Segue a boiada

Bancada ruralista aumenta pressão para afrouxar regras ambientais, relata Jaques Wagner

Comissão de Meio Ambiente, presidida pelo senador baiano, tem sido ignorada em discussões sobre temas ligados a ela

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Ambientalistas temem que agenda do agronegócio avance a toque de caixa este ano - Mauro Pimentel/AFP

O sinal de alerta está aceso para ambientalistas e parlamentares de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PL). Isso porque a bancada ruralista está tentando aproveitar o último ano da gestão para aprovar projetos que afrouxam as regras ambientais. Diversas propostas que estavam adormecidas há anos foram colocadas em tramitação acelerada nas últimas semanas, ignorando a Comissão de Meio Ambiente, presidida pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), que denuncia as manobras.

A voracidade para aprovar medidas governistas e de representantes do agronegócio na Câmara dos Deputados também tem se espalhado para o Senado, onde a oposição até então conseguia barrar ou controlar melhor as pautas. O próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), firmou compromisso com um grupo de personalidades e artistas liderados por Caetano Veloso, durante evento em Brasília no dia 9 de março.

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“Nós vamos ter a cautela, de cada um desses cinco projetos que foram aqui tratados nesse documento que recebi, de terem a destinação, o zelo, o cuidado, a tramitação digna e proporcional da importância que eles representam”, disse Pacheco na ocasião, embora tenha sido dúbio quando mencionou a importância de “incentivar” o agronegócio.

Três meses depois, as palavras parecem ter perdido força. No Senado, tramitam nas últimas semanas diversas propostas sem amplo debate público e sem seguir todos os ritos e precauções, embora consideradas menos impactantes que as mencionadas pelos artistas no “pacote de destruição”: os projetos de lei que autorizam mineração em terra indígena, o da grilagem e o do desmonte do licenciamento ambiental. 

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Alguns projetos que estavam parados há anos foram desenterrados e furaram fila em esferas à parte da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Um deles amplia a anistia a casos de desmatamento. Outro facilita a construção de reservatórios de água em Áreas de Preservação Permanentes (APPs).

No último dia 1º, o próprio Pacheco colocou o chamado PL do Veneno, que flexibiliza o uso de agrotóxicos, sob análise da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, que está nas mãos dos ruralistas. Caso seja aprovado, seguirá diretamente para votação no plenário, onde tem grandes chances de passar.

As manobras não passaram despercebidas por Jaques Wagner. “Até agora essas matérias não avançaram, mas eu sinto uma pressão muito grande sobre o presidente [Pacheco] e a tentativa de tentar driblar aquilo que está previsto nas tramitações para aprovar uma pauta ruim para a questão ambiental”, disse o presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado em entrevista ao Brasil de Fato

Oposição na Câmara tenta frear arrancada ruralista

Nesta quarta-feira (8), deputados da Frente Ambientalista lançaram um manifesto contra a votação de propostas de alteração do Código Florestal, que segundo eles, ameaçam áreas de conservação e, direta ou indiretamente, a vida de humanos e de animais. 

O documento foi entregue no fim de uma sessão solene pelo Dia Mundial do Meio Ambiente, no plenário da Câmara, e contou com a participação de ambientalistas e organizações civis. Houve também cartazes e cobranças sobre a postura do governo federal no desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, na Amazônia.

Para Isabelle Ribeiro, do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PI), opta por não abrir o debate. “O PL do Veneno não ter tramitado em outras comissões nos deixou preocupados com as articulações da bancada ruralista e dessas boiadas. Isso significa falta de debate, pouca participação social e uma forma de passar mais rápido”, observa.

A agilidade na tramitação desse projeto de lei também chamou a atenção da deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA). “Passou como um sopro. Mal começamos o ano e já havia sido aprovado tanto a urgência quanto o mérito”, ressalta.

Ela também enxerga no expediente de seus colegas uma forma de testar a resistência para pautas ainda mais destrutivas, como a lei que autoriza a mineração em terra indígena, além de uma tentativa de reação ao mal desempenho nas pesquisas pré-eleitorais. 

“O clima na Câmara é esse: aprovar o que puder porque já sabem das poucas chances de reeleição. Nós, por outro lado, precisamos barrar essa pressão política sobre os candidatos e lutar para eleger parlamentares que revejam as alterações aprovadas durante o governo Bolsonaro”, avalia Reis.

Composição em comissões temáticas é peça-chave

Apesar da mobilização de parlamentares bolsonaristas ter ocorrido nas duas Casas, a constatação é de que o domínio continua maior na Câmara dos Deputados. Lá, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável era presidida até abril por Carla Zambelli (PL-SP), uma das bolsonaristas mais fiéis desde o início do governo.
 
Eleito em 24 de abril para assumir a presidência da comissão, o ruralista Covatti Filho (PP-RS) é autor de uma proposta de 2015 que não apenas flexibilizaria o uso de agrotóxicos como também passaria a batizá-los como "defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental".

Jaques Wagner traça diferenças na composição das comissões de Meio Ambiente que atuam no Senado e na Câmara. “Eu estou à frente aqui e quem está à frente na Câmara eu percebo que não tem essa sensibilidade ambiental. É óbvio que tenho que negociar muitas vezes com uma maioria que pensa diferente de mim, mas temos conseguido chegar a um equilíbrio nas pautas mais perigosas na base do diálogo”, pondera.

Na opinião do experiente senador, que é compartilhada por outros parlamentares da oposição, a bancada ruralista atira contra o próprio pé ao atentar contra os ecossistemas. “Apesar de acharem que com essas pautas vão liberar seus negócios, eu vou insistir em dizer que eles vão enterrar seus negócios. Cada medida dessa aprovada é mais restrição ao comércio do Brasil”, conclui Wagner.

Edição: Rodrigo Durão Coelho