Pesquisadores, ONGs e ambientalistas do Brasil e do mundo são praticamente unânimes ao afirmar que a política ambiental brasileira está no fundo do poço. Em três anos e meio do governo de Jair Bolsonaro (PL), os indicadores de desmatamento nos biomas disparam, a fiscalização ambiental foi enfraquecida e as populações tradicionais que habitam os biomas foram empurradas para a mira de criminosos ambientais.
A devastação ambiental produz alterações climáticas bem longe de onde a devastação acontece. “Ninguém foge, por exemplo, de uma seca no Nordeste, dirigindo uma BMW. A gente não vê mansões sendo arrastadas pelas águas da chuva. Normalmente são as casas de pessoas que batalharam muito para conseguir aquele teto, com muito suor”, exemplifica o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
Em entrevista o Brasil de Fato, o porta-voz da entidade que reúne mais de 60 organizações socioambientais de todo o país afirmou que é possível reverter os danos, caso o governo Bolsonaro seja substituído pelas urnas em 2023. A medida mais urgente é retomar a demarcação de terras indígenas e expulsar garimpeiros, invasores e grileiros que se apossaram dos territórios, estimulados pelo governo federal.
:: Com Bolsonaro, política ambiental chegou ao "fundo do poço", diz ex-presidente do Ibama ::
“A gente não pode confundir governo com o país. O governo está aí, é um erro e precisa ser corrigido. Nós precisamos retomar o país e colocar ele nos trilhos de novo para fazer aquilo que o país tem vocação de ser, que é uma liderança global”, aponta Astrini.
Ainda neste ano, a maior ameaça identificada pelo Observatório do Clima é o conjunto de leis antiambientais que tramita no Congresso, apelidado de “Pacote da Destruição”. Entre elas, estão a restrição a demarcação de novas terras indígenas, a flexibilização do licenciamento ambiental, a anistia à grilagem, a autorização ao garimpo em áreas protegidas e o chamado “Pacote do Veneno”, que libera o uso de agrotóxicos perigosos à saúde humana.
“Para falar da importância de cuidar do meio ambiente, eu faço uma relação com o que a gente viveu na pandemia. A gente vê que o problema de saúde pode atingir a todo o mundo, mas ele especificamente vai trazer mais prejuízo para aquela população que já é mais pobre e mais castigada”, exemplifica o secretário-executivo do Observatório do Clima
Brasil de Fato: Em que medida o governo Bolsonaro é responsável pelos retrocessos ambientais vividos pelo Brasil?
Marcio Astrini: Os retrocessos que a gente vive no Brasil hoje são todos os possíveis. Vamos imaginar que houvesse um governo cujo objetivo fosse reverter a proteção ambiental no Brasil. Fosse destruir tudo o que a gente construiu e que, inclusive, foi elogiado em vários momentos mundo afora, de proteção do meio ambiente, de colaboração para resolver o problema de clima.
Esse governo existe e esse projeto está em prática. Esse governo é o governo Bolsonaro, e esse projeto que a gente está vivendo hoje. Absolutamente todos os números da área ambiental são negativos e pioraram. Cresceu o desmatamento na Amazônia em 76%, cresceu o desmatamento no Cerrado em 17%, cresceu, só no último ano, em mais de 60% o desmatamento da Mata Atlântica. Nós assistimos a incêndios criminosos que devastaram o Pantanal.
:: Queimadas no Pantanal, Amazônia e Cerrado já são maiores que em 2021 ::
O governo Bolsonaro diminuiu a aplicação de multas, perseguiu fiscais do Ibama e congelou o fundo Amazônia. É um governo que faz diariamente um discurso contra a floresta e a favor do crime ambiental. Nós temos hoje um governo que é o maior parceiro do crime ambiental e das fontes poluidoras do planeta que causam o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Nós temos na presidência do Brasil um exemplo do que o mundo não precisa na área de meio ambiente e também em várias outras áreas: democracia, direitos humanos, cuidado com a população, saúde, emprego e tantas outras mais.
Se tivermos um novo governo a partir de 2023, será possível interromper o curso da tragédia ambiental brasileira?
Sim, primeiro porque o Brasil é muito maior do que o Bolsonaro. A gente não pode confundir governo com o país. O governo está aí, é um erro e precisa ser corrigido. Nós precisamos retomar o país e colocar ele nos trilhos de novo para fazer aquilo que o país tem vocação de ser, que é uma liderança global.
Para fazer isso, nós temos três etapas fundamentais. A primeira é não deixar, ainda esse ano, o governo Bolsonaro aprovar o pacote de retrocessos que está dentro do Congresso. Esse pacote, se aprovado, vai eternizar a política antiambiental do governo. A segunda coisa é a gente varrer Bolsonaro das urnas e não permitir com que esse governo seja reeleito, para o bem do país e da humanidade. E a terceira, depois de desfazer Bolsonaro nas urnas, é desfazer o Bolsonaro na prática da vida pública e política do país, passando uma borracha em tudo aquilo que ele criou de legislações antiambientais e colocando coisas modernas no seu lugar.
Para isso, o Observatório do Clima, que reúne 63 organizações e centenas de especialistas, escreveu uma espécie de manual composto de propostas para dois períodos específicos para os dois primeiros anos do próximo governo. São mais de 70 propostas, além de outro bloco de 63 propostas de urgência urgentíssima para os 100 primeiros dias, que é para a gente dar uma guinada total nessa política cruel do governo Bolsonaro, começando, em primeiro lugar, por cuidar dos indígenas no Brasil.
Hoje os indígenas são penalizados por proteger o meio ambiente. Eles são vítimas de uma política de genocídio do governo federal. Inclusive, genocídio é a palavra utilizada pelos próprios indígenas no Tribunal Penal Internacional para se referir ao Bolsonaro. Então é preciso resolver primeiro a questão dessas populações que estão morrendo na mão desse governo. E depois adotar uma série de políticas para reverter o desmatamento e o estado cruel implementado pelo regime Bolsonaro para a área de Meio Ambiente.
Outra medida urgente é reverter a grilagem de terras. É urgente, porque essa prática virou um setor em que o crime ambiental vem investindo muito. Junto com a grilagem, vem o desmatamento e também a violência contra as populações mais pobres e comunidades que estão fragilizadas em áreas que são invadidas por esses criminosos.
A gente precisa retomar o plano de combate ao desmatamento no Brasil e o Fundo Amazônia, que são R$ 3 bilhões que estão parados, depositados no BNDES, e que nós poderíamos estar usando exatamente para fazer essas políticas de melhoria ambiental e social no nosso país.
E a gente precisa retomar as demarcações de terras indígenas. Nós podemos reverter, por exemplo, medidas que estão colocadas na privatização da Eletrobras que condenam o brasileiro a pagar mais pela sua conta de luz, investindo esse dinheiro a mais que vai ser pago na conta na construção de fontes poluidoras para o país. Quer dizer, é um prejuízo duplo. Nós vamos colocar mais poluição no ar, aumentar as emissões de carbono brasileiras, contribuir negativamente para a questão do clima e vamos ainda pagar mais caro na conta de luz.
Precisamos dar um “choque” nessa situação criada pelo Bolsonaro. Reverter esse quadro da forma mais imediata possível, até para que o Brasil recupere credibilidade Internacional e possa captar ajuda de outros países para desfazer o buraco em que o Bolsonaro nos meteu.
Por que as populações urbanas devem se preocupar com as mudanças climáticas?
Para falar da importância de cuidar do meio ambiente, eu faço uma relação com o que a gente viveu na pandemia. A gente vê que o problema de saúde pode atingir a todo o mundo, mas ele especificamente vai trazer mais prejuízo para aquela população que já é mais pobre e mais castigada.
Todo mundo pode pegar a covid, mas a situação é muito pior para quem não tem acesso a saneamento básico, ao sistema de saúde, nem a alimentação e moradia adequadas. A pessoa nessa situação vai ter o mesmo vírus que outro com melhores condições de vida. Mas a pessoa que está desassistida pode ser uma vítima fatal desse vírus, enquanto o outro, que tem mais recursos, será melhor cuidado e pode se salvar.
Com o meio ambiente é exatamente a mesma coisa. Com um clima mais agressivo, a gente começa a assistir fenômenos que atingem muito mais as populações mais pobres. São deslizamentos, enchentes, como já vimos no interior de Minas Gerais, no sul da Bahia, em Recife e em Petrópolis
Ninguém foge, por exemplo, de uma seca no Nordeste, dirigindo uma BMW. A gente não vê mansões sendo arrastadas pelas águas da chuva. Normalmente são as casas de pessoas que batalharam muito para conseguir aquele teto, com muito suor. E infelizmente veem seus sonhos sendo arrastados por uma condição climática extrema que a gente está vendo com cada vez mais frequência.
Portanto, cuidar do meio ambiente é garantir que essas pessoas que já sofrem tenham o seu sofrimento ainda mais agravado. A mudança climática é uma fábrica de produzir pobreza e desigualdade social. Quando a gente fala em manter o clima equilibrado, a gente fala, principalmente, com o objetivo de garantir que essas pessoas, que já são injustiçadas, não sofram ainda mais.
Edição: Rodrigo Durão Coelho