parte do legado dos governos petistas, como os pontos de cultura – “pequena revolução nos lugares mais longínquos do país” – e o vale cultura, destacando a importância do setor para a economia com movimentação de recursos e geração de empregos.

Segundo Lula, os governos dele e de Dilma Rousseff, também presente no encontro, fizeram tudo o que podiam fazer, com políticas acima do padrão feito para o setor desde a Proclamação da República, mas que não fizeram tudo. A ideia de voltar, contou, é para tentar fazer o que ainda não foi feito e um pouco mais do que já foi.


"É obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura”, disse Lula / Foto: Ricardo Stuckert

Diversidade cultural

O ex-presidente defendeu que os meios de comunicação tenham programação local e deem visibilidade a manifestações culturais de todo o país e não se concentrem apenas na tradição do eixo Rio-São Paulo. Lula citou, especificamente, o frevo e o Maracatu, de Pernambuco, o carimbó, do Pará, e a riqueza cultural do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Em todo estado tem uma riqueza cultural excepcional, mas o povo não conhece.”

Aos artistas, Lula disse que está assumindo o compromisso mais sério de sua vida com a cultura brasileira e que está convencido de que tudo será melhor se as pessoas estiverem arejadas culturalmente. Ele afirmou ser preciso criar condições para que todas as artes tenham chance de se manifestar e que as pessoas precisam apenas saber, assistir, começar a ouvir para gostar.

“Vi um concerto de violinos na Áustria e fiquei levitando. Dá uma chance a um peão como eu e ele fica levitando com um concerto de violino, imagina dar ao povo brasileiro o direito de ver todas as artes”, disse.

Desmonte do setor cultural

Na cerimônia, com performances e até apresentação pelo músico Lico Silveira da canção “Sujeito de sorte”, de Belchior, regravada recentemente por Emicida e com o trecho “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, representantes do setor denunciaram o desmonte da Cultura.


O diretor Jorge Furtado se emocionou ao falar da situação do país, citando a morte em uma câmara de gás improvisada de Genivaldo Jesus dos Santos / Foto: Ricardo Stuckert

O diretor Jorge Furtado, que entre muitos clássicos do cinema brasileiro dirigiu “Ilha das Flores”, curta metragem citado por Lula no encontro, lembrou da importância da cultura para a economia e disse ter convicção de que o Congresso Nacional vai derrubar o “veto mesquinho e cruel” do presidente Jair Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, “vitais para sobrevivência de milhares de artistas”.

“Estar aqui para defender a cultura e tudo o que ela representa já seria um ótimo motivo, mas o que nos une é bem mais do que isso. Nós, trabalhadores da cultura, não queremos viver num país onde a fome ameaça 36% das famílias, onde o governo acha que armas nas mãos das pessoas são respostas para acabar com a violência, num país onde o governo louva a morte, despreza a ciência e tem o único governante não vacinado do planeta, um péssimo exemplo que, certamente, causou muito sofrimento e muitas mortes. Não queremos viver num país onde a polícia truculenta e racista tortura e mata jovens negros todos os dias”, disse emocionado.

Furtado afirmou estar contando os dias para o fim do pesadelo que é o atual governo. “Está acabando. Se trabalharmos juntos, vamos acordar num país onde é possível sonhar. Nós da cultura vamos estar juntos na construção desse sonho. Quem vê esperança no horizonte lembra das palavras de Elza Soares: 'Eu preciso encontrar um país onde ser solidário seja um ato gentil, eu prometo encontrar, esse país vai se chamar Brasil'”.

“Carnaval não é só peito e bunda, é pão na mesa das famílias”

A carnavalesca Kelly Ramos representou as escolas de samba e destacou a dificuldade enfrentada pelo Carnaval atualmente. “Nossas escolas são a maioria das comunidades, nós desenvolvemos um trabalho social, cultural, ajudamos muitas famílias. Carnaval não é, me desculpem as palavras, peito e bunda, Carnaval é pão na mesa de muitas famílias”, destacou. Ela defendeu a necessidade de recuperar o Programa Nacional da Cadeia Produtiva, realizado pelo Pedro Santos, da Fundação Palmares, no governo da presidenta Dilma, e “que infelizmente, nós do Carnaval sofremos o golpe junto com a presidenta porque nós perdemos o programa quando tiraram a nossa presidenta do governo”.


Representantes do Hip Hop entregaram uma carta com propostas para o programa do Lula: Nós queremos ter um conselho político das periferias e favelas do Brasil / Foto: Ricardo Stuckert

O Hip Hop do RS também levou seu recado, através das vozes do Tamborero e da Miguelcéia. “Nós do Hip Hop somos condenados a um crime que não cometemos, um crime que mata nossos irmãos e irmãs pretas todos os dias. E estamos aqui porque acreditamos muito no senhor e no que o senhor já fez pelo nosso país. Nós viemos aqui trazer uma proposta pra sua campanha, nós queremos ter um conselho político das periferias e favelas do Brasil. Chama o Mano Brown, chama o Emicida, chama o Hip Hop do Brasil inteiro, pois nós estamos muito conectados. Nós estamos com nossos pés nas comunidades, mas também queremos ter o pé no centro da política brasileira”, destacou Tamborero.

“Precisamos empretecer nossos saberes”

Autor do aclamado “O avesso da pele”, com o qual ganhou o prêmio Jabuti, Jefferson Tenório disse que o Estado fascista que é o Brasil hoje quer silenciar as vozes dos artistas, mas não vai conseguir. O escritor contou que foi o primeiro formando negro por cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


"Penso que a gente não tem que discutir se deve ou não ter cotas. A gente tem que discutir é a ampliação das cotas”, afirmou Tenório / Foto: Ricardo Stuckert

“Vivemos, infelizmente, nesse Estado fascista que tenta silenciar nossas vozes, mas não vai conseguir. Sempre que me perguntam por que hoje em dia a gente consegue ver escritores negros com visibilidade. Tem um fator muito importante que foi a entrada de pessoas negras na universidade. Eu digo com muito orgulho, que eu sou o primeiro cotista negro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a se formar, e penso que a gente não tem que discutir se deve ou não ter cotas. A gente tem que discutir é a ampliação das cotas”, afirmou, defendendo que a história do Brasil, que foi silenciada, precisa ser conhecida e escrita. “Precisamos empretecer nosso conhecer, nossa escrita, nossos saberes.”

A atriz Deborah Finocchiaro ressaltou a arte do teatro, como uma arte viva que não é feita para mas com as pessoas, e toda a dificuldade que foi manter o teatro vivo durante a pandemia. “Nós precisamos ter uma lei que garanta o nosso ofício, não podemos ficar à mercê de governos. A arte e o teatro são grandes caminhos de questionamento. E precisa estar dentro da formação de crianças. O teatro é o único espaço em que podemos ser ridículos sem medo, um espaço de autopercepção e precisamos de condições para desenvolver nosso trabalho, envolvendo também o interior dos estados.”


A atriz Deborah Finocchiaro defendeu a valorização do teatro e da arte como espaços de questionamento e conhecimento / Foto: Ricardo Stuckert

Representando os músicos, Hique Gomes iniciou falando que o setor criativo é muito lucrativo. “A gente não tem costume de falar de economia e não se reconhece como um setor da economia. Nós geramos mais de R$ 50 bilhões de impostos. Talvez isso seja mais que a indústria automobilística. Então, nós temos direito a tudo que nós devemos ter, a todas as estruturas de escolas, a todos os ensinamentos de arte. Porque essas pessoas que hoje nos tiram isso, elas mandam os filhos pra Broadway. Pensando que lá é que é, e aqui nunca vai ser”, afirmou. Também falou sobre a importância do Carnaval, “onde são ditas todas as verdades que ninguém tem coragem de dizer”. Hique finalizou afirmando que é necessário valorizar a natureza humana e permitir que sejamos o que realmente somos.

Confira a transmissão ao vivo

 
Ao vivo 02/06 | Lula em Porto Alegre/RS

Salão do Plaza São Rafael está lotado para agenda da Cultura com o presidente Lula. A atriz Juçara Gaspar abre a atividade com um monólogo.

Posted by Brasil de Fato RS on Thursday, June 2, 2022

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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira