A agricultora familiar Cicera Oliveira, de Bom Jesus do Potengi (RN), alega que “uma propaganda na TV” faz o desserviço de confundir a realidade sobre quem realmente garante o alimento na mesa da população brasileira. A mensagem pulsa o sentimento diante de uma narrativa perversa que confunde o que é privilégio para poucas famílias, por um lado, e o descumprimento de direitos a quem mais necessita, por outro.
Eu acho um risco que tenham canais de televisão com essa maquiagem nojenta que está dizendo que agricultura familiar “é isso”, “é aquilo”, o “agro é pop” “o agro é isso”, “o agro negócio”. Então, o agronegócio está maquiando a agricultura familiar.
O risco citado pela agricultora é de uma publicidade capaz de confundir o público, que pode achar ser igual um setor do agronegócio que deixa de cumprir deveres para a população, e uma agricultura familiar esquecida pelo desmonte de políticas públicas. Na análise crítica de Cícera, a propaganda se apropria de forma intencional da imagem da luta das famílias para garantir alimentos em benefícios indevidos a setores “mais preocupados com lucros”.
O depoimento da agricultora foi dado ao Brasil de Fato durante a primeira edição da Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Fenafes), que segue até o próximo domingo (19), no Centro de Convenções de Natal (RN). O evento foi chamado em algumas mesas como uma “boa audácia”, considerando um cenário político desfavorável ao setor nos últimos anos no Brasil.
Para o professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e agrônomo Silvio Porto, o desfinanciamento de políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) dificultam a produção de alimentos pela agricultura familiar. Ele lembra que em 2016 o então Ministério do Desenvolvimento Agrário foi transformado em Secretaria Especial, sinalizando o encerramento de ações e políticas importantes.
"Essa perda de relevância da produção de alimentos pela agricultura familiar está muito associada ao processo de desconstrução de políticas. Há por um lado, o avanço cada vez maior das políticas para o agronegócio, sobretudo para as commodities, em especial a soja, como o carro chefe e, por outro lado, a desconstrução de políticas, acaba o ministério e depois acaba como secretaria especial. Depois vem uma série de outras políticas encerradas."
Nordeste
Especificamente, para a região Nordeste, Silvio Porto lembra a necessidade de políticas públicas que se adaptem às diversidades da região, e não o contrário. O agrônomo afirma ainda que pela relevância no setor, o Nordeste deveria ser visto como uma das prioridades em iniciativas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Outra questão ressaltada por Porto é a característica do clima semiárido que deve ser levado em conta entre os gestores públicos para o desenvolvimento rural.
Gloria Batista, da coordenação da Articulação Semiárido da Paraíba (ASA Paraíba), destaca que o último convênio do governo federal para a construção de cisternas de placas para o consumo humano ou a produção de alimentos foi firmado em 2017. De lá para cá, a região sente o impactos da falta de investimentos públicos, impactando inclusive no acesso à água para beber.
“Não se investe em água para o semiárido. Nós temos uma demanda de água para o consumo humano ainda. Precisamos de mais 350 mil cisternas para captação e armazenamento de água para as famílias consumirem”.
Feira
A Fenafes está sendo chamada de "A Grande Festa da Colheita" e conta com uma programação de atividades formativas, exposição e venda de produtos da agricultura familiar, assim como as atividades culturais. A nutricionista Thágila Maria, que mora em Natal (RN), participou de palestras e visitou os estandes no Centro de Convenções. Ela destaca a importância milenar da agricultura familiar para relações sustentáveis.
“A gente começa a compreender a importância da nossa cultura alimentar, porque eu acho que cada espaço tem uma cultura alimentar, alimentos que são específicos e que podem ser produzidos em determinados solos. Então eu acho que a agricultura familiar, sobretudo, é nos aproxima da Terra, da natureza e desse contato do homem com a sua própria cultura.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho