Três semanas depois de anunciar que estava desistindo da pré-candidatura à presidência, o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) disse nesta terça-feira que está deixando a vida pública. Em curta mensagem no Twitter, disse que vai retomar atividades na iniciativa privada, e que deixa a vida pública "com senso de dever cumprido".
"Pelos meus erros, peço desculpas. Pelos meus acertos, cumpri minha obrigação", complementou, sem mencionar quais seriam esses erros e acertos na carreira política.
A partir do próximo mês, retomo minhas atividades na iniciativa privada. Deixo a vida pública com senso de dever cumprido. Pelos meus erros, peço desculpas. Pelos meus acertos, cumpri minha obrigação.
— João Doria (@jdoriajr) June 13, 2022
Em entrevista ao portal Uol, Doria disse que "por enquanto" segue na iniciativa privada, mas que essa decisão não é "para sempre". O portal entrevistou o ex-governador em um evento em que ele disse que retorna ao grupo Lide, fundado por ele. O grupo se define como "uma organização que reúne executivos dos mais variados setores de atuação em busca de fortalecer a livre iniciativa do desenvolvimento econômico e social".
Ainda de acordo com a reportagem do Uol, Doria disse que seguirá filiado ao PSDB, mesmo após dizer que "não foi a escolha" da cúpula do partido para as eleições presidenciais. Doria, que venceu as prévias tucanas para a disputa para o Planalto, disse que saía da disputa "com o coração ferido" ao retirar a pré-candidatura no último dia 23 de maio.
Histórico de controvérsias
Conhecido por atividades como a apresentação do programa "O Aprendiz" (cargo que também foi ocupado por Roberto Justus, com quem compartilhava o bordão "você está demitido!"), Doria entrou definitivamente para a vida pública em 2016, quando lançou-se candidato a prefeito da maior cidade do país – talvez inspirado por Donald Trump, que, antes de ser presidente dos Estados Unidos apresentou a versão estadunidense do mesmo programa.
A curta carreira política foi marcada por controvérsias, inclusive dentro do partido. Quando entrou na disputa pela prefeitura paulistana, por exemplo, causou a ira de tucanos históricos, como o ex-vereador Andrea Matarazzo, que deixou o tucanato dias antes das prévias às quais concorreria contra Doria. Matarazzo saiu do partido acusando o adversário de compra de votos.
Outra figura marcante do partido, o ex-governador paulista Alberto Goldman, morto em 2019, foi mais um a entrar na mira dos afiados tuítes de Doria. Goldman criticou o então prefeito por ter iniciado em 2017 um périplo pelo país, na tentativa de viabilizar a própria candidatura ao Planalto. O então prefeito respondeu dizendo que Goldman era "um fracassado" que "vivia de pijamas em casa".
O deputado federal mineiro Aécio Neves, o senador cearense Tasso Jereissati, o senador paulista José Aníbal e o ex-ministro Pimenta da Veiga estão entre os tucanos que, com maior ou menor grau de discrição, criticaram Doria e deixaram claro a antipatia pelo paulista.
A tentativa de candidatura à presidência em 2018 foi mais um capítulo da conturbada relação de Doria com os correligionários. A começar pelo fato de que, em 2016, quando concorria à prefeitura paulista, se comprometeu a concluir o mandato. Chegou a assinar uma "carta de comprometimento" durante entrevista ao portal Catraca Livre, prometendo a permanência pelos quatro anos. Não cumpriu.
As viagens pelo país não deram certo. O ex-governador paulista Geraldo Alckmin, hoje no PSB, foi o indicado do PSDB para concorrer à presidência. A Doria, sobrou o prêmio de consolação de concorrer ao governo do estado. Venceu as prévias do partido e, na ocasião, teve apoio para vencer Márcio França (PSB), vice de Alckmin, em segundo turno.
A relação com Alckmin, aliás, é um caso à parte na curta trajetória política de Doria. Se caminharam juntos em 2016, o mesmo não se pode dizer em 2018. Além de terem concorrido pela vaga tucana na disputa pela presidência, nunca tiveram uma parceria plena enquanto candidatos naquele ano. Doria, desde cedo, mostrava inclinação para o lado de Jair Bolsonaro (então no PSL), o que se consolidou no segundo turno com a aliança que ele fez ficar conhecida como "BolsoDoria".
Eleito, assumiu o Palácio dos Bandeirantes se comprometendo a permanecer no cargo pelos quatro anos (desta vez, ao menos, sem assinar carta de compromisso). Em pouco tempo deixou de lado a aliança com Bolsonaro e tentou se cacifar como uma figura de oposição, com vistas à eleição de 2022. Tomou para si o protagonismo do desenvolvimento das vacinas contra a covid-19 pelo instituto Butantan e posou ao lado da enfermeira Monica Calazans, primeira pessoa vacinada contra a doença no país.
Mas a pré-candidatura presidencial jamais decolou. Em pesquisas, nunca esteve perto dos dois dígitos em intenções de voto. Mesmo com a vitória nas prévias, enfrentou resistência dentro do PSDB. Em busca de um nome de consenso para a autoproclamada "terceira via", líderes do partido demonstravam apoio à candidatura do ex-governador gaúcho Eduardo Leite (derrotado por Doria na eleição interna) ou à ausência de uma candidatura própria, o que, no fim, deve ocorrer.
Em março deste ano, parte da imprensa chegou a noticiar a desistência de Doria, que tentaria, então, a reeleição ao governo estadual. O vai e vem, segundo os relatos, causou a ira de mais um aliado: o então vice-governador Rodrigo Garcia, que àquela altura esperava a renúncia de Doria para assumir a cadeira e iniciar a campanha para o governo.
Independente das ameaças terem ou não acontecido, o fato é que Doria manteve os planos iniciais, renunciou ao governo (quebrando mais uma promessa de cumprimento integral de mandato) e seguiu com a candidatura ao Planalto. Esses planos duraram menos de dois meses, até a renúncia no último dia 23.
Para o cientista político Claudio Couto, professor adjunto do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Doria é um dos responsáveis pela derrocada do PSDB nos últimos anos. A inclinação do partido à direita "descaracteriza o PSDB como aquele partido das suas origens. E é nesse contexto que fica confortável para uma figura como o Doria não só entrar no partido como se tornar inclusive um nome forte internamente", afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho