“Quando o último rio secar, a última árvore for cortada e o último peixe pescado, eles vão entender que dinheiro não se come”.
(Carta do Cacique Seattle ao presidente dos Estados Unidos, em 1855)
Nos últimos meses, temos utilizado este espaço para discutir as independências, pois, afinal, estamos em ano de bicentenário. A tônica tem sido a exortação para, nas palavras de Airton Krenak, adiar o fim do mundo. Porém, hoje, neste texto, vou falar das interdependências que apressam o fim, ou, em outras palavras, as responsabilidades de todo mundo com o fim do mundo.
Outro dia, estava ouvindo a linda "Canção para a Amazônia", de Nando Reis com letra de Carlos Rennó – cantada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Gal Costa, Elza Soares, Camila Pitanga, Daniela Mercury, Maria Bethânia, Céu, Iza, Preta Gil, Arnaldo Antunes, Chico César e muitos outros artistas –, que me foi enviada pela colega e professora Lucília de Almeida Neves Delgado.
A música é linda e o gesto generoso e necessário. Mais um movimento importante em defesa da floresta, no sentido amplo do termo, e, portanto, do mundo. E fiquei me perguntando sobre como chegamos a "isso".
Aí me "bateu a real" de que há muita responsabilidade para compartilhar no "isso" da coisa. Como já se disse aqui e alhures, por milhares de especialistas e ativistas, não é possível salvar a Amazônia e manter o mesmo modo de produção (capitalista) que nos trouxe até aqui. Basta uma simples passagem d'olhos pela lista de empresas que financiaram e apoiaram a eleição do coiso e que estão ganhando horrores com a morte. E a destruição mostra que boa parte delas não é de "capital" nacional do Brasil; é nacional de algum país do chamado "primeiro mundo".
Não existe capitalismo sustentável
O certo é que, mais do que nunca, sabemos que "desenvolvimento sustentável" no âmbito do capitalismo não passa de mera ideologia, no sentido marxiano do termo. O capitalismo não é sustentável justamente porque a única lógica que segue é a da acumulação e, portanto, da produção incessante das desigualdades e das mortes.
No entanto, antes de acabar com o capitalismo, e antes que ele acabe com as populações humanas e não humanas do planeta, é preciso colocar algum freio. E o único freio que entendem é o bolso. Então, qualquer ação para ser efetiva tem que trazer ameaça globalizada ao lucro. É aí que a porca torce o rabo, se ela o tiver.
Lembremos que as maiores empresas que atuam política e operacionalmente na destruição do Brasil não são controladas por aqui e, portanto, enriquecem sobretudo a estrangeiros (e, certamente, a alguns poucos prepostos brasileiros). Ao mesmo tempo, o Brasil é um país tão distante e confundível com tantos outros da América Latina e com a “África” (é impressionante como a representação do continente ainda se faz como se fosse um país só). Somos parte dos “outros”, os párias da terra.
Haverá como convencer à população, e não apenas às/aos ativistas, dos Estados Unidos, do Japão e de boa parte da União Europeia de que a sorte deles/as está umbilicalmente atrelada à nossa? Haverá como convencê-la de que são suas as empresas e seus os Estados que apoiam a destruição da nossa morada comum que é o planeta?
Últimas trincheiras
A experiência do golpe de 2016 e a eleição de 2018 deveriam já ter nos mostrado que as grandes potências “acreditam” na democracia e na autonomia dos países até o justo momento em que veem seus interesses ameaçados ou, o que dá quase no mesmo, até o momento em que avaliam que pode haver ganhos maiores com ditadores e genocidas no poder. Logo, a única/última esperança é que as nossas populações acordem da letargia a que fomos induzidos pela captura dos nossos afetos e a substituição de nossos projetos de autonomia e bem viver pelo “desejo” do consumo.
A assertiva segundo a qual devemos pensar globalmente e agir localmente não é um desafio apenas para as populações humanas ameaçadas; mas quase sempre parece que assim o é, e que o restante fica pensando que vai se "salvar dessa". Ainda que o boicote aos produtos e, portanto, um evitamento ao consumo, mesmo que seja ação quase vã contra o extermínio imediato, pareça a única coisa que pode frear o ritmo da destruição, ele não nos retira do rumo da destruição.
“Não se sai de árvore por meio de árvore”, é um lindo livro da Paula Vaz, publicado pela editora Cas’a em 2014. E o título me inspira a dizer que não se sai do capitalismo por meio de capitalismo, ou seja, não sairemos do rumo da destruição utilizando simplesmente as plataformas que nos conformam e nos confortam em nossos umbigos ou mudando o consumo que nos entope de objetos fetiches de que não precisamos.
Ao fim e ao cabo, quando tudo parece nos conduzir para o desastre anunciado, para retardar o fim do mundo só nos restam, como últimas trincheiras, a política, a palavra, o amor e as artes. Mas serão essas suficientes? Os acontecimentos recentes no Brasil parecem indicar, infelizmente, que não.
*Luciano Mendes de Faria Filho é professor da UFMG e integrante do Portal do Bicentenário.
**Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
***Leia mais textos como este na coluna Bicentenário da Independência, do Brasil de Fato MG.
Edição: Larissa Costa