Sul global no G7

Argentina pauta colonialismo, crise alimentar e soberania financeira no G7

Alberto Fernández participa de cúpula na Alemanha e busca ser voz dos países em desenvolvimento

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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Representantes dos países convidados para o G7: África do Sul, Argentina, Indonésia, Índia e Senegal. - Presidência Argentina

A cúpula do G7 foi concluída nesta terça-feira (28), na Alemanha, de onde o presidente argentino Alberto Fernández voltou "satisfeito", conforme declarou em conferência de imprensa no castelo de Schloss Elmau, na região da Baviera. Também afirmou estar "preocupado" com o posicionamento dos países entre os mais ricos do mundo que conformam o Grupo dos Sete (Itália, Japão, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha e França) sobre a guerra na Ucrânia, para a qual o único desfecho reconhecido pelo grupo é a derrota da Rússia.

A presença da Argentina na cúpula foi uma importante representação dos países do Sul Global. Como um dos cinco convidados especiais para o encontro, Fernández, em caráter de presidente da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), destacou o esforço realizado para que outros países da "periferia do mundo" estivessem presentes na cúpula do G7.

"Vou embora satisfeito porque cumpri a tarefa que havia proposto, que era trazer a voz de outro lugar do mundo, que nunca são escutadas nessas reuniões do G7", disse o mandatário argentino, pontuando que convocou a presença da África e da Ásia nos encontros com os presidentes europeus que manteve em maio, em uma viagem em que passou por França, Alemanha e Itália.

As pautas da região no G7

Neste sentido, o pedido de Alberto Fernández no G7 de somar esforços para cessar o mais rápido possível a guerra na Ucrânia faz eco com o risco de uma crise alimentar mundial que impactaria com mais força os países em desenvolvimento. O alerta se deve à inflação, particularmente, sobre os cereais e óleos vegetais que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), atingiram seu nível de preço mais alto desde a criação do órgão, em 1990.

O segundo ponto que o presidente argentino levou à cúpula do G7 foi a proposta de construir "uma nova arquitetura financeira internacional, que inclua as periferias do mundo", como refere-se aos países do Sul Global. Desse modo, convocou os representantes de Estado a não olharem "impávidos como a riqueza se concentra em poucas corporações enquanto a pobreza se distribui entre milhões de pessoas", enfatizando a atenção sobre as populações que atravessam privações alimentares como um imperativo ético.

"Solicitei estabelecer a ordem de prioridade dos problemas", disse Fernández. "O primeiro é a guerra, e o segundo é a ordem internacional, o sistema econômico internacional, que gera a situação que estamos vivendo. O problema não é a pobreza, mas o modelo econômico que gera a pobreza."

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Entre os outros cinco países convidados, estão os que integram as regiões mais seriamente afetadas pela crise alimentar mundial desencadeada com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia – com exceção da própria Ucrânia, cujo presidente, Volodymyr Zelensky, participou por vídeo chamada no primeiro dia da cúpula: Senegal, que lidera a União Africana; África do Sul, único membro africano do G20 e integrante do Brics; Indonésia, país anfitrião do G20 este ano; e Índia, quinta economia mundial atrás de Estados Unidos, China, Japão e Alemanha.

No entanto, os países-membros do G7 coincidiram em manter e convocar outros Estados a aplicar sanções contra a Rússia, e também isolar a China, conforme publicaram na declaração final da reunião.

"O que emerge das nossas discussões e conclusões é que não é o Ocidente que se opõe ao resto do mundo, mas o lado da paz contra o lado da guerra", concluiu o presidente francês Emmanuel Macron. "A Rússia não pode e não deve vencer e, portanto, nosso apoio à Ucrânia e as sanções contra a Rússia continuarão enquanto for necessário e com a intensidade necessária nas próximas semanas e meses."

Neste sentido, há uma leitura sobre a escolha de países convidados pelo Grupo dos Sete que consiste em buscar uma aproximação com Estados que se abstiveram na votação pela retirada da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU: Índia, Senegal e África do Sul. Na ocasião, a Argentina, em meio a uma renegociação da dívida bilionária com o Fundo Monetário Internacional (FMI), votou a favor, em uma postura alinhada aos Estados Unidos e que gerou controvérsias com Moscou.

Como o FMI atualmente incide não apenas sobre a política econômica da Argentina, mas também dita regras para outros países do Sul Global, Fernández solicitou mais repartição de recursos especiais, como os chamados "direitos especiais de giro", concedidos no contexto da pandemia pelo FMI aos países endividados.

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O presidente do Conselho Argentino de Relações Internacionais, José Octavio Bordón, observa que, apesar de uma "política internacional inconsistente", a presença de Fernández como presidente não só da Argentina, e também da Celac, foi indispensável dada a conjuntura atual.

"Foi uma apresentação adequada e pertinente porque, por um lado, [Fernández] foi muito claro com relação a preocupação e a rejeição que temos desta invasão da Rússia na Ucrânia", afirma Bordón ao Brasil de Fato. "Por outro lado, e relacionado ao enfrentamento da crise da pandemia, energética e alimentar e os problemas da iniquidade, destacou um ponto em comum de países da América Latina, que é a possibilidade de emissões especiais e mudanças de políticas nos sistemas financeiros para que os países em desenvolvimento possam não só enfrentar as dívidas que tenham mas também os esforços, os déficits e a inflação geradas."

Aproximações

Além dos discursos e aparições públicas no marco do G7, Fernández manteve reuniões bilaterais com representantes de diversos países presentes na cúpula. Neste sentido, buscou uma aproximação com um ator relevante demograficamente e no contexto de crise alimentar: a Índia.

O encontro bilateral com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, inaugurou a agenda de reuniões do presidente argentino, no mesmo dia de sua chegada à Alemanha (26). Segundo destacou o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Santiago Cafiero, parte da comitiva na Alemanha, os mandatários conversaram sobre transferência de biotecnologia para a agroindústria e a mineração de lítio e cobre, necessários para a eletromobilidade – uma das apostas de produção para a Argentina.

A relação comercial com a Índia alcançou um recorde no ano passado, com US$ 5,6 bilhões em exportações argentinas ao país asiático. A expectativa é que o número seja superado em 2022, com o crescimento das exportações de óleo de girassol, que substituíram as exportações ucranianas, e farinha de soja.

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Além disso, a agenda do Sul Global esteve na pauta, com o fim de levar "uma voz unificada" para o G20, que será realizado na Indonésia em novembro deste ano, na Índia em 2023 e no Brasil em 2024. O presidente Alberto Fernández também reforçou a Modi o pedido de entrada da Argentina no Brics, algo que vem sendo negociado e também tratado na última reunião do bloco, na semana passada.

Fernández também manteve reuniões formais e informais com o chanceler alemão, Olaf Scholz, e com o presidente francês Emmanuel Macron. Na comitiva, foi presente a observação de uma certa mudança de perspectiva dos líderes europeus ao olhar para o Sul Global e não apenas para a região africana. Na cúpula, Fernández se ofereceu como um fornecedor de alimento e biotecnologia, visando o financiamento de países europeus que, na atual conjuntura, tendem a ser mais cautelosos com seus recursos.

Outro ponto forte de sua passagem pelo G7 foi o encontro entre Alberto Fernández e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson. Atendendo a pedido do premiê do Reino Unido de uma reunião bilateral, Fernández ressaltou que abrir o diálogo sobre a soberania da Argentina sobre as ilhas Malvinas é um condicionante para destravar as negociações diretas com o Reino Unido.

A reunião não terminou bem: Johnson apenas respondeu que "esse assunto foi resolvido há 40 anos". No entanto, foi uma notável oportunidade para que a Argentina levantasse o tema do colonialismo europeu sobre a região da América Latina e o Caribe, debate ainda fresco movimentado pelo Comitê Especial de Descolonização da ONU, em Nova Iorque, na semana passada.

O presidente também manteve uma reunião com a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que busca reativar o acordo de livre comércio entre União Europeia e o Mercosul, amplamente questionado na região latino-americana. Na ocasião, von der Leyen teria pedido acelerar a concretização do pacto firmado em 2019 pelo então presidente argentino Mauricio Macri para aumentar a comercialização de alimentos e a produção de lítio argentino, componente necessário para a fabricação de carros elétricos.

Edição: Thales Schmidt