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Por que tantas mulheres usam fórmula em vez de amamentar os bebês?

Fatores são múltiplos, e variam nas diferentes regiões do planeta; algumas mães querem amamentar, mas não podem

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OMS aponta que 13% das mortes de crianças poderiam ser evitadas pelo aleitamento materno exclusivo
OMS aponta que 13% das mortes de crianças poderiam ser evitadas pelo aleitamento materno exclusivo - Pixabay

A maioria das mulheres no mundo começa a amamentar logo após o parto, mas apenas 44% dos bebês recebem exclusivamente leite materno até o sexto mês de vida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Brasil está próximo dessa média mundial, com 45,8% sendo exclusivamente amamentados até os seis meses de idade, de acordo com um estudo coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Nos Estados Unidos, o cenário é bem diferente: apenas um em cada quatro bebês é amamentado exclusivamente no primeiro semestre de vida. 

Como os bebês não podem comer alimentos sólidos até os seis meses de idade, dependem de leite materno ou de fórmula infantil, que pode ser líquida ou em pó e é fabricada especialmente para suprir as necessidades nutricionais durante os primeiros seis meses de vida.

Diante da baixa taxa de aleitamento materno exclusivo nos EUA, a atual escassez de fórmula infantil no país é grave. Problemas na produção e cadeia de abastecimento durante a pandemia e o fechamento de uma grande fábrica americana devido a problemas de contaminação levaram à escassez. Quando a situação estava se normalizando, a mesma fábrica da Abbott Nutrition, em Michigan, teve que pausar a produção mais uma vez porque uma tempestade atingiu o local, em 13 de junho último.

Experiência no hospital é decisiva

Pesquisas sugerem que a amamentação exclusiva é uma maneira saudável e natural para as mulheres alimentarem seus recém-nascidos. Além de trazer benefícios para a relação mãe-bebê, é mais barato que comprar fórmula infantil. Mas por que mesmo assim tantas mulheres não amamentam?

Existem várias razões para isso. Muitos especialistas dizem que a experiência de uma mulher no hospital após o parto desempenha um papel decisivo.

Há décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem pressionando hospitais a implementarem medidas para promover a importância da amamentação. As primeiras 24 horas de vida são cruciais para que um bebê aprenda a se alimentar diretamente da mãe.

A maioria dos hospitais nos EUA e na Europa já se preocupam com medidas para o bem-estar do recém-nascido. Mas em outras partes do mundo nem sempre é assim.

Antonina Muturo, pesquisadora de bem-estar materno e infantil do Centro Africano de Pesquisa em População e Saúde em Nairóbi, Quênia, ajudou a fazer uma pesquisa nos assentamentos informais de Nairóbi, que um relatório recente da ONU chamou de "algumas das favelas mais densas, insalubres e inseguras no mundo".

Das jovens mães pesquisadas, apenas 2% estavam amamentando seus bebês exclusivamente no peito. Como muitas das mulheres visitadas por Muturo não tinham condições de comprar fórmula infantil, elas estavam usando leite de vaca ou alimentos como mingau para alimentar seus bebês antes dos seis meses de idade.

Muturo disse que a falta de amamentação nos assentamentos se deve em parte ao fato de as mulheres provavelmente não terem aprendido sobre amamentação no hospital após o parto. "Se não for um local preocupado com o bem-estar da criança, às vezes, os profissionais de saúde se oferecem para tratar do bebê e lhe dão fórmula infantil. Isso abre o precedente", disse Muturo.

Outras vezes, os médicos dizem às mulheres que elas não têm leite suficiente. Mas Muturo esclarece que a capacidade de a mulher produzir leite materno normalmente depende da demanda. Logo após o nascimento, essa demanda é criada colocando o bebê nos seios da mãe, o que estimula a produção de leite.

"Mas você descobre que a narrativa geralmente é, 'Oh, eu não tenho leite suficiente'. Então, a solução é buscar outras opções e a fórmula láctea costuma ser a mais rápida", disse Muturo.

Segundo ela, não é por ignorância, pois a maioria dos funcionários que trabalham em pediatria ou ginecologia sabe que amamentar é bom para o bebê. Mas faltam as estruturas para promovê-lo e, quando há muito o que fazer, alguns médicos e enfermeiros não dedicam tempo para treinar parturientes, se podem oferecer fórmula infantil.

Interesses dos fabricantes

E há os interesses da indústria de fórmulas infantis. Em 1981, a Assembleia Mundial da Saúde, órgão decisório da OMS, adotou o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. O código proibia a comercialização de fórmulas infantis, com o objetivo de evitar que as mulheres fossem desencorajadas a amamentar.

Mas um relatório da OMS publicado em fevereiro deste ano mostra que as empresas continuaram a comercializar agressivamente seus produtos on-line por meio de métodos que não existiam quando o código foi adotado, como algoritmos de publicidade adaptados para alcançar puérperas e aplicativos parentais. O relatório diz que, embora as taxas de amamentação tenham estagnado em grande parte nas quatro décadas desde a implementação do código, as vendas de fórmulas dobraram.

Rafael Perez Escamilla, um dos autores do relatório da OMS, disse que, mesmo em hospitais preocupados com o bem-estar dos recém-nascidos, as mulheres nem sempre recebem o apoio necessário para entender como amamentar quando voltam para casa.

Escamilla vê duas razões para isso. Na maioria das escolas de enfermagem, os estudantes recebem pouco treinamento em amamentação. "Estou em uma ótima instituição, a Universidade de Yale, e sou responsável por [ensinar] amamentação, um componente do treinamento de estudantes de medicina, e são duas horas", disse ele.

Sem treinamento prático suficiente, os profissionais de saúde não têm as habilidades necessárias para ensinar as mulheres a amamentar os próprios bebês. Esse trabalho é muitas vezes passado para conselheiros de amamentação ou consultores de lactação, conta Escamilla.

Mas, em muitos países, os consultores de lactação não são pagos pelos sistemas públicos de saúde, e disponibilizam seus serviços apenas para mulheres que podem pagar de forma privada. E, às vezes, os provedores podem entender os benefícios da amamentação, mas não a promovem porque estão sendo cortejados pela indústria de fórmulas, acrescenta.

"Muitos deles são convidados para jantares, têm suas conferências pagas, livros, alguns deles podem até receber propina se prescreverem um mínimo de X produtos", continua Escamilla.

Amamentar exige dedicação

Se uma mulher estiver amamentando, seus seios se encherão de leite a cada poucas horas. Esse leite precisa sair do corpo de alguma forma, caso contrário ela sentirá dor.

Na Alemanha e em muitos outros países europeus, as mulheres podem tirar até um ano de licença remunerada após o parto, tornando a questão de amamentar ou bombear o leite materno menos problemática. No Brasil, a licença-maternidade prevista por lei é de 120 dias. Em outros países, como Estados Unidos ou Quênia, esse não é o caso. As mulheres não têm licença remunerada garantida por lei após uma gravidez.

Se uma mulher não pode se dar o luxo de deixar o trabalho por seis meses, ela precisa bombear o leite materno no trabalho. Há países em que isso é protegido por lei, mas nem sempre isso é possível na prática, pois exige um local adequado.

As razões pelas quais algumas mulheres usam leite em pó não são apenas estruturais – algumas querem amamentar seus bebês, mas não podem.

Culpa por não amamentar

Algumas mulheres que usam fórmula infantil relatam sentir-se culpadas e julgadas por mulheres que amamentam. Lala Prada Streithorst, por exemplo, mora em Berlim e tem um filho de 5 anos. Quando ela deu à luz seu filho em seu país natal, a Colômbia, ela foi fortemente pressionada por familiares para amamentar.

Mas ela havia engravidado logo após uma cirurgia gástrica, e isso tornou difícil beber muito líquido, o que, por sua vez, afetou sua produção de leite. A amamentação não foi fácil e ela se sentiu culpada, como se fosse uma mãe ruim por não conseguir alimentar o próprio filho com leite materno.

Dominique Hiller, que também vive em Berlim, começou a amamentar seu primeiro bebê, mas tinha problemas. O leite era pouco, mesmo assim médicos e a parteira insistiram para ela continuar. Mas Hiller tem problemas de tireoide, que segundo estudos é uma das principais razões pelas quais algumas mulheres não conseguem produzir leite suficiente.

"Foi doloroso. Eu não estava produzindo muito leite. A criança chorava, meu parceiro agia tipo, 'por que a criança está chorando', e a parteira insistia para eu continuar. Foi muita tensão."

Emanuela Damiani queria amamentar desde cedo. Mas ela também queria trabalhar, então decidiu que às vezes bombearia o leite.  Ela não havia planejado introduzir outro alimento até o terceiro mês, mas num exame de rotina percebeu que o bebê não estava ganhando peso. Damiani ficou preocupada, mas seu médico disse que o bebê simplesmente não estava pegando corretamente no peito.

Depois de muitas tentativas fracassadas, ela decidiu começar com a mamadeira. Quando falou sobre a intenção à parteira, esta a apoiou, mas pediu a Damiani que não contasse a ninguém que ela havia dado o OK.

O que dizem estudos

Optar por não amamentar pode prejudicar a saúde do bebê. Não é seguro que ele ingira alimentos sólidos ou leite de vaca antes dos seis meses de idade. A fórmula láctea deve ser sempre combinada com água limpa e não deve ser diluída para durar mais. Isso pode levar à desnutrição infantil.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 13% das mortes infantis globais poderiam ser evitadas pelo aleitamento materno exclusivo. Mas em países onde as mulheres têm acesso constante a água potável e dinheiro para comprar um suprimento regular de fórmula infantil, pesquisas mostram que parece não fazer diferença em longo prazo se uma mulher opta por amamentar exclusivamente ou não.

No maior estudo randomizado que mediu o impacto das intervenções de amamentação até o momento, os resultados sugeriram que quase não havia diferença a longo prazo na saúde dos bebês que foram amamentados exclusivamente e daqueles que foram alimentados com fórmula infantil ou uma mistura dos dois.

Os autores testaram com dois grupos: jovens mães em hospitais de Belarus onde havia orientação sobre amamentação após o nascimento, e outras puérperes que não receberam nenhum tipo de orientação como grupo de controle.

Nos primeiros seis meses após o nascimento, os autores notaram algumas diferenças: os bebês do grupo de controle tiveram mais infecções do trato gastrointestinal e eczema atópico no primeiro ano de vida.

Depois de seis anos e meio, os pesquisadores voltaram a examinar as mesmas crianças e viram que as que foram amamentadas tinham um desempenho verbal e pontuação de QI ligeiramente melhores em comparação com as do outro grupo.

Em outro acompanhamento, quando as crianças tinham 16 anos, os pesquisadores relataram apenas uma diferença entre os dois grupos: os adolescentes que foram amamentados exclusivamente por mais tempo pareciam ter uma função verbal ligeiramente maior.

Michael Kramer, o principal autor do estudo, disse que ficou desapontado com alguns resultados, como o que mostrou que o impacto no QI parecia diminuir com o tempo. Mesmo assim, Kramer, que é pediatra, ainda acredita que a amamentação seja a melhor opção.