Recife e toda Região Metropolitana (RMR) vivem dias de muito luto e tristeza. Mais de 120 pessoas morreram em deslizamentos e enxurradas. Outras milhares perderam suas casas. A chuva dos últimos dias é um fenômeno natural, mas o efeito de devastação é social e político.
A chuva atinge a cidade não somente como uma precipitação. Ela desmascara problemas que acentuam as disparidades sociais entre os bairros de classe média - com esgoto, água encanada e rua calçada - e a periferia urbana - os morros, as palafitas, as ruas de terra.
:: Deslizamentos em Pernambuco: "Existem planejamentos, mas eles são excludentes", diz geógrafo ::
Sofrem com as chuvas, mas não só por causa delas, as áreas ocupadas pela população que não tem dinheiro para pagar aluguel; famílias, que, muitas vezes, migraram do campo para a cidade fugindo da fome, da miséria, do trabalho parcialmente remunerado e da violência do coronelismo.
Em que pese as especificidades históricas de cada comunidade, a ocupação urbana da RMR foi totalmente desordenada de qualquer política pública. Somente depois, por pressão popular, o Estado se insere no território, ainda que de maneira residual. As políticas urbanas são direcionadas aos grandes investimentos do capital imobiliário. A cada mega investimento imobiliário, há um vultuoso investimento público por trás, fornecendo a infraestrutura necessária para que a especulação imobiliária possa enriquecer um punhado de famílias em Pernambuco.
Leia: Em meio às chuvas em Pernambuco, solidariedade entre a população ganha força
Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU, Recife é a 16ª cidade mais ameaçada pelas mudanças do clima em todo o planeta. O que está sendo feito para que, nos próximos anos, outras 100, 200, 300 vidas não sejam perdidas? Por aqui, enquanto as construtoras enriquecem, as obras de terraplenagem, de drenagem e de contenção, que poderiam evitar tragédias como essa, são deixadas em segundo plano. Até mesmo o recurso para monitoramento e alerta de risco em períodos de chuva vem gradativamente sendo diminuído, deixando as áreas de morro à completa revelia.
Por trás dessa tragédia há um problema que é central na história do Brasil, que é a questão da terra. Nós do MST nascemos na luta pela reforma agrária, mas somos agentes do povo. O problema da terra urbana é muito parecido com o problema da terra no campo. No final das contas, o determinante é a desigualdade fundiária e a exclusão do povo brasileiro ao direito à terra. Enquanto não conseguirmos resolver esse problema central no nosso país, seremos sempre uma sociedade profundamente desigual.
Por isso que, além da reforma agrária, a reforma urbana é extremamente necessária no Brasil. Se fizermos o recorte do nosso estado, torna-se mais urgente ainda. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional para a RMR, entre 2016 e 2019, era de 112.250. Em Pernambuco, o número chega a 242.377. De lá para cá, e com as tragédias destas últimas semanas, a que número chegamos?
A grande questão é: não faltam moradias. Temos teto suficiente para a nossa população. Mas, é de interesse da gestão pública dar moradia digna a essas pessoas em situação de vulnerabilidade? Em 2019, Recife foi a capital mais desigual do País. Aos bolsos de quem essa desigualdade serve?
Saiba mais: Chuvas em PE: Adolescente de 13 anos morre em deslizamento; número de óbitos sobe para 129
Enquanto essas questões são pautadas em nossa luta e na cobrança diária a quem nos administra e governa, seguimos, campo e cidade, com a solidariedade. Para que a tragédia não seja ainda maior, nós, do MST e da Campanha Mãos Solidárias, somamos esforços e três novas Cozinhas Populares Solidárias foram criadas para atender a demanda dos territórios onde fazemos trabalho de base. São centenas com fome, sem casa, sem amparo. É muito, mas não é suficiente.
Fazemos pela urgência, entendendo que é dever do Estado garantir casa, comida, segurança e saúde para essas milhares de pessoas. Devemos cobrar de todos nossos governantes soluções estruturais para a moradia e políticas públicas nas cidades. E sim, a reforma agrária também é parte da solução desses problemas urbanos. Somente resolvendo a questão da terra no campo e da moradia na cidade que podemos construir um país justo e soberano. Reforma agrária e urbana já!
*Rosa Amorim é militante, nascida e criada nas fileiras do MST em Pernambuco, dirigente do Levante Popular da Juventude e Diretora de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
***Leia mais textos como este na coluna de Rosa Amorim, do Brasil de Fato PE.
Edição: Elen Carvalho