Enquanto, entre 6 e 10 de junho, acontecia a 9ª Cúpula das Américas nos Estados Unidos sem a presença de Cuba, Nicarágua e Venezuela, e sob muitos protestos populares, a mais de 11 mil quilômetros o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, desembarcava em Ancara, na Turquia, para dar início a uma turnê euroasiática que incluiu também a Argélia, o Irã, o Kuwait, o Catar e o Azerbaijão. O mandatário se reuniu com os chefes de Estados dos países, assinou acordos de cooperação econômica e fez da viagem uma resposta diplomática a Washington.
Em cada uma de suas visitas, Maduro fez questão de denunciar o bloqueio econômico imposto pela Casa Branca contra a Venezuela e defendeu a construção de uma “ordem multipolar, sem hegemonias", argumentos que foram respaldados e reiterados pelos presidentes turco, Recep Tayip Erdogan, e iraniano, Ebrahim Raisi.
Além disso, Maduro afirmou que a Venezuela passa por um processo de recuperação econômica, iniciado com o fim da hiperinflação no começo deste ano, e garantiu que o país está se “reerguendo” e pronto para novos investimentos estrangeiros em diversas áreas.
Para o pesquisador e analista político venezuelano Diego Sequera, as viagens de Maduro durante a Cúpula das Américas, da qual a Venezuela foi excluída, representam mais um esforço de seu governo para romper a hegemonia diplomática e política que os EUA exercem na região, buscando aliados em outras partes do mundo.
"Isso tem a ver com a multipolaridade, com a aposta na concentração de energia onde está a maior quantidade de população, de força de trabalho, de PIB, de recursos. Esse movimento se dá sob um conceito de cooperação e desenvolvimento em um esquema em que todos ganham, frente à ordem baseada nas regras internacionais dos Estados Unidos, que é um jogo de soma zero. Por isso as viagens de Maduro representam o que queremos, aqui eu digo como venezuelano, que seja o mundo daqui em diante, onde não haja um centro único e exclusivo, onde se respeitem as situações, as diferenças frente ao consenso internacional e as situações internas em matéria de soberania", disse ao Brasil de Fato.
Maduro desembarcou na Turquia na última terça-feira (07/06), um dia após o início da Cúpula em Los Angeles. Antes de se reunir com Erdogan, o venezuelano visitou o memorial de Ataturk (símbolo do nacionalismo turco) e se reuniu com investidores turcos. O encontro entre os mandatários só ocorreu no dia seguinte, quarta-feira, e contou com a presença de diversos ministros de ambos os países.
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Os presidentes assinaram três acordos de cooperação nas áreas de turismo, agricultura e finanças. Ao lado de Erdogan, Maduro voltou a frisar que “todas as garantias estão dadas” para investimentos turcos na economia venezuelana. “Esse é o momento para os investidores da Turquia na Venezuela. Para que cheguem no turismo, na mineração, na indústria, na logística, nos bancos, no petróleo, no gás, no ouro, no carvão, este é o momento", disse o presidente.
Erdogan, por sua vez, expressou o rechaço de seu governo às sanções econômicas impostas pelos EUA contra o país latino-americano e fez previsões positivas de crescimento no comércio bilateral entre ambos os países, afirmando que a meta é chegar a 5 bilhões de dólares nos próximos anos.
No Irã, fortalecimento da "comunidade de sancionados"
Já durante a visita de Maduro ao Irã, país que também é alvo de sanções por parte de Washington, tanto o presidente venezuelano quanto o mandatário Raisi fizeram críticas ao imperialismo e às medidas coercitivas impostas pelos Estados Unidos. "A política externa da República Islâmica do Irã sempre foi a de manter relações com países independentes, e a Venezuela mostrou uma resistência incrível contra ameaças e sanções de inimigos e do imperialismo", afirmou o presidente iraniano.
Ali, foi assinado um acordo de cooperação de 20 anos em áreas como tecnologia, petroquímica, defesa, agricultura e turismo. Ao lado de Raisi, o Maduro classificou a relação entre os países como uma “amizade indestrutível” e disse que o Irã é um aliado na construção de “um mundo novo e anti-imperialista”.
Além do encontro com o presidente iraniano, a visita de Maduro ao Irã também incluiu a cerimônia de entrega de um navio de carga petroleiro construído a pedido da Venezuela. O Yoraco tem capacidade para transportar até 800 mil barris de petróleo e é o segundo de quatro embarcações encomendadas pelo governo venezuelano ao Irã. Segundo a agência Reuters, o navio deve partir para a Venezuela em julho levando um carregamento de insumos para combustíveis.
“O plano de construir navios para nossa indústria petroleira PDVSA foi um plano do comandante Hugo Chávez para fortalecer nossa indústria e fazer com que ela se tornasse independente de qualquer agressão imperial”, afirmou Maduro durante o ato de entrega.
Para Sequera, o aprofundamento das relações entre Caracas e Teerã diz respeito à necessidade de países afetados pelas sanções impostas pelos EUA se unirem e se apoiarem diplomática e economicamente, dando origem ao que o pesquisador chama de uma “comunidade de sancionados”.
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“Um dos efeitos colaterais da política transatlântica dos Estados Unidos e da Europa é ela reforçar uma comunidade de países que não deveria necessariamente existir para além das afinidades. Agora, isso se converteu em algo existencial para Venezuela e também para o Irã. Ou seja, nós somos a comunidade dos sancionados, e não só países simplesmente sancionados", disse.
De olho nas políticas do petróleo
Na Argélia, além de denunciar os efeitos negativos das sanções norte-americanas e repetir os apelos pela construção de uma “nova fase multipolar”, Maduro e o presidente argelino Abdelmadjid Tebboune manifestaram solidariedade às causas da Palestina e do povo saharaui. Os mandatários ainda disseram que serão implementados voos diretos entre ambos os países, rota que será inaugurada em breve.
Maduro também visitou o Kuwait e o Catar, países que são membros da Opep e Opep+ (aliança da Opep com outros países com produção de destaque, como a Rússia), respectivamente. O presidente venezuelano foi recebido pelo primeiro-ministro kuwaitiano na última terça-feira (13) e seguiu no país até a última quarta-feira (14), quando se reuniu com o próximo secretário-geral da OPEP, Haitham al Ghais, que assumirá o cargo no mês de agosto.
Já no Catar, Maduro teve um encontro com o emir do país, o Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani, com quem discutiu planos para “melhorar a cooperação entre os dois países em várias áreas”, segundo o próprio líder catari. No início deste ano, a companhia aérea estatal da Venezuela, Conviasa, já havia anunciado os planos de estabelecer voos diretos entre Caracas e Doha para a Copa do Mundo de 2022, que terá sede no Catar. A empresa será a única da América do Sul a voar direto para a sede do Mundial de Futebol.
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Na quinta-feira (16), Maduro chegou ao Azerbaijão, o sexto país a ser visitado pelo presidente na sua turnê euroasiática. "A beleza imponente do Azerbaijão nos recebe hoje, onde seguiremos revisando os aspectos-chave da cooperação entre ambos países", escreveu o presidente venezuelano em sua conta no Twitter.
Maduro envia mensagem à Cúpula de protesto em Los Angeles
Em sua passagem por Teerã, capital iraniana, Maduro enviou uma mensagem à Cúpula dos Povos, evento que ocorreu em Los Angeles simultaneamente à Cúpula das Américas. O encontro foi organizado por diversos movimentos populares do mundo todo como uma forma de protesto contra as políticas da Casa Branca.
Em mensagem gravada e transmitida durante atividades da Cúpula dos Povos, o presidente venezuelano reforçou a necessidade de fortalecer a multipolaridade no mundo e “lutar contra a hegemonia estadunidense”. “Existe um mundo para além de Washington, um mundo além da arrogância imperial, um mundo que está emergindo e aqui estamos nós, empenhados na construção desse mundo diferente, multipolar, baseado no diálogo e no respeito”, afirmou Maduro.
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Enquanto sua fala era exibida em telões durante encontros do evento, Maduro foi aplaudido por centenas de militantes e ativistas que participavam da cúpula e que protestavam contra a exclusão de Cuba, Nicarágua e Venezuela da reunião de Los Angeles. Para Sequera, isso é um sinal de que, apesar das campanhas impulsionadas pelos EUA e pela oposição venezuelana para classificar o governo chavista como uma ditadura, Maduro ainda encontra respaldo em diversos setores progressistas do mundo, inclusive norte-americanos.
"Por que isso acontece? Vemos como o dirigente de um país, que além de herdar o peso titânico do comandante [Hugo] Chávez, não foi derrubado, curvado, eliminado ou disciplinado pelo império. Isso enfrentando o pior e sem perder de vista os imponderáveis políticos do projeto bolivariano e chavista. Perdeu terreno? Sim, e foi muito criticado por muitas dessas esquerdas globais, mas cada vez mais se entende melhor o papel do presidente Maduro nesse movimento de construção de novos eixos de poder", afirmou.
O pesquisador ainda disse que o país "se assume dentro dessa nova ordem" e que a ação ocorre "em detrimento da ordem pan-americana". "Não porque a Venezuela se esquece da sua região, mas sim porque, frente ao que está ocorrendo no mundo, a Venezuela deve se assumir como parte da virada de energia da atual ordem global, começando pela própria audácia da mensagem e também por apoiar quem de fato esteve com a Venezuela no momento mais difícil, mais obscuro e mais destrutivo", destacou.
Edição: Arturo Hartmann