bateu até matar

PM assassinou idoso indígena no Sertão de Pernambuco, denuncia comunidade

Policiais foram à casa do idoso, em uma aldeia do povo Atikum, e o agrediram até a morte; lideranças acusam racismo

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Indígenas da etnia Atikum protestam em frente à delegacia após policiais matarem idoso na comunidade - Povo Atikum/reprodução

Na noite da última quarta-feira (15), três policiais militares da delegacia de polícia de Carnaubeira da Penha, sertão pernambucano, foram até a aldeia indígena Olho D’água do Padre e abordaram de maneira agressiva o idoso Edinaldo Manoel de Souza, de 61 anos, segundo testemunhas. Os policiais teriam perguntado por uma espingarda que o idoso supostamente teria, mas ele negou. Familiares relatam que os policiais o atacaram com socos e tapas, o idoso teria passado mal e falecido. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil e Secretaria de Defesa Social (SD).

Nesta quinta-feira (16), cerca de 200 indígenas da comunidade Atikum saíram em caminhada até a delegacia de polícia da 191ª circunscrição, no centro de Carnaubeira da Penha. “Nosso povo foi fazer as reivindicações, pedir justiça. Isso não pode ficar impune”, diz Leonel Atikum em conversa com o Brasil de Fato. Ele conta que a família da vítima está com medo da Polícia Militar e evitando dar declarações. A comunidade está organizando a proteção deles.

Durante o protesto, a liderança Lucenildo Atikum afirmou que não aceitará Polícia Militar no TI Atikum, “só a Polícia Federal, como diz a Constituição. E, mesmo assim, só se estiverem acompanhados de representantes da Funai”, determinou o cacique. 

Leonel conta que a polícia “já chegou de modo agressivo, perguntando de uma espingarda. Mas ele não tinha nenhuma arma”, diz o jovem. “Os três policiais pegaram ele no quintal e fizeram várias violências contra um idoso de 61 anos, pai de família, trabalhador, honesto”, diz Leonel. Um filho de Edinaldo e a esposa teriam presenciado os ataques.  O idoso deixa esposa e três filhos.

“Ao responder que não possuía espingarda nenhuma, um policial deu um tapa violento no tórax da vítima, e quanto mais os policiais perguntavam e Edinaldo negava a propriedade de uma espingarda, mais ele apanhava”, diz a nota da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), com base no relato da esposa.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A post shared by APOINME (@apoinme_brasil)

A agressão teria durado vários minutos, até o homem desmaiar. Os próprios policiais levaram ele ao hospital de Carnaubeira, mas Edinaldo já chegou à unidade de saúde sem vida. “Infelizmente mais uma ação de extrema violência, realizada por policiais militares que ao invés de proteger a sociedade, espalham pânico e violência contra pessoas pobres e inocentes”, diz a nota da Apoinme.

Perguntado se Edinaldo exercia alguma liderança política na comunidade que pudesse ter motivado o ataque, Leonel negou. “Ele era um trabalhador comum da roça, um agricultor”, resume. A motivação, segundo o jovem, seria o próprio comportamento da polícia em relação aos povos indígenas. “Nos últimos anos aumentou a agressividade dos policiais militares contra nosso povo. É triste. Os policiais deveriam ser nossos guardiões, nos proteger, mas eles mesmos nos matam. Isso já passou dos limites”, reclama o jovem indígena.

Coordenador executivo da Apoinme e cacique do povo Pankararu, Sarapó relata que esse tipo de abordagem da polícia militar está se tornando comum em Pernambuco. “Tem sido recorrente aqui no estado. Noutros territórios temos relatos de abordagens desrespeitosas contra os indígenas. E sei que isso também acontece contra populações negras e LGBTs”, diz ele em entrevista ao Brasil de Fato. O líder indígena afirma que o comportamento das autoridades é “um reflexo do racismo, que é reforçado por esse atual governo [de Bolsonaro]”.

Sarapó Pankararu esteve em reunião com o povo Atikum dias antes do ocorrido. “Por coincidência fui lá no sábado (11) e uma das queixas da população era justamente essa: a polícia agindo com truculência contra a população”, lembra ele. “Fiquei de propor uma agenda com o Ministério Público para a população relatar esses casos. Mas na quarta já aconteceu isso”, lamenta. O coordenador da Apoinme afirma que a polícia precisa “fazer seu papel, abordar de forma adequada e respeitosa os indígenas e não indígenas”.

O que diz a polícia?

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE), por meio Delegacia de Carnaubeira da Penha, informou em nota que registrou a morte a esclarecer. “Foi instaurado Inquérito Policial para apurar o fato, tendo sido já realizadas diligências, incluindo oitivas de familiares da vítima, vizinhos e lideranças indígenas. O trabalho investigativo será auxiliado por perícias criminais realizadas pela Polícia Científica”, diz a nota.

A Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) instaurou investigação preliminar e “está apurando, no local, se houve infração disciplinar por parte de policiais militares envolvidos nessa ocorrência”. Já a Polícia Militar instaurou Inquérito por meio da Diretoria de Polícia Judiciária Militar (DPJM). 

O nome dos envolvidos na ação policial não foram divulgados. A pasta disse que “outras informações serão concedidas com a conclusão das investigações, para que não haja prejuízo às diligências em curso”. “Os trabalhos conduzidos no âmbito criminal e disciplinar prosseguirão dentro da legalidade, com seriedade e imparcialidade, de modo a elucidar as circunstâncias do fato no menor tempo possível”, afirma o texto.

Há uma equipe da Ouvidoria da SDS presente no município, que está à disposição da população para receber denúncias e informações, pelo número de telefone 0800.081.5001 (ligação gratuita).

Direitos Humanos

Sarapó Pankararu afirma que ainda neste fim de semana um advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e um membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) devem chegar a Carnaubeira da Penha para iniciar as conversas com a comunidade indígena. Caciques de oturas aldeias do povo Atikum também devem se deslocar para a aldeia Olho D’água do Padre.

O coordenador da Apoinme também acionou o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a Secretaria Estadual de Justiça, mas ainda não teve retorno dessas autoridades. “Só o Conselho nos respondeu. Na segunda-feira (20) teremos uma reunião em Carnaubeira para ouvir familiares, comunidades e tentar tomar providências”, diz Sarapó.

O cacique Pankararu também afirma estar em contato com o senador Humberto Costa (PT) e o deputado estadual João Paulo (PT), ambos presidentes de comissões de Direitos Humanos no Senado e na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

O povo Atikum

O povo indígena Atikum é estimado, hoje, em 11 mil pessoas, espalhados em 42 aldeias nos municípios de Salgueiro, Mirandiba e Carnaubeira da Penha. A aldeia Olho D’água do Padre é uma comunidade Atikum considerada grande, com cerca de 200 famílias (ou seja, aproximadamente mil habitantes), dentro da parte do território já demarcada.

O território indígena Atikum foi um dos primeiros TIs demarcados em Pernambuco, ainda em 1990. Mas as lideranças locais alegam que a demarcação não compreendeu nem metade do território real, apenas 30% ou 40%. Por isso seguem em luta por regularização. Mas o processo está parado. “A Funai está ausente dos territórios indígenas, porque esse governo esvaziou a Funai, cortou recursos e tirou possibilidade do órgão fazer o trabalho. Hoje a direção da Funai vai contra os direitos dos indígenas”, reclama Sarapó.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Elen Carvalho